A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

29 de outubro de 2015

cosmopoética

é essencial para a poesia
um urro intenso
como um descer na mais profunda gruta
para trazer alguma Eurídice noturna
roubar o fogo dos deuses
Prometeu acorrentado
caminhar pelas fronteiras  desguarnecidas
arriscar
riscar
exorcizar 
como quem procura o verdadeiro verbo
o nome derradeiro
prometer promessas incansáveis
fracassar fracassos impensáveis
carregar delírios
arrastar as pedras
e as cargas
mais pesadas
subir montanhas incansavelmente
verborrágico silêncio delirante dos mistérios
minério intenso do profundo urro
descer à gruta que governa os sonhos
com a voz do verso nulo
e dançar no fogo intenso
através da fala
como quem delira coletivamente

Salvador Passos

6 de outubro de 2015

Mar de Gente

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas do Senegal,
da Turquia, da Síria, da Nigéria!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas pessoas se afogaram!
Quantas praias não chegaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Quantas famílias ficaram por se encontrar
Quantas vidas ficaram por melhorar
Para que fosses nosso, ó mar!
Ó lar!
Lar?
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a esperança é pequena
mas a alma não é.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Quem quer passar além do Mar Morto
Tem que sobreviver.
Quem quer passar além das fronteiras
Tem que enfrentar as trincheiras da hostilidade,
do preconceito e da barbaridade.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
Que dó, meu Deus, que no continente europeu
parece que espelhaste o inferno.

Yasmin Barros

1 de outubro de 2015

Voar fora da asa

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá 
mas não pode medir seus encantos.  
 
Quem acumula muita informação perde o condão de 
adivinhar: divinare.  

Os sabiás divinam. 

Manoel de Barros