A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

29 de outubro de 2024

XXII

 

Mundos esferas
Sangue passando por veias
Diluição da vida cotidiana
Nada impede o sortilégio
Trens noturnos, estação sob forte neblina
Impossível dizer se embarco
Tudo dependerá de minha fecunda imaginação
E do gosto exagerado pelo real mais erradio.
Improviso com a metade do que me foi dado ler
Assim um drama
Palavras olham para fora
Limite possível e improvável da significação
Andarilhas perdidas no caminho do sagrado
Bolhas ardentes nas solas dos pés.

Ana Chiara


Sim

 

Todos os poemas

são de amor.

Pela rima,

pelo ritmo,

pelo brilho

ou por alguém,

alguma coisa

que passava

na hora

em que a vida

virava palavra.

 

Alice Ruiz

 

10 de julho de 2024

10

 a boca não fala

o ser (que está fora

de toda linguagem):

só o ser diz o ser

 

a folha diz folha

sem nada dizer

 

o poema não diz

o que a coisa é

 

mas diz outra coisa

que a coisa quer ser

 

pois nada se basta

contente de si

 

o poeta empresta

às coisas

sua voz - dialeto -

 

e o mundo

no poema

se sonha

completo

 

Ferreira Gullar

8 de julho de 2024

Inútil escrutar tan alto cielo

Inútil escrutar tan alto cielo
inútil cosmonauta el que no sabe
el nombre de las cosas que le ignoran
el color del dolor que no le mata

inútil cosmonauta
el que contempla estrellas
para no ver las ratas

Manuel Vázquez Montalbán

7 de julho de 2024

26 de junho de 2024

Mamãe lia a sorte no açúcar


 "Mamãe lia a sorte no açúcar" (2012), HDV, Stereo, 4:35

Conceito e texto: Victor Heringer. Música: Victor Heringer. 

Trechos de comerciais, declarações de jogadores de futebol e pastores a respeito de sonhos vs. Allen Ginsberg lendo "A tempestade" de Shakespeare. 

Vídeo: Victor Heringer. Trechos de "The GOES-O weather satellite launches aboard a United Launch Alliance Delta IV rocket" (NASA, 2009) e "Carnival" (Bud Gamble, data desconhecida), ambos em domínio público. 

 Notas: 

1) "O homem tem todas as chances de desaparecer e desaparecerá mais cedo do que pensa, mas, por outro lado, tem razão em prolongar essa tragicomédia, nem que seja por distração ou por vício" (Cioran, 1990) 

2) Meus mais sinceros agradecimentos ao senhor Anônimo que subiu a escada branca para o azul belamente vestido de azul e branco. 

3) O ruído da palavra "sonho" que se ouve no vídeo é, de fato, a palavra "sonho" lida por um programa de conversão de pixels em sons. 

 Este vídeo faz parte da série "Arquespélago" (2012). http://automatografo.org


21 de junho de 2024

esconderijo

 o nome é o esconderijo perfeito

um labirinto onde perdemos a identidade

dentro de um nome não precisamos saber quem somos

quando ouvimos alguém pronuncia-lo 

basta mecanicamente responder: "eu"


Salvador Passos