Por Carlos Byington
O Livro Vermelho foi resultado da compilação dos livros negros nos quais Carl Gustav Jung escrevia seus sonhos e rascunhava anotações e desenhos. O método da imaginação ativa desenvolvido por Jung consiste em conversar com figuras desconhecidas surgidas em sua imaginação e sonhos a fim de descobrir o significado dos símbolos. Jung chamou a imaginação ativa de psicose artificial, já que é análoga ao que acontece nas alucinações psicóticas. A diferença é que a pessoa normal pode praticar este método para o autoconhecimento. Um exemplo da imaginação ativa no primeiro livro do Livro Vermelho foi a série de visões tidas por ele do profeta Elias e de Salomé, reproduzido a seguir.
Numa noite em que eu pensava sobre a existência de Deus, vi uma imagem: um velho surgiu. Ele se parecia com os antigos profetas.
Ele perguntou: “Sabes onde estás?”
Jung: “Eu sou um estranho aqui. Quem és?”
Profeta: “Eu sou Elias e esta é Salomé, minha filha.”
Jung: “Mas ela não é a filha de Herodes, mulher sedenta de sangue?”
Elias: “Por que a julgas? Não vês que ela é cega? Ela é minha filha, a filha do profeta.”
Jung: “Qual milagre vos uniu?”
Elias: “Não foi milagre. Isto houve desde o começo dos tempos. A minha sabedoria e a minha filha são uma única coisa. A cegueira dela e a minha visão nos fizeram companheiros na eternidade.”
Salomé: “Me amas?”
Jung: “Como posso amá-la? És Salomé, um tigre, e tuas mãos estão ensanguentadas.Como eu poderia amá-la?”
Salomé: “Eu te amo…”
Jung: “Vá embora. Eu te tenho horror. Fera!”
Salomé: “Julgas-me injustamente. Elias é meu pai e conhece os mistérios mais profundos. As paredes desta casa são de pedras preciosas. As fontes têm águas curativas e os olhos dele veem o futuro. O que não darias por uma única visão do infinito que revela o que acontecerá? Não te parece o bastante para pecar?”
Jung: “A tua tentação é diabólica.”
A seguir, o epílogo ao livro, preparado por Jung em 1959:
Trabalhei neste livro durante dezesseis anos. Meu conhecimento da Alquimia em 1930 me afastou dele. O início do fim foi em 1928, quando Richard Wilhelm (missionário alemão que viveu na China e traduziu o I Ching e O Segredo da Flor de Ouro, um tratado da Alquimia chinesa) me mandou o texto da Flor de Ouro. Foi então que os conteúdos deste livro encontraram o seu caminho para a realidade e não pude mais prosseguir trabalhando nele. Para o observador superficial, tudo isto parecerá loucura. E teria sido se eu não tivesse sido capaz de absorver a força descomunal das experiências originais. Com a ajuda da Alquimia, pude finalmente organizá-las em um todo. Eu sempre soube que essas experiências continham algo de precioso e, por conseguinte, não soube fazer nada melhor do que transcrevê-las em um livro precioso, isto é, caro, e pintar as imagens que emergiram através da sua revivência da melhor forma que pude. Eu sabia como tal empreendimento era terrivelmente inadequado, mas apesar de muito trabalho e muitos desvios, permaneci fiel a ele, mesmo se outra possibilidade nunca…
(O texto original interrompe-se aqui. Jung morreu em 1961.)
Texto publicado em Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=10&i=6228
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