29 de outubro de 2015

cosmopoética

é essencial para a poesia
um urro intenso
como um descer na mais profunda gruta
para trazer alguma Eurídice noturna
roubar o fogo dos deuses
Prometeu acorrentado
caminhar pelas fronteiras  desguarnecidas
arriscar
riscar
exorcizar 
como quem procura o verdadeiro verbo
o nome derradeiro
prometer promessas incansáveis
fracassar fracassos impensáveis
carregar delírios
arrastar as pedras
e as cargas
mais pesadas
subir montanhas incansavelmente
verborrágico silêncio delirante dos mistérios
minério intenso do profundo urro
descer à gruta que governa os sonhos
com a voz do verso nulo
e dançar no fogo intenso
através da fala
como quem delira coletivamente

Salvador Passos

6 de outubro de 2015

Mar de Gente

 

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas do Senegal,
da Turquia, da Síria, da Nigéria!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas pessoas se afogaram!
Quantas praias não chegaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Quantas famílias ficaram por se encontrar
Quantas vidas ficaram por melhorar
Para que fosses nosso, ó mar!
Ó lar!
Lar?
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a esperança é pequena
mas a alma não é.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Quem quer passar além do Mar Morto
Tem que sobreviver.
Quem quer passar além das fronteiras
Tem que enfrentar as trincheiras da hostilidade,
do preconceito e da barbaridade.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.
Que dó, meu Deus, que no continente europeu
parece que espelhaste o inferno.

Yasmin Barros

1 de outubro de 2015

Voar fora da asa

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá 
mas não pode medir seus encantos.  
 
Quem acumula muita informação perde o condão de 
adivinhar: divinare.  

Os sabiás divinam. 

Manoel de Barros