7 de outubro de 2011

Café da Manhã

no café da estação onde me ausento deste livro que não leio

penso:

o que é mais real nesta hora da manhã
este café que já não bebo
ou os sonhos que não lembro?

tão real é o café que já não bebo
sinto a lembrança do seu gosto amargo em minha boca
tão real é o sonho que não lembro
sinto o evaporar do sonho
como a fumaça do café que já esfria

tão real é o livro que não leio
o seu peso em minhas mãos
a aspereza do papel impresso
e as palavras já cansadas
mortas em frases inacabadas

sinto uma preguiça de ler ou de beber

não quero lembrar dos sonhos que não lembro

meu sonho é estar nesta mesa com o café que já esfria
meu sonho é não ler este livro que não leio
meu sonho é não sonhar com este sonho que não lembro

todos passam mas eu não parto
sei que a vida é deixar se ir daqui
sei que o café já esfria
sei que não mais lerei este livro
sei que não me lembrarei jamais do sonho esquecido
sei que ir é também morrer um pouco
este eu mesmo cá que aqui está e que não passa
mas morre a cada instante

sei que tenho de partir pois
as horas já se fazem tarde
mas não parto
sigo com meu café
sigo com o meu sonho (que já não lembro)

e se a vida é esta mesa metafísica deste café que já esfria?
este sonho já esquecido?
este livro nunca lido?

eis então que ao fim percebo
que é tudo uma desculpa

mal tenho tempo de não beber,
de não lembrar
e de não ler

tão perto de onde pensam que sou
tão longe do sonho que não lembro
e já é tarde


Quantos poemas mortos nos passos pisados por toda gente?

Nada é tão real quanto este sonho que não me lembro...

Salvador Passos

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