Vejo a carcaça de um fauno
no regaço agreste.
Ao saírem,
calados,
em fila indiana,
os investidores arrastam
as canetas, as pastas de couro,
os parafusos das cadeiras,
lista de ramais.
Espero até ficar sozinho
e cravo meus dentes na saborosa
ata da reunião.
Mastigo planilhas
com voracidade,
penso
na recepcionista do prédio.
Será que ela tem
mau hálito?
Será que ela tem
gengivas bonitas?
Será que ela tem
amígdalas bonitas?
Deixo a sala.
Engulo os metros
de carpete do corredor
& a simpática
funcionária da limpeza,
que manejava um delicioso
aspirador de pó.
Já no térreo,
à falta da recepcionista,
provo um pouco
do segurança de plantão.
Os caninos de Lévi-Strauss
fascinam os tupinambás e
brotam, como navalhas,
na ladeira da Sacopã,
uma fímbria de sangue,
tijuco da evangelização.
Consulto minha agenda
para saber o endereço
de cada um dos executivos
com quem tratei mais cedo,
na rápida conferência
que me abriu
o apetite.
Faço todos de petisco;
suas famílias também.
Volto à rua, disparo.
Boto para dentro
os semáforos,
as tampas dos bueiros,
os postes de iluminação,
os bancos da Praça Floriano.
Fito o asfalto faminto.
Fito o asfalto, faminto.
Os recifes rubros e ruidosos
contra o piche
são sirenes.
Consigo reconhecê-las
a quilômetros de distância.
Quando eu era pequeno,
canelas à mostra,
costumava correr
atrás de ambulâncias,
a viração do óleo queimado
atiçando a tarde.
Paro em um bar e assisto
ao telejornal em closed caption.
Enquanto aguardo a digestão,
gargalho da estupidez
do comentarista político.
E pondero: antes da conta,
uma xícara de café
sempre cai bem.
O deserto de Gobi
cabe em uma ampulheta,
mas eu, arrependido
como um vampiro cristão,
tonto de remorso,
resolvo embarcar em um trem coxo
da Central do Brasil em direção
a Saracuruna.
Ladeio recôncavos & borracharias,
espicho o estômago assombrado
para me intrometer em conversas
que não me dizem respeito.
A fogueira na multidão triunfa
sobre os plutocratas.
Rangem as mandíbulas de nanquim.
João Gabriel Pontes
Nenhum comentário:
Postar um comentário