17 de fevereiro de 2023

te entreguei uma cidade decadente

te entreguei uma cidade decadente 

uma cidade submersa em nuvens de gás lacrimogêneo
uma cidade sitiada por uma beleza claustrofóbica

uma cidade assombrada
carne ácida 

entranha subterrânea 

sopro agonizante
 

meu presente: 

poema mórbido que devora carne humana
poema que naufraga nas palavras 


atravessamos a cidade que nos atravessa
arrancamos seu asfalto com as mãos
sangramos em silêncio  

sagrando o solo


avançamos sobre a noite

resistimos à maré do sono


o poema, deus absurdo
que devora as palavras sem lugar no mundo 

nos incita a abandonar a arquitetura automática dos dias 

mergulhamos um no outro
perante mil olhos carnívoros e cortinas mortas
garganta que arranha a alma 

mortalha de retalhos que se pensam vivos 

paralisados nas esquinas mórbidas

a cidade é um poema submerso

escondido no fundo das gavetas
um deserto que habita nossos corpos


a cidade aproxima nossas mãos 

numa caligrafia trêmula de palavras mudas
e viagens esquecidas
a intimidade da tua mão atravessa o meu silêncio


Salvador Passos

Nenhum comentário:

Postar um comentário