O espanto da noite
O despertar de repente
O antes?
O depois?
Só há enquanto, o agora
Mas de onde vem a nostalgia de tudo que éramos?
Essa vontade de retornar, de sermos de novo?
Só a noite nos liberta
Pois na noite há um beijo frio nas cobertas
Pois na noite há um sono breve que transporta
E nos deixa à beira
Perante a trágica porta
Aquela que de todas não é só passagem
Mas sim distante eternidade
Aquela que tem a idade do tempo
Aquela que tem o peso do chumbo
E a cor do desconhecido
Aquela que tem o passo do silêncio
E a cada noite que me vejo,
Mesmo que brevemente, perante tal porta
Percebo que sou menos
Me afasto de algo que não sei o que é
Vejo em meus atos apenas pó
Vejo em minhas tentativas apenas nada
Mas sigo em cada dia
Centro de meu próprio universo
Tão alheio e tolo
Como se o mundo fosse isso
E não a porta que me engolirá um dia
Que sentido há nesta espera?
Que faremos nestes dias que nos restam?
Se a cada hora tudo o que há é só a porta à espreita
Ainda que permaneça seguindo em cada dia
Em cada noite vejo a porta
E recordo do nada que me aguarda
E dos atos que nada carregam
A porta jaz ali fechada exposta
como se à espera do dia em que enfim será transposta
Eis que sigo contemplando
somente a fechadura
Raimundo Beato
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