6 de janeiro de 2011

Utopia (ou importância do que não é)

Há um lugar que não há
Encontra-se somente nos livros e lembranças
Nos sonhos e esperanças
Encontra-se mais ainda nos livros nunca lidos

Qual a importância do que não há?
O fato de não existir não significa que este lugar não seja

Afinal a leitura do poema ainda virgem
O autor ainda desconhecido
Guarda a potência de todo universo

Todos os poemas
Não falam
Apenas poema não escrito é verdadeiro

Pois é este que nos faz ler todos os outros
O amor não vivido nos atira para frente
Nos leva ao flerte

Há uma noite adormecida em mim
A espreita
Como um horizonte distante
Para o qual olhamos
Uma espécie de terra do nunca
Um desnunca
Como os moinhos de Cervantes

Desde sempre
Desde antes
No silêncio da noite infinita
Já existiam os versos esquecidos
Os versos que ainda não são
Os versos que ainda estão
por serem escritos

Neste lugar deposito coisas
E lá me aguardam todos os poemas não escritos
Um muro que ainda não pulei
Uma noite que ainda não vivi
Neste lugar estão todos os poetas mortos
e todos os poetas que serão
Todos num bar
cercado de caveiras
bebendo

Todos escutando Bukowski praguejando sobre o não sentido da vida
Falando de como ele lutou como um touro
Sem saber porque
Sabendo apenas que tinha de fazê-lo
Pois se não fizesse, outro o faria
Então melhor que fosse ele
e não outros

Ouço a sabedoria de Bukowski
Todos ali oferecem tudo que têm
Mas este tudo é tão pouco perante o tempo infinito que nos espera
Neste flerte com o desconhecido,
Este tudo ofertado,
é apenas nada
Mas é no nada
É no não existir
que reside seu valor,
afinal,
tudo pode ser
Sem represas nem defesas
Neste lugar, não há nada
mesmo assim
tudo nos aguarda
Os moinhos rodam sem pás nem vento
Não há paz de cemitério
Apenas doce mistério
No nada está a vida
e não a morte com o vento do tempo

Rimbaud diz que a vida verdadeira está em outro lugar
Este seria o outro lugar: o bar dos poetas mortos

Em outro lugar todos nos esperam
(Eu espero)
Mas me lembro sempre
Que os livros que carrego não me pesam
Não sou eu que os carrega
São eles que me levam

Raimundo Beato

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