Colocamos nas palavras aquilo que elas são
As mesmas palavras podem dizer todas as coisas
As palavras dizem o que é e o que não é
Criamos Deus, por meio das palavras, e dissemos que somos seus filhos
Somos pais do nosso pai
O fato de não ser não mais importa
Pois se há idéia de um Deus que é
então há um Deus
Ou dito de outra forma:
o que há não é o Deus em si, mas a compaixão que colocamos na base da palavra
Tiramos de Deus aquilo que colocamos no seu nome
Se plantamos ódio é o que vamos colher
Como separar o joio do trigo
A transconsciência dos dizeres na morfologia operada pela poesia
Ficamos a margem de tudo esperando
Até o dia que alguém usando as mesmas ferramentas
corta galhos novos
vê na evidência da sombra dos dizeres
a luz que não contempla
fazendo treva em luz
não como os velhos na caverna sombria de Platão
O cego Homero com seus mitos viu além das sombras
Eis então que podemos matar ao Deus filho nosso pai
Como enfim fizemos na cruz
E mesmo tendo matado a palavra Deus
Ainda assim haverá um Deus filho
Um Deus que é pai e filho
As palavras são este Espírito Santo que voa pelos ares do pensar
As palavras se transformam no tempo
Como o pão em carne
Como o vinho em sangue
Só assim
Além das sombras
Pelos mitos
Pelo sonho é que somos
este transformar faz história e está nos mitos
Pois a verdade da verdade não está na verdade
A verdade está no poder dizer o que se quer dizer
E se fazer entender por completo com o pouco que se fala
Os poetas dizem o que ainda queda por ser dito
Dizem por meio de outras palavras as palavras que ainda não existem
Os poetas pais do Deus utópico
Filhos desta utopia mãe que é pai e filha
Filha das palavras sem pai
Filhas desta sombra sem árvore
Somos filhos de nós mesmos
Somos o que colocamos nas palavras
Os poetas dizem o não dito
Os malditos
Salvador Passos
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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