HP 
 Qual era o ambiente literário quando a revista Azougue começou, e 
 quantos anos você tinha?
 SC 
 A primeira Azougue saiu em 1994, quando eu tinha 20 anos. O contexto 
 em torno da revista era muito diferente de hoje. As coisas melhoraram muito 
 nesses 15 anos. Se você pensar a poesia brasileira daquele período, tinha 
 acontecido alguma coisa nos anos 80, que foi principalmente a publicação em 
 editoras profissionais dos poetas marginais da década de 1970, em coleções 
 como Cantadas Literárias, da Brasiliense, que editou o Waly Salomão, a Ana 
 Cristina César, o Chacal, o Cacaso e o Leminski, e Olho da Rua, da LP&M, que 
 editou nomes como o Roberto Piva. Os poetas que fizeram os anos 80 foram 
 poetas da década anterior, que começaram com a abertura a serem absorvidos 
 por uma juventude mais ampla. Então, uma poesia que seja uma tradução dos 
 anos 80 não existe, a não ser nas letras do rock brasileiro. Você vai ter 
 depois, no fim da década, uma coleção clássica que foi a Claro Enigma, 
 editada pelo Augusto Massi. Mas lá também, se você for ver os poetas, são 
 nomes como Rubens Rodrigues Torres Filho, Orides Fontella, Francisco Alvim, 
 que já estavam na estrada faz algum tempo. O que tem, e talvez seja o 
 primeiro poeta que possa dizer algo sobre o que surgiria nos anos 90, é o 
 Paulo Henriques Britto. Ele possui uma das características que aconteceriam 
 nos anos 90, que é uma volta às formas tradicionais, mas que não é por uma 
 reação a um movimento anterior de abertura, como é a geração de 45, mas uma 
 volta ao formalismo que me parece por motivos mais existenciais, porque tudo 
 estava tão fragmentado que as pessoas precisavam achar alguma baliza para a 
 sua poesia. É o que ocorre também com nomes como Carlito Azevedo e Claudia 
 Roquette-Pinto, que surgem no Rio de Janeiro na virada da década. A 
 experiência de linguagem talvez seja a grande marca da poesia que surge 
 nesse momento. Um caso exemplar é o Fernando Paixão, que faz um exercício 
 formal no livro 25 Azulejos, criando poemas numa forma fixa de 11 
 versos, alguns com grande beleza. Mas, quando eu tinha 20 anos, as livrarias 
 eram vazias de poesia. O grande fator é esse. 
 HP 
 É o contrário do exagero que existe hoje.
 SC 
 Isso. A Brasiliense havia quebrado, você tinha os resquícios dos livros dela 
 nas estantes apenas. A Companhia das Letras tinha um livro ou outro de 
 poesia contemporânea no catálogo, mas era exceção. Então, em 1994, a 
 Iluminuras começa a publicar uma nova geração de poetas, que foram muito 
 importantes para a gente, como primeiro surgimento de uma poesia que tinha a 
 cara dos anos 90. Eram livros como o Solarium, do Rodrigo Garcia 
 Lopes, e o LSD Nô, do Ademir Assunção. Dois poetas que vinham de 
 Londrina. E os dois tinham uma característica que acho muito forte nos anos 
 90, que é um pluralismo de linguagem. Eram poetas que traziam, no mesmo 
 livro, experimentos que se aproximavam do concretismo e poemas que se 
 aproximavam da geração Beat, por exemplo. Você tinha desde o hai-cai até 
 poemas quase em prosa. Esses poetas liam com a mesma naturalidade Augusto de 
 Campos e Roberto Piva. O perigo que havia neles é que algumas vezes é 
 difícil encontrar a voz do poeta por trás dessas experiências. Cada poema é 
 tão diverso um do outro que você não consegue identificar o autor por trás 
 dos textos. O perigo dessa abertura total é de virar tudo um exercício de 
 estilo. A poesia dos anos 90 não cria uma cara muito definida, ele se 
 caracteriza pela pluralidade, pelo exercício de linguagem e muitas vezes por 
 um certo afastamento entre poesia e vida. É o fica claro anos depois, com o
 boom da editora Sette Letras, que utilizando o avanço tecnológico que 
 permitia edições baratas em baixa tiragem, publica dezenas de livros de 
 poetas novos em pouquíssimo tempo. E daí sim a poesia dos anos 90 se 
 apresenta a público. A Sette Letras virou a casa da poesia brasileira dos 
 anos 90, todo mundo está lá, e a importância dela ainda precisa ser contada.
 
 HP 
 Mas isso já foi posterior ao surgimento da Azougue.
 SC 
 Sim. Quando a Azougue surgiu, como falei, as livrarias estavam vazias 
 de poesia. E não havia revistas de poesia circulando, também. Eu me lembro 
 de uma revista que circulava com mais afinco, que era a Cigarra. Uma 
 revista pequena, simpática, de Santo André, que apresentava textos de poetas 
 novos. Ela publicou um poema meu, e recebi uma carta elogiosa do Uilcon 
 Pereira, que é um escritor fantástico de Araraquara que merecia mais 
 atenção. Ele dizia que meu poema era “uma boa surpresa do final dos tempos”. 
 Aquilo foi muito importante para mim. O curioso é que ele morreu pouco 
 depois. Mas, voltando à questão do vazio, a Azougue foi uma reação a esse 
 cenário. O que a gente percebeu, e se tornou a grande questão para a gente, 
 é que os poetas que a gente lia eram inacessíveis para a nossa geração. O 
 Claudio Willer estava há 13 anos fora de catálogo, o Roberto Piva estava há 
 nove anos sem publicar, o Afonso Henriques Neto estava sumido. As nossas 
 referências não existiam para a nossa geração, não tínhamos como 
 compartilhar eles.
 HP 
 E como aconteceu desses caras, que eram fantásticos, virarem referência para 
 vocês? Quem eram vocês e onde vocês descobriram eles?
 SC 
 Foi um bom acaso. Quando adolescente eu gostava de poesia, mas havia um 
 problema porque a poesia brasileira que circulava, que a gente tinha acesso, 
 não nos respondia, digamos assim. Ela parecia muito longe da minha vida. Eu 
 encontrava o retrato mais próximo do que eu era na letra de música. O que 
 aconteceu é que um dia mágico da minha vida, um dia fundamental, eu e dois 
 amigos, o Juliano e o Ferraz, que posteriormente fariam o Azougue comigo, 
 adolescentes ainda, fomos fazer um sarau simbolista para tomar uma garrafa 
 de absinto que eu havia ganho do meu avó. Ela estava perdida, empoeirada na 
 estante, e eu pedi para ele que me deu. Então pegamos o absinto, fomos para 
 um sítio, e levamos os livros de poesia que a gente lia na época, o 
 Matrimônio do Céu e do Inferno do William Blake, o Temporada no 
 Inferno do Rimbaud, Pequenos poemas em prosa do Baudelaire. As 
 nossas referências eram todas antigas. E eu levei, por acaso, um livro do 
 Edson Passetti chamado Das fuméries ao narcotráfico. Era uma análise 
 sobre o tráfico de drogas, e que no fim dizia que se era para discutir 
 drogas, era necessário ver os textos literários que foram feitos sob ou 
 sobre o efeito de drogas. E tinha uma parte chamada Estilhaços, que 
 era uma série de textos baseados em drogas. De Rimbaud a Ginsberg. Meu pai 
 estava lendo o livro como sociólogo, e eu peguei ele sem avisar e pus na 
 mochila. Então, a gente tomou absinto, fumou, e começou a leitura. Estava 
 chovendo forte, e a água entrava pela persiana fechada. De repente, o 
 Juliano pega o livro do Passetti e começa a ler um poema: “Eu direi as 
 palavras mais terríveis esta noite/ enquanto os ponteiros se dissolvem/ 
 contra o meu poder/ contra o meu amor...” E o poema acabava com “eu apertava 
 uma árvore contra meu peito como se fosse um anjo/ meus amores começam 
 crescer/ passam cadillacs sem sangue os helicópteros mugem/ minha alma minha 
 canção bolsos abertos da minha mente/ eu sou uma alucinação na ponta de teus 
 olhos”. Ele acaba de ler o poema e nós estávamos estatelados. Nunca tivemos 
 antes uma experiência como aquela. E nós passamos o resto da noite só lendo 
 esse poema, tentando entender aquilo. Porque ali havia a mesma voz que a 
 gente encontrava num Jim Morrison ou num Lou Reed, só que falando sobre São 
 Paulo. Havia a referência existencial e a referência geográfica. Era uma voz 
 que a gente podia entender como nossa. Naquele momento a poesia apareceu 
 como uma possibilidade. Ela não era mais uma coisa presa a um passado, mas 
 fazia parte de nosso tempo. A única referência ao autor do poema, o Roberto 
 Piva, era uma nota de pé de página dizendo que era um poeta entregue à 
 rebelião constante e que tinha passado 13 anos experimentando cogumelo e 
 ácido lisérgico. Perfeito para encantar adolescentes... 
 HP 
 E daí?
 SC 
 Daí eu voltei para São Paulo obcecado pelo Piva, sai em busca de qualquer 
 coisa dele. Eu comprei a Antologia Poética, que a LP&M tinha lançado 
 dele, e procurei meses e meses pelo Paranóia, que era o livro dele 
 onde estava o poema que tínhamos lido no sítio, o Meteoro. Daí um dia 
 eu estava com a minha namorada na época, que também faria parte da 
 Azougue, a Priscila, e a gente entra num sebo escondido numa galeria na 
 rua Augusta, e eu pergunto para o vendedor: “Você tem o Paranóia do 
 Roberto Piva?” Ele vira e fala “Você veio no lugar certo, garoto”. E pega, 
 tira uma chave do bolso, vai até a escrivaninha, abre a primeira gaveta, 
 tira uma caixa de madeira, abre a caixa, tem um papel celofane violeta, 
 desembrulha e lá está o Paranóia. Eu deixei quatro mesadas minhas lá. 
 Quando estávamos indo embora, o cara chegou para a Priscila e cochichou 
 “larga esse cara, porque ele é perigoso”. O que criou um clima mais 
 fascinante para a gente. O Piva significava perigo. Não há coisa mais 
 maravilhosa, quando você é adolescente, do que descobrir que a poesia pode 
 significar perigo. E o Paranóia virou um tipo de amuleto para mim, um 
 objeto de poder, para usar a terminologia do próprio Piva. 
 HP 
 Isso com quantos anos?
 SC 
 Eu devia ter uns dezessete, dezoito anos. E começamos a pesquisar o Piva e 
 os poetas em torno dele. Eu e a Priscila íamos todas as tardes para a 
 Biblioteca Municipal Mário de Andrade, no centro de São Paulo, e ficávamos 
 lendo poesias e copiando a mão. A Pri foi uma companheira maravilhosa 
 naquele momento. Ela tem um bloco de 500 páginas de poemas que eu copiei e 
 passei a limpo a mão. E foi lá que tive acesso ao Willer, ao Afonso 
 Henriques Neto. A gente começou a mergulhar nessa geração, guiados pelos 
 próprios livros dos poetas, que sempre, em algum momento, falavam uns dos 
 outros. Havia uma intertextualidade nos poemas que nos serviam de guia de 
 leitura. Você ia criando uma rede, descobrindo cada vez mais poetas. O 
 Roberto Piva e o Claudio Willer, especialmente, são poetas-críticos, a 
 poesia deles está dialogando abertamente com outros textos, não apenas 
 citando, mas interpretando eles. 
 HP 
 Então parece que a ditadura foi menos brava com a poesia do que foi com a 
 música, porque vocês encontravam os livros na biblioteca.
 SC 
 Pelo contrário. Um dos grandes problemas que a gente tinha era exatamente 
 esse. Entre 1964 e 1981, os livros não existiam na biblioteca. Então você 
 tinha o Paranóia e o Piazzas do Piva, que são de 1963 e 1964, 
 e você depois só ia encontrar depois o 20 poemas com brócolis, que é 
 de 1981. O Willer também, você tinha o Anotações para um apocalipse, 
 de 1964, e depois só o Jardins da Provocação, de 1981. Os livros 
 intermediários eram inacessíveis. Era um vazio de 17 anos. 
 HP 
 Mas a produção editorial também ficou parada nesse tempo, não?
 SC 
 Mais ou menos. A partir de 1976 ela começa a ser retomada. Sai o 26 
 poetas hoje, da Heloísa Buarque de Hollanda, o Massao Ohno volta a 
 publicar em São Paulo. O Piva e o Willer ficaram sem publicar entre 1964 e 
 1976, e o Piva tem um discurso de que foi por motivos existenciais, mas eu 
 duvido. Se um editor batesse na porta deles certamente eles teriam algo para 
 publicar debaixo do braço, e deve ter livros do Piva perdidos ou guardados 
 em seus armários...
 HP 
 E como você conheceu pessoalmente eles?
 Um dia eu descubro por 
 uma nota no jornal que o Claudio Willer faria uma palestra numa biblioteca 
 pública na zona norte de São Paulo, do outro lado da cidade. E eu e a 
 Priscila pegamos um ônibus correndo para lá. E teve uma coisa importante 
 para mim, porque eu estava fazendo cursinho, e perguntei para o Willer qual 
 curso eu devia prestar vestibular para ser poeta. E ele respondeu “qualquer 
 um, menos letras”. Ele até hoje fica bravo quando lembro isso, mas o 
 argumento era perfeito, que o curso de letras iria me domesticar a um certo 
 grupo de autores e interpretações. Eu fui fazer filosofia, não deu certo, 
 mas tudo bem. E foi a primeira vez que eu fiquei cara a cara com um poeta 
 que admirava. Eu lembro que o texto da quarta capa da Antologia Poética 
 do Piva dizia que ele era como um fantasma andando pelas ruas da cidade. E 
 eu andava por aquelas mesmas ruas que ele freqüentava, me perguntando se ele 
 estava lá, se eu tinha passado por ele. Porque eu não sabia como era a cara 
 dele. Havia toda uma mística em volta disso, “quem são esses caras que 
 frequentam a mesma cidade que eu mas ao mesmo tempo são invisíveis?”
 HP 
 Daí vocês começaram a revista?
 SC 
 Eu e o Danilo Monteiro, que era um amigo meu que também escrevia poesia, já 
 estávamos conversando fazia um tempo em editar uma revista. Um dia, 
 conversando num bar na Rua da Consolação, o Chamego, sobre entrevistar esses 
 caras e fazer uma publicação, decidimos ligar para o Piva. Estávamos eu, o 
 Danilo, a Priscila e o Daniel Chaia, que depois virou cineasta. Eu fui até o 
 caixa do bar e peguei uma lista telefônica, achei o telefone do Piva e 
 liguei para ele de um telefone público que tinha dentro mesmo do bar, ao 
 lado da porta. Quando atendem, pergunto se podia falar com o Roberto Piva. 
 “É ele”. “O poeta Roberto Piva”. “Sim”. E eu conto a história, que queríamos 
 entrevistá-lo para uma revista, que éramos jovens fãs de sua poesia. E ele 
 diz “me encontre em quinze minutos num bar na Angélica, o Luar de Agosto, eu 
 vou estar com calça jeans, um tênis de caminhada e uma camisa de caçador”. O 
 bar era lá perto, então a gente vai à pé e encontra ele. A primeira coisa 
 que ele fez foi se recusar a sentar de costas para a rua, dizendo que 
 aprendeu isso com os gangsteres. A gente conversou por horas, ele deu de 
 presente para a gente uns exemplares do Piazzas e o livro da Maria 
 Sabina, que é uma curandeira mexicana que fazia uma vigílias com cogumelos, 
 uns poemas lindos, completamente surrealistas. Depois eu publiquei um texto 
 fantástico do Jerome Rothenberg sobre ela. E a gente começa a manter contato 
 com o Piva, começa uma relação pessoal de amizade, de freqüentar a casa 
 dele. A gente ia lá e passava tardes e tardes tomando cerveja, ele lendo 
 poesia para a gente, os poetas expressionistas alemães, os surrealistas, o 
 Pasolini. A casa era minúscula, em Santa Cecília, entulhada de livros. A 
 gente enchendo a cara de cerveja e mergulhando em poesia. O Piva tem uma 
 capacidade incrível de viver a poesia.
 HP 
 E a revista começou.
 SC 
 Não. A revista não ia para a frente, até que aconteceu uma coisa curiosa. Um 
 dia, eu estava tomando cerveja com o Daniel Chaia na escola de comunicação e 
 artes da USP, e quando a gente vai embora, no carro dele, tem um cara 
 pedindo carona, com aquelas pastas gigantes de artistas plásticos. E a gente 
 dá uma carona para ele. Ele entra, a gente começa a conversar e está tocando 
 o Loki, do Arnaldo Baptista. E a gente começa a cantar juntos as 
 músicas, ele conhecia todas as músicas de cor também. E eu falo para ele que 
 sempre sonhei fazer uma reportagem new journalism on the road, 
 entrevistando o Arnaldo Baptista em Juiz de Fora. E ele disse que também Era 
 um artista plástico, o Eduardo Verderame, que ficou logo nosso amigo. A 
 balada seguiu noite adentro. A gente ficou enchendo a cara, andando pela 
 cidade, fomos ver o Império dos sentidos na Cinemateca, aquele filme 
 erótico japonês, conversamos a noite inteira. No dia seguinte ele me liga e 
 diz que queria apresentar outro amigo dele que também gostaria de fazer uma 
 revista, para a gente começar a trabalhar juntos. Esse amigo é o Alexandre 
 Barbosa, que morava no mesmo bairro que eu, o Brooklin. A Azougue 
 começou desse encontro por acaso na rua.
 HP 
 Na época era um fanzine?
 SC 
 Saíram dois números como fanzine, xerocados, 100 exemplares. E é uma coisa 
 curiosa, porque isso era em 1994 e ninguém tinha computador. Computador 
 ainda era uma coisa rara. Então a gente ia para a casa de amigos ricos, 
 digitava os textos, imprimia e ia montar os fanzines no processo 
 recorta-cola. As ilustrações eram por xérox. A gente não tinha nenhum 
 conhecimento de como fazer uma revista, de mancha de texto, etc. Era 
 completamente instintivo. No primeiro número, a gente traduziu Kenneth 
 Rexroth, cummings e Cortázar, e publicou alguns poemas nossos, que foi a 
 segunda questão que entrou na revista. O Alê Barbosa já tinha um livro de 
 poesia publicada. Ele tinha essa aura de “já sou poeta édito”. Mas eu tinha 
 total ciência de que não tinha texto para um livro. Estava com vinte anos, 
 estava aprendendo a escrever ainda, sabia disso, não tinha nenhuma chance de 
 ter um livro publicado tão cedo. Ao mesmo tempo queria escoar minha 
 produção. Eu escrevia poemas, o que eu não tinha era um livro. Se você não 
 tem 30 poemas bons para fazer um livro, você vai esperar dez anos até 
 mostrar suas coisas, ou precisa achar outra maneira de divulgá-los. E a 
 revista surgiu também como esse veículo de divulgação de nossos próprios 
 textos. A gente brincava que era como o disco compacto da poesia. E teve 
 resultado. A minha poesia amadureceu muito em torno das respostas que eu 
 tinha desses poemas que publicava na Azougue. As pessoas criticavam, 
 analisavam, elogiavam. O segundo número nós publicamos o Gary Snyder e 
 alguns poemas inéditos do Piva, inclusive um divertidíssimo e raro sobre o 
 Paulinho Paiakan. Esse número está perdido, não conheço mais ninguém que 
 tenha ele. A gente publicou esses dois números em xérox, com poucos 
 exemplares. Era divertido, mas era frustrante ao mesmo tempo, porque não 
 tinha uma circulação além dos amigos.
 HP 
 E como virou uma revista?
 SC 
 A gente começou a pensar como viabilizar uma tiragem maior, mas não tinha 
 dinheiro. Daí eu descobri que a ECA-USP tinha um programa de fomento a 
 revistas, utilizando a própria gráfica deles. O diretor era um espanhol que 
 estudava o Buñuel e companhia, e eu invadi a sala e fiz um sermão. Disse que 
 eles só fomentavam revistas de quadrinhos, e que era uma escola de 
 comunicação que precisava de outras linguagens, e que ele tinha que 
 financiar uma revista de poesia. O cara disse “Tá bom, tá bom, tá bom”, e 
 escreveu uma carta autorizando que eu imprimisse um número na gráfica, 
 assinou a carta e me despachou. O problema é que até hoje ele não sabe que 
 eu não era aluno da USP, e que então não poderia ter a permissão de usar a 
 gráfica. Como ele não me perguntou, eu também não disse nada. (risos) E daí 
 a gente tinha uma revista para fazer, com 48 páginas e tiragem de 500 
 exemplares. Então a gente começou a pensar no conteúdo da revista com outras 
 perspectivas. Naquele primeiro número nós publicamos o Orlando Parolini, que 
 era uma figura fantástica, um poeta que atuava nos filmes do Carlão 
 Reichenbach, mas que nunca teve seus livros publicados em vida, e que era 
 inteiramente desconhecido. Um dia eu estava de carro com o Daniel na avenida 
 Paulista, e a gente vê o Carlão, que era um diretor já importante, esperando 
 no ponto de ônibus, porque ele tinha a teoria de que cineasta de verdade tem 
 que andar de ônibus, para ver as pessoas. Uma teoria que devia ser melhor 
 difundida. E nós demos uma carona para ele, eu falei da revista, do meu 
 interesse pelo Parolini, e no dia seguinte ele me dá uma pasta de textos do 
 Parolini acompanhados por uma apresentação que ele tinha feito na época que 
 o Parolini morreu, alguns anos antes. Além disso, eu entrevistei o Claudio 
 Willer, que foi a primeira entrevista da minha vida. Eu tinha 20 anos, mas 
 era bastante inepto nessas coisas. Eu me lembro que fiquei em pânico, a sala 
 girava à minha volta. A entrevista foi excelente, mas quando fui transcrever 
 a fita eu tive um problema sério, porque todas as respostas dele começavam 
 com “não é bem assim” (risos). Então eu percebi que eu era um imbecil, mas 
 que não podia mostrar isso ao mundo. A entrevista foi boa pelas respostas, 
 mas não pelas perguntas. Então eu cortei todas as perguntas, e transformei a 
 entrevista em depoimento. Foi uma defesa minha. O engraçado é que esse 
 depoimento marcou a linguagem da Azougue, as pessoas começaram a 
 pensar os depoimentos seguintes usando como base esse texto do Willer. Então 
 se criou uma voz por um erro. O Willer fez uma entrevista muito generosa, 
 falava do contexto da poesia naquele momento e contava a história da geração 
 dele. Foi a introdução ideal para o que estávamos pensando em fazer. Mas 
 também refletia sobre o momento, inclusive falando com bastante lucidez 
 sobre a internet. Ele falava uma coisa maravilhosa, que assim como Buñuel 
 fez a poesia invadir a linguagem cinematográfica, tinha-se que fazer a 
 poesia invadir a internet. Não utilizar a internet como veículo de poesia, 
 mas ter uma visão poética da internet. Existe uma diferença muito grande 
 entre uma coisa e outra. E isso no começo de 1995. Ele já estava antenado e 
 preocupado com o que seria o impacto da internet na informação naquele 
 momento.
 HP 
 Então vocês tinham a preocupação de dar voz ao poeta?
 SC 
 Com certeza, essa era a nossa questão fundamental. A gente sabia muito bem 
 que não adiantava fazer textos críticos, porque as pessoas não conheciam a 
 poesia. Desde quando a gente começou a pensar a revista, a gente já sabia 
 que precisava apresentar o poeta e a sua poesia. Então as antologias de 
 textos da Azougue já começaram muito grandes, com 30, 40 textos por 
 poeta homenageado, quase um livro abrangendo toda a trajetória dele. E a 
 gente fazia isso porque sabia que ou a gente apresentava aqueles poetas, ou 
 as pessoas não teriam acesso, porque eles estavam fora das livrarias. E isso 
 norteou muito o trabalho da Azougue e acho que diferenciou ela das 
 outras revistas de poesia, mesmo quando houve um boom de revistas de 
 poesia alguns anos depois. O que marcou a Azougue e fez ela dar certo 
 foi essa preocupação didática, de formar leitor. Ao mesmo tempo, tentávamos 
 explicar o menos possível a revista. O editorial era um poema coletivo, sem 
 nenhuma referência direta sobre o conteúdo da revista. Na verdade, era um 
 comentário nosso, inteiramente poético, sobre o conteúdo, as intenções e o 
 processo de feitura. Mas de uma maneira bastante hermética. Os dois 
 primeiros eu fiz com o Maurício e o Danilo. E havia os agradecimentos, ou 
 “homenagens a trois”, que eram na verdade brincadeiras com pessoas ou 
 personagens que gostávamos, criando um tipo de hai-cai de pessoas. Como 
 “Alfred Jarry, Qorpo Santo & Campos de Carvalho”. Ou “Leonardo Pareja, 
 Unabomber & Edmundo, o animal”. Nós também homenageávamos revistas 
 independentes que gostávamos na época, como “Delicious babes on fire, Luke 
 Skywalker with diamonds & Strange things are happening”. Isso tudo confundia 
 um leitor que não tivesse senso de humor. Juntar o último marginal romântico 
 (Pareja) que tocava violão nos telhados da cadeia, com um terrorista 
 ecológico e um jogador de futebol era estranho dentro de uma revista de 
 poesia. Mas se pensarmos bem, era exatamente o que a gente queria, criar um 
 campo magnético de atitudes em torno da Azougue. 
 HP 
 E como vocês comercializaram a revista?
 SC 
 A gente achou que a revista iria bombar. Quando o primeiro número ficou 
 pronto, o que demorou alguns meses, a gente saiu da gráfica com uns 
 exemplares tão fascinados com a beleza da revista (olhando hoje, vemos que 
 uma opinião inteiramente equivocada), que corremos empolgadíssimos para um 
 bar para comemorar, sem um puto no bolso, achando que ia vender alguns 
 números lá mesmo para pagar a conta. Não tínhamos dúvida que todo mundo iria 
 querer comprar aquele objeto maravilhoso. Mas é claro que até as duas da 
 manhã não tínhamos vendido nada, e nem sabíamos como pagar a conta. Eu tive 
 que ligar para uma amiga e pedir para ela ir lá no bar pagar a conta para a 
 gente. E daí começamos a sentir o peso da coisa, vimos que distribuição é 
 outra história. A gente não tinha acesso às livrarias, então decidimos fazer 
 eventos de lançamento. Havia uma oficina na Vila Madalena chamada Oficina 
 Pau-Pau, que era uma oficina de marcenaria para menores abandonados, e que 
 era um lugar muito interessante, porque era uma portinha toda pintada, se 
 não me engano pelo Enio Squeff, que ia dar num corredor com a oficina no 
 fundo. Eu sempre brincava que me lembrava o Lobo da Estepe. “Só para loucos” 
 devia estar escrito naquela porta, que só aparecia para alguns, passando 
 despercebida para os transeuntes. E eles emprestaram para a gente o espaço, 
 e a gente fez um evento com cerveja, shows e leituras de poesia lá. Shows de 
 bandas novas e leituras de poesia da gente. O Willer leu também. E a gente 
 fez o lançamento lá, a revista era o ingresso, e vendeu uns 300 exemplares 
 que possibilitou o capital para fazer o número seguinte. E aquilo tornou a 
 revista visível para o mundo. Porque foi um evento que reuniu estudantes de 
 artes plásticas, cinema, antropologia, letras, música. E todo mundo, com a 
 revista na mão, acabou por lê-la.
 HP 
 E a coisa da poesia falada, existia em São Paulo?
 SC 
 Não. Não existia poesia em São Paulo naquela época, seja falada ou escrita. 
 Em 1996 a gente lançou o segundo número, que foi impresso numa gráfica 
 profissional que o Massao Ohno conseguiu para a gente. Esse segundo número 
 tem o Roberto Piva e um texto do Antonio Bivar sobre o Celso Luiz Paulini. O 
 lançamento dele foi também na Oficina Pau Pau, e marcou a primeira ruptura 
 dentro da revista. Já existia uma tensão dentro da Azougue entre a 
 turma do Alê e do Edu, que não gostavam dos poetas que estávamos 
 homenageando, e eu, o Danilo e o Maurício Ferreira, que era um aluno de 
 cinema da ECA e poeta que virou um dos principais azougueiros. O Maurício 
 era de Jaú, a mesma terra da Hilda Hilst e do Celso Luiz Paulini. Chão de 
 poetas. O apartamento do Maurício na rua Frei Caneca virou nosso quartel 
 general, eu praticamente morava lá com a Pri. Descobri outro dia que a 
 namorada do Maurício na época lançou um livro de memórias onde ela trata eu 
 e a Pri de forma bastante agressiva, como dois vagabundos que vão viver de 
 favor lá... 
 HP 
 Maravilha. Falavam o mesmo do Guy Debord. (risos)
 SC 
 Mas, voltando, a tensão começou a crescer dentro da revista, e explodiu no 
 lançamento. O Piva fez uma leitura, e recitou um poema em que ele dizia que 
 se o PT chegasse ao poder ele fugiria para a Colômbia “na penumbra de um 
 fusquinha verde”. Sempre adorei essa imagem, é uma grande demonstração do 
 tipo de humor dele. E um amigo do Alê começa a berrar da platéia que o Piva 
 era fascista. Daí o Piva leu o poema até o fim e começou a chamar quem 
 estava gritando para ir ao palco enfrentá-lo. Ninguém aparece, e daí 
 acontece uma coisa incrível. Porque o Piva pega uma garrafa de cerveja, 
 desse do palco, e começa a bater ela contra uma pilastra para quebrar ela e 
 atacar o cara. O Piva é um cara forte, mas por algum milagre, por mais que 
 ele batesse a garrafa não quebrava. O Roberto Biccelli, que é um poeta amigo 
 dele, vai acalmá-lo mas acaba pisando num pedaço de madeira com um prego, e 
 começa a pular. Então uma cena que era para ser trágica começa a ficar 
 cômica. E o Piva volta para o palco, já se divertindo, e pega um tambor e 
 diz: “então vamos cantar um mantra para expulsar os brochas do ambiente”. E 
 começa a bater o tambor e gritar “brocha, brocha”. E a platéia inteira 
 acompanha, e o pessoal dissidente vai embora. Lá fora rola uma briga entre a 
 gente, e a equipe se divide. Nós continuamos e o Alê e o Edu saem fora da 
 revista. Aquele dia foi incrível. O Piva lendo, eu li o Garota dadá, 
 que falava de uma trepada no banheiro de um bar com uma menina “com gosto de 
 porra na boca”. Por incrível que pareça, aquilo ainda incomodava em 1995. E 
 o Maurício leu o Visão do apocalipse com caxumba, que virou um 
 clássico. É um poema inacreditável. No poema tinha um verso que era “a puta 
 que o pariu com o sonho pacífico das bucetas”. E o Piva ficou fascinado com 
 aquilo, subiu no palco e fez outro mantra com isso por dez minutos, batendo 
 o tambor e repetindo esse verso. Depois o Maurício leu os Ghost tantras 
 do Michael McClure, os poemas que utilizam uma linguagem animal, “GRHHHHH, 
 RAHHHH, GRAHL”. Aquilo tudo era realmente maluco.
 HP 
 E as pessoas se assustavam ou entravam nessa?
 SC 
 Algumas se assustavam. Lembro que o Cazé, da MTV, estava chegando em São 
 Paulo e foi lá nos ver. E saiu dizendo que nós éramos uns selvagens. Mas era 
 claro para as pessoas que havia alguma coisa acontecendo ali, e era uma 
 coisa viva. E a gente viveu de algumas generosidades incríveis. No primeiro 
 número, nós fizemos dois lançamentos. O da Oficina Pau Pau e outro no Cinema 
 do Banco Nacional, que depois virou Unibanco, onde passou o Filme 
 demência, do Carlos Reichenbach, que tem o Parolini e o Willer no elenco 
 e é um dos maiores filmes brasileiros. Abrindo a sessão passou o 
 Juvenília do Paulo Sacramento. O Juvenília foi um filme que 
 marcou a nossa turma lá em São Paulo. Na primeira Azougue a 
 quarta-capa é um fotograma do filme. O Juvenília era um filme todo 
 feito com fotografias branco e preto, mostrando um grupo de jovens 
 sorridentes e saudáveis destrinchando um cachorro morto na rua. Muito pior 
 que chutar. E o filme acabava com um cachorrinho olhando a cena com cara de 
 triste, e aplausos ao fundo. Eu não conhecia o Paulo, mas a gente viu o 
 filme na estréia, numa sessão no MIS. Foi a Pri que me levou, porque ela 
 tinha visto o primeiro filme do Paulo, Ave, onde um cara degola uma 
 galinha e injeta o sangue dela na veia. E essa sessão tinha uma série de 
 curtas, que mostrava bem o clima da época. Eram filmes inteiramente inócuos, 
 um deles tinha cena de torturas denunciando a ditadura vinte anos depois. E 
 todo mundo aplaudia, por pior que fosse o filme. De repente, entre um filme 
 e outro, passa umas garotas vestidas de aeromoças dando sacos para vômito de 
 avião para a platéia. E fica aquele clima, o que está acontecendo. E passa o
 Juvenília. Quando acaba o filme começa uma vaia terrível na platéia, 
 e levanta o Carlão Reichenbach e o Jairo Ferreira e começam a gritar “bravo! 
 Bravo!”. Daí o Maurício levanta também e começa a gritar, e eu também, e a 
 Pri. E ficou isso, uma vaia imensa e dez ou quinze cabeças gritando “bravo!” 
 A gente saiu da sessão e ficou andando pela cidade noite adentro, 
 conversando sobre o que tinha acontecido. De que ainda existia a 
 possibilidade de mexer tanto com a platéia a ponto de fazer ela vaiar. 
 Contra a impressão modorrenta de que estava tudo morto, aquela vaia foi um 
 sinal de vida incrível. 
 HP 
 As pessoas estavam aplaudindo domesticamente...
 SC 
 E de repente ele conseguiu tirar uma vaia. Naquele momento a gente sentiu 
 que existia uma possibilidade, que a arte estava viva. Aquilo norteou muito 
 a gente para fazer a Azougue. E foi um grande orgulho meu passar o 
 Juvenília naquele lançamento. Eu me senti me aproximando da geração que 
 me interessava, comecei a achar os parceiros. E a revista toma um corpo 
 nesse sentido. O primeiro número foi ignorado, mas quando saiu o segundo 
 número a gente começa a ter notícias no jornal. Sai alguma coisa na Folha, 
 e rola uma história engraçada, porque o Jornal da USP faz uma 
 matéria. E meu pai fica orgulhoso, eu tinha desistido da universidade mas 
 agora ia sair no jornal dela, no lugar em que ele trabalhava. E espera 
 ansioso pela matéria. Mas quando sai a notícia a manchete é “Gangsteres, 
 poetas e delirantes”. Ele ficou possesso. (risos) Ao mesmo tempo, foi quando 
 realmente começamos a perceber que estávamos retomando uma geração de 
 poetas, que os nomes que nos interessavam estavam sempre unidos por amizade 
 e interesses. Uma noite, na casa do Maurício, ele me mostrou um livro de um 
 poeta que ele havia conhecido em Florianópolis, quando morou lá. O Maurício 
 tinha trabalhado como marinheiro, tentado se aventurar pelo mundo, e foi 
 parar na Ilha do Desterro. E, uma noite, foi num cinema lá ver um filme do 
 mestre Mizoguchi, o grande cineasta japonês. E, quando acabou o filme, ele 
 estava aos prantos e ficou com vergonha de se levantar para ir embora. 
 Quando finalmente decidiu sair, viu um homem também enxugando as lágrimas, e 
 os dois começaram a conversar. Era o Rodrigo de Haro, e ele deu um livro, 
 Amigo da labareda, para o Maurício. Nessa noite, ficamos lendo o livro 
 encantados com a beleza e a força dos poemas. E varamos a noite, lendo e 
 conversando. A gente passava noites em claro no apartamento do Maurício 
 lendo e discutindo. Aquela foi a nossa formação. Daí, nesse dia, ficamos 
 lendo um poema do de Haro sobre Dionísio, e fomos ler Baudelaire, a relação 
 do Dionísio com Midas, tudo isso. E uma hora lembramos que não tínhamos 
 jantado, e que como sempre não havia nenhuma comida na casa. E saímos, lá 
 pelas quatro da manhã, numa noite chuvosa, para caçar algum lugar aberto. 
 Estava tudo escuro, fechado, mas uma hora nós viramos na rua Augusta e está 
 lá o letreiro dourado: MIDAS LANCHES. O lugar virou imediatamente nossa 
 segunda casa, e foi a primeira de uma série de coincidências que aconteceram 
 em torno da descoberta do de Haro. A segunda foi que o posfácio do Amigo 
 da labareda era do Willer, que morava no prédio da frente do Maurício. 
 Nós esperamos até uma hora possível, umas nove da manhã, e corremos para 
 falar com ele. Quando ele abriu a porta, estava de roupão com um livro 
 aberto na mão do Rodrigo de Haro. Ele disse que fazia anos que não lia o 
 Rodrigo, e que nesse dia acordou com vontade de relê-lo. E nos passou o 
 telefone do Rodrigo. O Maurício não tinha telefone em casa, então corremos 
 para a minha casa, para ligar para ele. Quando liguei, o Rodrigo atendeu e 
 contei que tinha uma revista de poesia e gostaria de entrevistá-lo. E ele 
 perguntou o que estava saindo na revista. Falei do Piva e do Willer, que 
 agora já sabíamos amigos dele, mas quando falei do Paulini ficou um silêncio 
 na linha. Daí o Rodrigo falou que desde a morte do Paulini ele não tinha 
 mais lido ele, e que nessa manhã tinha acordado pensando nele e pegado o 
 livro para reler. E que estava fazendo isso naquele exato momento. Essa 
 série de coincidências, ou acasos objetivos, começaram a ser vistas por nós 
 como um sinal de que estávamos descobrindo algo poderoso.
 HP 
 E daí a revista deslanchou? 
 SC 
 Depois do segundo número, acontece uma série de mudanças na revista. O 
 Maurício sai, por motivos pessoais, deixando inédito o melhor livro de 
 poesia da geração, Malasartes. E eu me separo da Pri. Assim, a equipe 
 sofre toda uma reformulação. Eu tinha convidado um amigo do Danilo, o Bruno 
 Zeni, para fazer um encarte na revista, que ele chamou de Várzea, 
 falando sobre outros assuntos que não poesia. Estava sentindo falta disso. E 
 ele acabou co-editando também a Azougue. O Alê Ferraz chegou de uma 
 temporada em Londres, e se aproximou da gente também. Formamos uma trinca 
 que editou os três números seguintes. A primeira mudança que fizemos foi 
 chamar artistas plásticos da nossa geração para ilustrar a revista. Nos 
 números anteriores, usávamos colagens de material, mas agora todas as 
 imagens eram feitas especialmente para a revista. Mas nós tínhamos um 
 problema, porque o dinheiro arrecadado nos lançamentos não era o suficiente 
 para financiar a impressão de um novo número. Consegui completar o pagamento 
 com o dinheiro que consegui por organizar um encontro de revistas 
 independentes para a Secretaria de Cultura de São Paulo. Foi um evento no 
 Centro Cultural Maria Antônia, que reuniu desde pessoal jovem, como a turma 
 da Grafitti e o Peter Baierstoff, o cineasta trash lá do sul, com veteranos 
 como Wladyr Nader, que editava a Escrita, e Toninho Mendes, que era 
 da Circo, a editora do Angeli e do Laerte. O Toninho fez uma palestra 
 brilhante, hilária. Contou que quando ele rompeu com a equipe do jornal 
 Versus, nos anos 70, por eles terem se aliado à Convergência Socialista, 
 ele ficou possesso e disse que iria embora sem levar nada daquele jornal, 
 nem mesmo a roupa do corpo. E voltou para a casa pelado. É bien trovato. 
 Mesmo assim, o dinheiro era pouco, e foi preciso usar a criatividade. Fazer 
 fotolito, naquela época, era coisa cara, e não podíamos nos dar a esse luxo. 
 Então decidi inventar, e entreguei para a gráfica cópias xérox das páginas 
 da revista, impressas em papel transparente ao avesso. Servia como um 
 fotolito digital. Infelizmente, era difícil para a gráfica adequar o tempo 
 de exposição do fotolito para a chapa, e as imagens perderam qualidade. O 
 Bruno se ressentiu bastante disso, talvez por ser mais amigo dos artistas. 
 Mas se não fosse dessa forma, a revista não teria existido. 
 
 Pouco depois, em 1997, 
 começa um boom de revistas de poesia e literatura no Brasil. Surgem 
 várias: Cult, Inimigo Rumor, Medusa, Sebastião... A coisa muda um 
 tanto de figura, e novos desafios são colocados. Uma coisa é atuar na 
 escassez, outra na fartura. As revistas precisavam ser mais do que espaços 
 abertos, era necessário criar uma cara, uma editoria, uma linguagem. Porque 
 agora as pessoas já possuíam espaços de publicação, então esse primeiro 
 problema não existia mais. Acho que muitas revistas de poesia sofreram com 
 isso, por se manterem muito abertas e não construírem uma identidade forte. 
 Outra questão é que essas revistas eram feitas por poetas de uma década 
 anterior. O Carlito, quando lança a Inimigo Rumor, já tem 35 anos, o 
 Ademir e o Rodrigo criam a Medusa com mais de 30. E a gente tinha 21, 
 22 anos, o que trazia outro frescor, outra possibilidade. Éramos mais 
 informais, conseguíamos fazer eventos mais abertos, que vendiam 200, 300 
 exemplares da revista. Isso fazia toda a diferença. 
 Na Azougue, a 
 Elisa Cardoso entrou e começou a fazer o projeto gráfico. Ela era mineira, e 
 tinha vindo para São Paulo fazer o Curso Abril, onde conheceu o Bruno. 
 Depois, os dois começaram a namorar. Ela é uma designer incrível, que agora 
 já é premiadíssima. Então pela primeira vez o projeto gráfico da Azougue 
 foi pensado por alguém que sabia do assunto, e isso trouxe uma outra riqueza 
 gráfica. Quando a Azougue começou, era o auge do David Carson, um 
 designer norte-americano que havia renovado o projeto gráfico da revista 
 Trip, e que tinha uma teoria completamente caótica de designer. Ele 
 tinha absorvido a confusão dos fanzines e trabalhava isso 
 institucionalmente. Só que as revistas eram muito difíceis de ler, o texto 
 era visto como um elemento secundário. Então, quando a gente começou a 
 revista, eu era completamente reativo a qualquer firula maior, dizia que 
 tínhamos que privilegiar a legibilidade do texto. E exagerei completamente 
 para esse lado. A Elisa me ensinou que não era bem assim, que havia um 
 caminho do meio. E fez os dois números mais belos e elegantes da revista, 
 com riqueza tipográfica, e, é claro, muito mais legibilidade e leveza. Tudo 
 o que sei de designer aprendi com ela, observando por cima do ombro dela 
 enquanto trabalhava. Essa foi uma questão, inclusive. Antes, as Azougues 
 eram feitas manualmente, todos em volta das páginas com os recortes, 
 pensando e mexendo, interagindo. Com a chegada da Elisa e do computador, 
 essa interação se enfraqueceu.
 HP 
 É o problema da verticalidade. O monitor é vertical, não dá para ficar em 
 volta dele...
 SC 
 Com certeza. Eu senti muito esse lado, acho que diminuiu a interação nossa 
 não só com o design, mas com o texto também. Porque antes estávamos lendo e 
 discutindo a seqüência dos poemas em tempo real, agora tudo era mais 
 distante, era preciso fazer a página, imprimir, e daí pensar as alterações. 
 Mas não foi isso que causou a primeira parada da revista, no fim de 1997, 
 depois de cinco números semestrais. O que aconteceu foi uma briga editorial 
 entre eu e o Bruno, por causa de uma entrevista que tínhamos feito com o 
 Planet Hemp. A entrevista era excelente, mas eu queria que fosse publicada 
 na Várzea e o Bruno no próprio corpo da Azougue. Nós dois 
 estávamos disputando espaço. Pelo dinheiro que tínhamos para imprimir, não 
 dava para aumentar o número de páginas, então eu teria que cortar textos 
 para substituir pelo Planet Hemp, e não estava disposto a fazer isso. O 
 Bruno contra argumentava que o interessante era pensar o rap enquanto 
 poesia, e não separá-lo. Na verdade, os dois estavam certos, mas acabamos 
 rompendo. O clima ficou horrível, acabamos a diagramação da revista 
 brigados, os lançamentos não foram para frente e quando vimos não tínhamos 
 dinheiro nem ânimo para outro número. Então achei que a revista havia 
 acabado.
 HP 
 Mas não...
 SC 
 Não, eu não conseguia parar de pensar nela. E em 1998 conheci o Pedro 
 Cesarino, que havia se formado em filosofia e estava começando a estudar 
 poesia indígena, que era um tema que também me fascinava. E nos juntamos com 
 a Ilana Gorban, que fazia teatro, e a Marina Weis, que fazia cinema. O Alê 
 Ferraz continuou na revista, e o Rogério Trezza começou a fazer o projeto 
 gráfico. Então decidimos retomar o projeto, mas de uma forma mais ambiciosa. 
 Em 1999 lançamos uma nova dentição da revista, bastante diferente. A idéia 
 era tentar realmente profissionalizá-la, conseguir um patrocínio ou 
 propagandas, ter mais fôlego e maior tiragem. A própria revista mudou, ficou 
 com muito mais páginas e ganhou três encartes: teatro, cinema e fotografia. 
 A revista ficou muito mais pesada, com lombada e tudo, e muito cara. Havia 
 coisas incríveis nela, mas até hoje acho que ela ficou meio confusa, sem a 
 simplicidade das anteriores. De qualquer forma, o lançamento foi incrível. 
 Fizemos no MAM, com a exibição de um filme do Pedro Moraes sobre os Novos 
 Baianos, um super-8 até então inédito, e uma jam-session com Jorge 
 Mautner, Nelson Jacobina, Bocatto e Lanny Gordin cantando Dorival Caymmi. 
 Lotamos o museu e tivemos uma venda recorde, em torno de 400 exemplares. Mas 
 a impressão ficou muito cara, e não conseguimos repor o dinheiro. E é claro 
 que não conseguimos também nenhum tipo de patrocínio. Assim, a equipe acabou 
 se desfazendo novamente, e ficamos apenas eu e o Pedro. Para o número 
 seguinte, decidimos simplificar, voltando a só falar de poesia. O número só 
 saiu no ano seguinte, por falta de dinheiro, e o lançamento foi novamente um 
 evento. Fechamos o galpão da Funarte, lotamos o lugar e tivemos bandas, 
 filmes e leituras. Junto com o Christian Saggarth e o Paulo Sacramento, 
 fizemos um curta especialmente para o evento, Ritual. A idéia era 
 brincar com o “cinema muscular”, conseguimos alguns rolos de 16 mm vencidos, 
 fomos para um sítio e fizemos uma fogueira. O filme consistia da relação das 
 pessoas com a fogueira, e o Paulo e o Christian foram um espetáculo a parte. 
 Uma hora entraram literalmente no fogo para fazer uma subjetiva da fogueira. 
 O filme foi bolado no domingo, filmado na segunda e exibido na quinta-feira. 
 Talvez um recorde. E acabou até sendo exibido no Festival de Curtas de São 
 Paulo. Junto com ele, houve outros momentos marcantes no lançamento, como a 
 exibição de Memória da destruição, um curta-metragem filmado em 
 negativo de som, com trilha sonora ao vivo feita pelos Tres Hombres do 
 Daniel Benevides, num dos últimos shows do Minho K, o guitarrista, com o 
 Jairo Ferreira à frente improvisando um discurso em homenagem a Aleister 
 Crowley. 
 HP 
 Foi nesse mesmo ano que você mudou para o Rio, certo?
 SC 
 Sim, e foi muito em conseqüência da revista. No meio do ano, eu vim para o 
 Rio duas vezes, para entrevistar, junto com o Alberto Pucheu, o Leonardo 
 Fróes e depois o Fernando Ferreira de Loanda. Seria esse o próximo número da 
 revista. E eu já estava sem nenhuma perspectiva em São Paulo. Então, na 
 segunda viagem, encontrei um amigo de adolescência, o Gabriel, que estava 
 fazendo doutorado na FGV do Rio, e perguntei se ele topava dividir um 
 apartamento. Ele disse que sim, então fui atrás, consegui um lugar barato no 
 Humaitá, delicioso, com vista do Pão de Açúcar, e não voltei mais para São 
 Paulo. Liguei para a minha família, pedi para embalarem as minhas coisas e 
 mandarem. Poucos meses depois, a Azougue foi contemplada por uma 
 compra governamental, mas para isso precisava ter uma empresa por trás. 
 Desde a minha chegada ao Rio, eu estava procurando o que fazer, sem muita 
 sorte. Então decidi aproveitar a deixa e transformar a Azougue numa 
 editora, que era um sonho antigo meu. Corri atrás dos papéis, mas 
 infelizmente o processo demorou demais e perdemos a venda para o governo. De 
 qualquer forma, investi todo o meu dinheiro editando os livros da editora, e 
 tive que colocar a revista na geladeira até 2003, quando saiu o novo número. 
 Nesta época, eu já tinha entrado em contato com praticamente todo o ambiente 
 literário carioca, e o Pedro Cesarino havia se mudado para o Rio também, 
 onde fazia mestrado com o Eduardo Viveiros de Castro no Museu Nacional. A 
 equipe nova da Azougue contava com a Luiza Leite e o Daniel Bueno, 
 que eram dois poetas cariocas que partilhavam o interesse pelos mesmos 
 autores e assuntos que a gente. E também a Dri Simões e o Zuza, que fizeram 
 o projeto gráfico. Considero esse o melhor número da Azougue até 
 então. Ele misturava a juventude e a leveza dos primeiros números com a 
 maturidade dos dois números anteriores. E tinha preciosidades como a 
 entrevista que o Vinicius de Moraes fez com o Jayme Ovalle e um conto raro 
 do José Agrippino de Paula. Ali eu achei que estávamos de volta ao caminho 
 certo. 
 Mas então a revista 
 sofreu outra reviravolta, dessa vez bastante positiva. No fim do ano, saiu 
 uma resenha sobre o meu segundo livro de poesia, Horizonte de eventos, 
 na Folha de São Paulo. A resenha foi escrita pelo Manoel da Costa 
 Pinto, e começava falando que eu trabalhava com uma tradição “delirante” da 
 poesia brasileira, que passava por Roberto Piva, Claudio Willer, Afonso 
 Henriques Neto e Leonardo Fróes. Nesse dia fui tomar um chopp com o Daniel 
 Bueno, e conversamos sobre o texto. E ele, uma das figuras mais inquietas e 
 brilhantes que já conheci, colocou uma questão destruidora. Disse que o 
 papel primeiro da Azougue foi trazer para a tona uma série de poetas 
 que não tinham o espaço merecido reconhecido. E que com essa resenha estava 
 demonstrado que esses poetas estavam de volta, já sendo falado como uma 
 vertente importante da poesia brasileira em jornais de grande circulação. 
 Outra prova disso era que a maioria desses poetas estavam com obras 
 completas nas livrarias ou em vias de publicação. E que então a Azougue 
 teria que se repensar, para não se burocratizar e se fechar numa forma que 
 não fazia mais sentido. Concordei inteiramente com ele, e começamos 
 imediatamente a pensar o que seria uma nova revista Azougue. Fizemos 
 uma série de reuniões, eu, ele, o Pedro e a Luiza, no apartamento que eu 
 morava então no Jardim Botânico, conversando e anotando idéias. Mas não 
 conseguíamos nada concreto. Sabíamos que queríamos uma discussão mais atual, 
 colocar nossas idéias e questões na rua. Mas não conseguimos respostas 
 concretas, e aos poucos fomos nos dispersando. 
 O que publiquei foi um 
 volume comemorativo dos dez anos da revista, reunindo os principais 
 depoimentos e uma antologia dos autores homenageados. Era uma forma também 
 de mostrar a importância da nossa trajetória, e pensava na época que era 
 meio um canto do cisne da revista. Reuni num livro os 16 depoimentos feitos 
 nesse período (Afonso Henriques Neto, Antonio Fernando de Franceschi, 
 Armando Freitas Filho, Celso Luiz Paulini por Antonio Bivar, Claudio Willer, 
 Dora Ferreira da Silva, Fernando Ferreira de Loanda, Leonardo Fróes, Maria 
 Rita Kehl, Orlando Parolini por Carlão Reichenbach, Paulo Henriques Britto, 
 Roberto Piva, Rodrigo de Haro, Rubens Rodrigues Torres Filho e os prosadores 
 Campos de Carvalho e J.J. Veiga) com quatro entrevistas inéditas (Gerardo 
 Mello Mourão, Hilda Hilst, Jorge Mautner e Vicente Franz Cecim). Virou um 
 livro de mais de 400 páginas, que ficou pronto no dia do meu aniversário de 
 30 anos, em 16 de abril daquele ano. As entrevistas inéditas foram 
 realizadas especialmente para esse livro, tirando a Hilda Hilst, que fizemos 
 em 1999. Foi uma das entrevistas mais marcantes da Azougue. Nós 
 fomos, eu, o Fabio Weintraub, a Marina Weis e a Ilana Gorban, para o sítio 
 dela em Campinas, a Casa do Sol. Chegamos lá no comecinho da manhã, com duas 
 garrafas de vinho do porto, e já começamos a beber e conversar. Passeamos 
 pelo sítio, brincamos com as dezenas de cachorros dela, que ela conhecia 
 todos pelo nome, fizemos pedidos para a figueira que ficava em frente à sua 
 casa e nos sentamos na sala para entrevistá-la. Depois da conversa, 
 estávamos sentados em volta dela, já completamente bêbados, eu no parapeito 
 da janela, e ela pediu para lermos em voz alta alguns poemas dela. Fizemos 
 uma roda de poesia, cada um lendo os seus preferidos, enquanto ela chorava 
 no centro. Parecia um filme.
 HP 
 E como vocês conseguiram reinventar a Azougue?
 SC 
 Na semana que o meu filho Leo nasceu, em setembro de 2005, estava sentado ao 
 lado dele quando foi surgindo um poema na minha cabeça. Era um poema que 
 falava sobre o tempo, “o tempo é um aquário mergulhado em alto mar”, e 
 citava uma série de palavras que eu via sendo muito usadas nas conversas, 
 mas eram binômios um tanto complexos, como “saque/dádiva”, 
 “nomadismo/habitar” e “traição/vínculo”. São palavras usadas por uma 
 novíssima esquerda, só que de difícil compreensão. Então eu jogava com isso. 
 Conversando sobre isso com o Pedro Cesarino, chegamos à conclusão que seria 
 interessante fazer uma série de revistas investigando essas palavras, 
 entrevistando pessoas de diversas áreas para mapear alguns significados que 
 esses binômios, ou eixos temáticos não excludentes, poderiam ter para a 
 cultura e a poesia. Colocamos o projeto num edital de revistas do Ministério 
 da Cultura, dentro do Programa Cultura e Pensamento, e começamos a fazer as 
 entrevistas. Entrevistamos nomes como Eduardo Viveiros de Castro, Ronaldo 
 Lemos, Guile Wisnik, Agualusa, Hermano Vianna, Ericson Pires. E foi um 
 projeto que realmente mudou a minha percepção sobre o nosso tempo. Descobri 
 que existem questões importantíssimas sendo trabalhadas agora, e que não 
 estão visíveis nem mesmo para os pensadores de cultura. E que as questões 
 que envolvem as novas tecnologias são muito mais complexas do que parecem, e 
 precisam ser pensadas de uma forma crítica não excludente. A nossa idéia 
 inicial era fazer uma revista de poesia sem poesia, mas muito mais do que 
 isso virou um esboço de um mapa das questões contemporâneas, que gostaria 
 muito de aprofundar em projetos presentes e futuros. No fim, os eixos 
 temáticos, acrescidos do binômio “invenção/experiência”, se tornaram um 
 livro que reúne quatro números da revista, e que considero o trabalho mais 
 importante que já fiz.
 HP 
 E a revista hoje?
 SC 
 Em 2009 a revista faz 15 anos de existência, e estamos pensando num volume 
 especial, reunindo uma antologia dos poetas que editaram ou estrearam na 
 revista. Seria um olhar nosso sobre a nossa própria produção, algo que até 
 agora não foi feito. E também um mapeamento desse grupo de poetas que está 
 hoje na casa dos trinta anos, e que possui uma produção interessante que não 
 teve ainda um olhar atento da crítica. Nomes como Danilo Monteiro, Bruno 
 Zeni, Pedro Cesarino, Daniel Bueno, Luiza Leite, Maurício Ferreira, 
 Alexandre Ferraz, que editaram a revista, e Marcelo Sorrentino, por exemplo, 
 que estreou na revista e possui uma voz próxima da nossa, embora nunca tenha 
 participado dela mais efetivamente. De todos esses autores, eu sou o único 
 que possui mais de um livro, e que por isso já conseguiu alguma atenção de 
 crítica. Tirando isso, não sei se a revista irá permanecer. Só se aparecer 
 alguma idéia nova que a reinvente. Ainda me interessa trabalhar com 
 periódicos, tenho idéias e estou trabalhando em projetos de fomentos à 
 revistas de cultura, mas isso é outra conversa.
Revista Agulha, Fevereiro de 2009
Heyk Pimenta 
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