Depois que se chega ao tudo
É preciso voltar
A NADO
Salgado Maranhão
Red Anarco Utopista Libre
imagine se
por algum estranho motivo
a música parasse de tocar
e pudesse ser consumida
apenas através de partituras.
o mundo ia ficar mais triste
bem mais triste
isso aconteceu com a poesia.
afastada do corpo e da fala
confundida com a escrita
passou a ser monopólio
de um estreito círculo de iniciados
mas isso está mudando
isso está mudando
isso está mudando
Chacal
E sempre que vier a dor do ser
revirá o último cuspe, sabor de osso
a remoer o sonho
sempre que souber de quem lutara
nas guelras de mal dormidas batalhas
e no rilhar dos dentes se afogara
em meio a poentas e estúpidas mortalhas,
desse modo, e sempre que houver palavra
a ser cuspida por entre tanta ausência
e pelo humano pó de uma qualquer estrada
onde mortos se enovelam pelas selvas
de sementes e feras apagadas,
este estampido cego, o absurdo oco
de que me valho para que, pouco
a pouco, o poema se esvazie do carretel
de fúrias e no tempo perfaça. ovo
ainda mais vazio no vazar da espuma,
bile diária de quem perdeu o sonho.
inútil luz de sol sotoposto, último
agosto de um violino a arder o oculto rosto
Pois sempre inodora a flama que desdenha
de uma aurora que não mais desempenha
Afonso Henriques Neto
não era esta a independência que eu sonhava
não era esta a república que eu sonhava
não era este o socialismo que eu sonhava
não era este o apocalipse que eu sonhava
José Paulo Paes
Belchior datilografou
para si um a um
todos os versos
da Divina Comédia
Eu só queria saber
qual a sensação de colocar
aquelas palavras
naquela ordem disse ele
Leonardo Gandolfi
Tenho como hábito sublinhar palavras
Como quem traça rotas de fuga
No labirinto dos livros
Produzindo no silêncio de suas páginas
Um poema implícito
Perdido naquilo que está inscrito no escrito das coisas
Como se o poema fosse um espelho de silêncios
Eco quase inaudível
Ou animal selvagem
Aprisionado no fundo de uma trama
No centro de um labirinto
Como se os livros fossem uma espécie de oceano
Cheio de possibilidades em aberto
Pois quem escreve uma história deixa de escrever infinitas outras
Sempre deixando no seu rastro
Os vestígios de um naufrágio
Salvador Passos
Os que fazem amor não estão apenas fazendo amor; estão dando corda ao relógio do mundo
Mário Quintana