o amargo gosto do horizonte sempre mesmo
o peso das amanhãs que se acumulam no meu peito
as letras densas que já se acalmaram demasiadamente
não
não quero a calma
não
não quero raiva ou revolta
quero a voz que diga algo
o sentido
não aquele que me venha desde fora
ou que já me venha pronto
não aquele sempre mesmo repetido pelo dicionário
que define o algo pelo outro
e o mesmo pelo semelhante
assim perdemos o sentido das palavras
pois cada coisa dita é única
não adianta o dicionário elencar a proximidade do distante
pois distar é o que quero
em cada palavra busco o infinito
queria olhar sob os escombros da lembrança e encontrar as raízes da linguagem
as raízes de um tempo em que as palavras carregavam novidades
não há poema mais lindo que aquele que ainda não foi lido
o mistério como algo simétrico à morte
não há como negar
que sonhar ou amar é o mais próximo de morrer que poderemos chegar ainda em vida
por outro lado, não há como se provar esta sentença
mas no íntimo, todos sabem que poesia é isto:
morrer-se um pouco
ou esquecer um pouco do que somos
para nos tornamos mais dispersos
pois o vento trás palavras novas
e as frases capturadas desta forma
trazem um sabedoria ausente na ciência
o ocaso acata tudo, inclusive o acaso
concretiza o som do sonho e o sentido do eterno
o inverno não dispersa o calor
apenas trás pela ausência
a necessidade da presença
ausentar-se é pouco
quando o que buscamos
é narrar o mundo
de maneira nova
Salvador Passos
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