que palavras estas que me falam
as palavras mesmas que me exercem
as palavras mesmas que me calam
as palavras todas que eu sou
as palavras outras que não sou
as palavras estas que me falham
estes nomes todos que ignoram
que poema é este que me cala
não este calar que cala
no silêncio
mas um calar que calha
lá por dentro
que linguagem é esta que me impede
de dizer as coisas que me falam
que linguagem é esta que me impele
a falar de coisas que não vivo
a falar de vidas que não vejo
a queimar o fogo que há por dentro
não o fogo fogo que consome
mas consome algo outro que não vejo
as palavras lavram falhas que me erram
as palavras lavram falas que me lavam
as palavras calam coisas que nomeiam
ao queimar aquilo tudo que há por dentro
os dizeres todos nulos que encerram
esculhambam as certezas todas que não negam
que melhor são os dizeres todos solitários
e os gritos surdos que enxugam
não lastimo estas lágrimas todas que derramo
elas erguem as bandeiras altas que se atrevem
a bailar no vento torto como trovas
entoando o ritmo sagrado do nada
amplo nada que paira sobre as cabeças de todos aqueles que vivem
não
não há a tão edílica verdade
não não há senão
etílica inveracidade
há apenas
a voz
o canto
e o encanto dos dizeres
sente o calor no coração
sente o frio da razão
sente a firmeza do vazio na noite
e por trás das estrelas o que há?
o tempo do universo denso há milhões de anos luz se esfumaçando
sim
e mesmo assim
perante a derrota
gritas
tua voz
tua voz solitária e aos ouvidos dos demais
outros solitários dizeres
tecem esta rede
esta tão perdida rede de dizeres
tortos a se entoarem e se converterem
em som e energia
mais que as estrelas
ou refletindo a luz das estrelas transmutando energia atômica
em poesia
Salvador Passos
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