A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
28 de julho de 2010
23 de julho de 2010
22 de julho de 2010
Travessa dos Poetas de Calçada
O homem com pressa
AtravessAtravessAtrasado
para chegar do outro lado
Mas
Como tem pressa
práxegá
só chega d`outro lado
Já o poeta
Vai
Só
Através
da
traves
ça
Sem traves
Atrás
Ando
a tarde
Em
Tarde
Sendo
(ou seria?
--------- Em tar
----------------- D
------------------- escendo
--------------------------- a travessa...)
Em
Quanto
Em
Tende
que
Em
Tarde
"S"
Através
da
través
ça
Atravésss
zzzzzzzzz
zzzzzzzzz.zzzzzzzzz
zzzzzzzzz.zzzzzzzzz.zzzzzzzzz
-----------------------------Ando
A tarde
Ele,
O poeta,
Através
ça
a
traves
ça
SÓ
--IS
----SÔ
Salvador Passos
20 de julho de 2010
11 de julho de 2010
Seu Metaléxico
economiopia
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos
José Paulo Paes
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos
José Paulo Paes
8 de julho de 2010
Caminhada Noturna
A inatividade do pensar
Me paralisa neste ponto em que me encontro desencontrado de mim mesmo
O rio segue sem mim
A noite caminha pelo rio na forma de lua cheia
Vazia de sentido
Que sentido tem a lua na noite?
O bar na esquina?
O que dizer se esse silêncio não cala?
Raimundo Beato
Me paralisa neste ponto em que me encontro desencontrado de mim mesmo
O rio segue sem mim
A noite caminha pelo rio na forma de lua cheia
Vazia de sentido
Que sentido tem a lua na noite?
O bar na esquina?
O que dizer se esse silêncio não cala?
Raimundo Beato
A noite
E se os séculos forem como breves noites de um breve sono?
Então despertarei como de um sono de séculos
E do silêncio da noite roubarei teu beijo
E a ultima noite nesta morada
Envolto na atroz mortalha
Será como a primeira
E os lábios frios desta dama
Serão como os doces beijos
da primeira namorada
E teus olhos negros
Como estrelas
Da noite silenciada
Este mesmo silêncio de agora
Só que diferente
Raimundo Beato
Então despertarei como de um sono de séculos
E do silêncio da noite roubarei teu beijo
E a ultima noite nesta morada
Envolto na atroz mortalha
Será como a primeira
E os lábios frios desta dama
Serão como os doces beijos
da primeira namorada
E teus olhos negros
Como estrelas
Da noite silenciada
Este mesmo silêncio de agora
Só que diferente
Raimundo Beato
Na ilha por vezes habitada
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.
José Saramago
1 de julho de 2010
Notas para uma Declaração dos direitos (e deveres) dos narradores(*)
Preâmbulo
O que é um narrador e quais são os seus deveres e direitos? É narrador (ou narradora) quem conta histórias e reelabora mitos, conjuntos de referências simbólicas partilhadas - ou de alguma forma conhecidas e, quando for caso disso, questionadas, por uma comunidade. Contar histórias é uma actividade fundamental para qualquer comunidade. Todos contamos histórias, sem histórias não estaríamos conscientes do nosso passado nem das nossas relações com o próximo. Não existiria qualidade de vida. Mas o narrador faz do contar histórias a sua actividade fundamental, a sua “especialização”; é como a diferença entre o passatempo do bricolage e o trabalho de carpinteiro. O narrador desempenha - ou deveria desempenhar - uma função social comparável à do griot nas aldeias africanas, do bardo na cultura celta, do aedo no mundo clássico grego. Contar histórias é um trabalho peculiar que pode trazer vantagens para quem o desenvolve, mas contudo é sempre um trabalho, tão integrado na vida da comunidade quanto o de apagar incêndios, cultivar os campos, assistir os incapacitados, etc.. Por outras palavras, o narrador não é um artista, mas um artesão da narração.
Deveres
O narrador tem o dever, de não se considerar superior aos seus semelhantes. É ilegítima qualquer concessão à imagem idealística e romântica do narrador como criatura pressupostamente mais “sensível”, em contacto com dimensões do ser mais elevadas, também quando escreve sobre absolutas banalidades quotidianas. No fundo também os aspectos mais ridículos e espalhafatosos do ofício de escrever baseiam-se numa versão degradada do mito do artista, que se torna uma “estrela” pelo facto de o considerarem de alguma forma superior aos “comuns mortais”, menos mesquinho, mais interessante e sincero e, num certo sentido, heróico já que suporta os “tormentos” da criação. Pelo facto do estereótipo do artista “angustiado” e “atormentado” suscitar mais sensacionalismo e possuir mais peso do que a fadiga de quem limpa as fossas biológicas, podemos compreender o quão distorcida está a actual escala de valores. O narrador tem o dever de não confundir a efabulação, sua principal missão, com um excesso de autobiografismo obsessivo e ostentação narcísica. A renúncia a estas atitudes permite salvar a autenticidade dos momentos, permite que o narrador tenha uma vida para viver sem que seja uma personagem por interpretar sob coacção.
Direitos
O narrador que cumpre o dever de refutar os estereótipos supracitados tem o direito de ser deixado em paz por quem, ao invés, enche os bolsos propagandeando-os (cronistas de costumes, paparazzi culturais, etc.). Qualquer estratégia de defesa contra as intromissões deve basear-se na não sujeição à lógica. Em suma, quem se quer passar por “estrela”, quem posa para estúpidas sessões fotográficas ou quem responde a perguntas sobre todos os assuntos, não tem o direito de se queixar dessas mesmas intromissões. O narrador tem o direito de não aparecer nos media. Se um canalizador não aparece ninguém lhe pede explicações ou o acusa de snobismo. O narrador tem o direito de não se tornar numa besta amestrada das soirées ou da coscuvilhice literária. O narrador tem o direito de não responder a perguntas que não considera pertinentes (sobre a sua vida privada, preferências sexuais, gostos culinários, hábitos quotidianos, etc.). O narrador tem o direito de não se fingir versado em todos os assuntos. O narrador tem o direito de se opôr, através da desobediência civil, contra as pretensões de quem o tente privar dos seus direitos (incluindo os editores).
Wu Ming, Verão de 2000
Preâmbulo
O que é um narrador e quais são os seus deveres e direitos? É narrador (ou narradora) quem conta histórias e reelabora mitos, conjuntos de referências simbólicas partilhadas - ou de alguma forma conhecidas e, quando for caso disso, questionadas, por uma comunidade. Contar histórias é uma actividade fundamental para qualquer comunidade. Todos contamos histórias, sem histórias não estaríamos conscientes do nosso passado nem das nossas relações com o próximo. Não existiria qualidade de vida. Mas o narrador faz do contar histórias a sua actividade fundamental, a sua “especialização”; é como a diferença entre o passatempo do bricolage e o trabalho de carpinteiro. O narrador desempenha - ou deveria desempenhar - uma função social comparável à do griot nas aldeias africanas, do bardo na cultura celta, do aedo no mundo clássico grego. Contar histórias é um trabalho peculiar que pode trazer vantagens para quem o desenvolve, mas contudo é sempre um trabalho, tão integrado na vida da comunidade quanto o de apagar incêndios, cultivar os campos, assistir os incapacitados, etc.. Por outras palavras, o narrador não é um artista, mas um artesão da narração.
Deveres
O narrador tem o dever, de não se considerar superior aos seus semelhantes. É ilegítima qualquer concessão à imagem idealística e romântica do narrador como criatura pressupostamente mais “sensível”, em contacto com dimensões do ser mais elevadas, também quando escreve sobre absolutas banalidades quotidianas. No fundo também os aspectos mais ridículos e espalhafatosos do ofício de escrever baseiam-se numa versão degradada do mito do artista, que se torna uma “estrela” pelo facto de o considerarem de alguma forma superior aos “comuns mortais”, menos mesquinho, mais interessante e sincero e, num certo sentido, heróico já que suporta os “tormentos” da criação. Pelo facto do estereótipo do artista “angustiado” e “atormentado” suscitar mais sensacionalismo e possuir mais peso do que a fadiga de quem limpa as fossas biológicas, podemos compreender o quão distorcida está a actual escala de valores. O narrador tem o dever de não confundir a efabulação, sua principal missão, com um excesso de autobiografismo obsessivo e ostentação narcísica. A renúncia a estas atitudes permite salvar a autenticidade dos momentos, permite que o narrador tenha uma vida para viver sem que seja uma personagem por interpretar sob coacção.
Direitos
O narrador que cumpre o dever de refutar os estereótipos supracitados tem o direito de ser deixado em paz por quem, ao invés, enche os bolsos propagandeando-os (cronistas de costumes, paparazzi culturais, etc.). Qualquer estratégia de defesa contra as intromissões deve basear-se na não sujeição à lógica. Em suma, quem se quer passar por “estrela”, quem posa para estúpidas sessões fotográficas ou quem responde a perguntas sobre todos os assuntos, não tem o direito de se queixar dessas mesmas intromissões. O narrador tem o direito de não aparecer nos media. Se um canalizador não aparece ninguém lhe pede explicações ou o acusa de snobismo. O narrador tem o direito de não se tornar numa besta amestrada das soirées ou da coscuvilhice literária. O narrador tem o direito de não responder a perguntas que não considera pertinentes (sobre a sua vida privada, preferências sexuais, gostos culinários, hábitos quotidianos, etc.). O narrador tem o direito de não se fingir versado em todos os assuntos. O narrador tem o direito de se opôr, através da desobediência civil, contra as pretensões de quem o tente privar dos seus direitos (incluindo os editores).
Wu Ming, Verão de 2000
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