A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

15 de novembro de 2025

Bendita Palavra Maldita

imagine se 

por algum estranho motivo 

a música parasse de tocar


e pudesse ser consumida 

apenas através de partituras. 

o mundo ia ficar mais triste 

bem mais triste


isso aconteceu com a poesia. 

afastada do corpo e da fala 

confundida com a escrita 

passou a ser monopólio 

de um estreito círculo de iniciados


mas isso está mudando

isso está mudando 

isso está mudando


Chacal

1 de outubro de 2025

Sempre

 E sempre que vier a dor do ser

revirá o último cuspe, sabor de osso

a remoer o sonho

sempre que souber de quem lutara

nas guelras de mal dormidas batalhas

e no rilhar dos dentes se afogara

em meio a poentas e estúpidas mortalhas,

desse modo, e sempre que houver palavra

a ser cuspida por entre tanta ausência

e pelo humano pó de uma qualquer estrada

onde mortos se enovelam pelas selvas

de sementes e feras apagadas,

este estampido cego, o absurdo oco

de que me valho para que, pouco 

a pouco, o poema se esvazie do carretel

de fúrias e no tempo perfaça. ovo

ainda mais vazio no vazar da espuma, 

bile diária de quem perdeu o sonho. 

inútil luz de sol sotoposto, último

agosto de um violino a arder o oculto rosto

 

Pois sempre inodora a flama que desdenha

de uma aurora que não mais desempenha

 

Afonso Henriques Neto 

 

14 de agosto de 2025

A marcha das utopias

não era esta a independência que eu sonhava

não era esta a república que eu sonhava

não era este o socialismo que eu sonhava

não era este o apocalipse que eu sonhava


José Paulo Paes


6 de julho de 2025

Festa

Belchior datilografou 

para si um a um 

todos os versos 

da Divina Comédia


Eu só queria saber 

qual a sensação de colocar 

aquelas palavras 

naquela ordem disse ele


Leonardo Gandolfi

30 de maio de 2025

Vestígios

 

Tenho como hábito sublinhar palavras

Como quem traça rotas de fuga

No labirinto dos livros

Produzindo no silêncio de suas páginas

Um poema implícito

Perdido naquilo que está inscrito no escrito das coisas

Como se o poema fosse um espelho de silêncios

Eco quase inaudível

Ou animal selvagem 

Aprisionado no fundo de uma trama

No centro de um labirinto

Como se os livros fossem uma espécie de oceano 

Cheio de possibilidades em aberto

Pois quem escreve uma história deixa de escrever infinitas outras

Sempre deixando no seu rastro

Os vestígios de um naufrágio

 

Salvador Passos

11 de maio de 2025

Vigilantes noturnos

 Os que fazem amor não estão apenas fazendo amor; estão dando corda ao relógio do mundo

 

Mário Quintana