A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

28 de março de 2025

Estelita

deixei os copos sobre a pia
o café na xícara já estava frio
deixei palavras pelos cantos
poemas adormecidos nas lembranças

esqueci abertas as janelas  
a casa guardava seus espantos em silêncio
esperava pelo vento de outras vidas

Salvador Passos

26 de fevereiro de 2025

Gesta da água

“Há sempre um copo de mar

        para um homem navegar”

                                    Jorge de Lima

 

 

Nesta grandíssima manhã 

de primavera, 

as portas 

da minha casa 

estão abertas 

para a visita

fluida da beleza.

Altair é a susana da minha poesia 

e da minha vida.

A solidão habitava o feiume 

dos meus gestos e

querençoso eu esperava 

o tempo.

 

Hoje caminho tardo 

pelo vento oeste.

 

Meu coração vagueia 

no mapa das ruínas 

e infesto o campo dos 

silêncios.

 

Cada ruído pressentido, 

diz da alma.

 

Cada rastro revelado, 

diz da vidência, essa 

alegria 

a se eternizar.

 

Mancham os céus de um cinza cruel 

e morrem 

os oceanos 

em mim.

 

Eu que sempre 

fui água, 

mansidão 

de peixes 

e de siris.

 

 

Ser líquido 

na chuva, 

rio no mar naufragado.

 

Eu que sempre 

fui água, 

a escorrer 

pelo sangue das marés.

 

Ó manhã 

devastada no belo! 

Assim é a ceia farta 

dos maremotos 

escondidos!

 

Queda,

quebra,

estrondo

 

elegia da natureza 

encantada,

sou água!

 

Diego Mendes Souza

21 de novembro de 2024

Não adianta tentar se destinguir

 Não adianta tentar se destinguir 

raça, riqueza, nação, deuses,

hábitos ordinários e ancestrais 


quando a água invadir

todos terão que nadar.

Pedro Lago


11 de novembro de 2024

Arte do Poeta

 escrever é ser assaltado

e manter o sangue frio

ou fazê-lo ferver, borbulhar e correr

nas frias treliças metálicas

do concreto armado

 

escrever um poema é costurar

gotas

de suor ou lágrimas

tecer uma longa colcha de ondas

sobre sonhos profundos

 ou subir na espiral dos sons

de uma escada cujos degraus

são as notar de uma canção oca

e ascender

através das nuvens evaporadas

rumo ao sol

ao céu

ao nada

 

Lucas Nicolato

29 de outubro de 2024

XXII

 

Mundos esferas
Sangue passando por veias
Diluição da vida cotidiana
Nada impede o sortilégio
Trens noturnos, estação sob forte neblina
Impossível dizer se embarco
Tudo dependerá de minha fecunda imaginação
E do gosto exagerado pelo real mais erradio.
Improviso com a metade do que me foi dado ler
Assim um drama
Palavras olham para fora
Limite possível e improvável da significação
Andarilhas perdidas no caminho do sagrado
Bolhas ardentes nas solas dos pés.

Ana Chiara


Sim

 

Todos os poemas

são de amor.

Pela rima,

pelo ritmo,

pelo brilho

ou por alguém,

alguma coisa

que passava

na hora

em que a vida

virava palavra.

 

Alice Ruiz

 

10 de julho de 2024

10

 a boca não fala

o ser (que está fora

de toda linguagem):

só o ser diz o ser

 

a folha diz folha

sem nada dizer

 

o poema não diz

o que a coisa é

 

mas diz outra coisa

que a coisa quer ser

 

pois nada se basta

contente de si

 

o poeta empresta

às coisas

sua voz - dialeto -

 

e o mundo

no poema

se sonha

completo

 

Ferreira Gullar