A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

25 de novembro de 2020

há aqueles que apertam o gatilho

 

há aqueles que apertam o gatilho
há aqueles que apenas compartilham
do alto de seus apartamentos
nada apertados
cidadão de bens
com seus peitos sem partido
atirando pedras e mais pedras
afirmando: mito, justiça, cristo
são verdades falsas
seguem apertando o nó que aparta a vida
apertando apertos no meu coração sem likes
apartheid aberto
afirmando então suas desertas vidas
desertando das prerrogativas
do dizer discreto de um desconhecido cristo
que assinou embaixo
dos direitos todos
sem dizer mais nada que apenas isto:
amai-vos uns aos outros
 
Salvador Passos


12 de junho de 2020

cigarro

no dia
em que as luzes se apagaram
tinha um cigarro
na mão

um amigo

que me disse tudo
até à cinza

Gil T. Souza

9 de junho de 2020

você não precisa

você não precisa traçar todos os contornos
você não precisa de todas as palavras
basta
uma fresta
uma porta
uma chave

derrubar paredes
arrancar a pia
esconder a cor
dos azulejos

você não precisa lembrar das noites
basta o cansaço
a cama

talvez haja
um estranhamento inicial
a sensação de acordar em outras casas
levantar no escuro
entrar num corredor que não está ali
quantas vezes não despertei
acreditando estar
na casa de meus avós


Salvador Passos

então era isso

então era isso
tinha o chão aos seus pés
o teto na cabeça

a tv era um espelho preto
via a sua própria imagem
sozinha
sentada no sofá

Salvador Passos

dentro

para estar em casa
não basta
apertar o botão do segundo andar
ter as chaves
abrir a porta 
lembrar do cep
para estar em casa
não basta estar dentro

Salvador Passos

entre

qual o afeto que cabe nestes pedaços de tempo
nessa coisa
que torna as coisas palpáveis
trecos que estão no espaço
ocupando a noite
ocupando a casa
existo entre estas coisas
esbarrando nelas
contando passos
esperando...

cruzando a distância que se impõe
elas estão ali
tridimensionalmente sendo o que são
e eu entre elas
sem saber
o que sou
como cheguei aqui
elas estão
eu tenho dúvidas

Salvador Passos