Jean Wyllys
Tem gente - inclusive no meu próprio partido - que não entende o que é um voto crítico no segundo turno ou espera que este voto, por ser crítico, deva ser envergonhado ou ficar no armário. Jamais daria um voto que tivesse que se esconder em armário. Saí do armário ainda adolescente e para ele nunca voltarei! Sendo assim, com o voto fora do armário, eu exponho suas razões.1. Voto na Dilma, por exemplo, porque Aécio defende a redução da maioridade penal como meio de solucionar o problema da criminalidade e da segurança pública (a mesma proposta do candidato "branco", Lacalle Pou, que se opõe à esquerda uruguaia nas eleições do país vizinho, cujo primeiro turno será amanhã). Dilma não oferece essa solução demagógica e busca conciliar os investimentos no aparato policial com políticas de educação e oportunidades no mercado de trabalho para nossos adolescentes, sem incursionar pela criminalização da adolescência pobre. Um candidato que faça campanha com a bandeira da "redução da maioridade penal", como o fez Aécio Neves, sempre me terá como adversário. E olha que, ao longo desses últimos quatro anos, eu critiquei bastante o governo Dilma por não abrir a discussão sobre a legalização da maconha como elemento fundamental para o combate ao narcotráfico e a todos os seus males e por manter a política fracassada de "guerra às drogas" que vitima sobretudo a juventude pobre e majoritariamente negra das periferias do país. O governo do PT, apesar dos avanços em políticas sociais, ainda tem dívidas com esses jovens, eu reconheço; porém, não os trata como únicos responsáveis pela criminalidade urbana - como o fazem Aécio e o PSDB ao defenderem a redução da maioridade penal como solução para a violência nas cidades (sim, porque é óbvio que Aécio e PSDB não estão pensando nos delitos praticados por adolescentes ricos e de classe média alta quando defendem essa proposta; estão pensando tão somente nos adolescentes pobres que ocupam o noticiário dos programas de tevê sensacionalistas).
2. Eu voto na Dilma porque o candidato a ministro da Fazenda de Aécio Neves, Armínio Fraga, representante do mais rançoso neoliberalismo, diz que o salário mínimo é "alto demais" e quer "ajustá-lo" e reduzir direitos dos trabalhadores. Contudo, mesmo votando na Dilma, não vou deixar de dizer que o salário mínimo atual não é o ideal (aquele sugerido pelo DIEESE e que deveria estar em R$ 2.862,73 para poder cobrir as necessidades básicas dos trabalhadores).
3. Eu voto na Dilma porque o Aécio tem, como aliados e cabos-eleitorais, os pastores fundamentalistas MAL-AFAIA, Everaldo e Feliciano, os deputados fascistas viúvas da ditadura que compõe a famiglia Bolsonaro e outros representantes da homofobia institucional e do ódio contra a população LGBT e as religiões de matriz africana. Estes encontraram, em Aécio, terreno muito mais fértil que em Dilma. Aliás, mesmo votando na Dilma, não me esqueço de que foram essas forças que, em seu primeiro governo, levou-a a recuos vergonhosos na garantia dos direitos das minorias sexuais e étnicas (Mas entendo que, se no governo Dilma, esses reacionários só pressionavam, garantindo recuos, num hipotético governo Aécio Neves eles vão determinar as políticas de exclusão e discriminatórias contra as minorias sexuais, religiosas e étnicas).Por isso, antes de declarar meu voto e dar meu apoio críticos a Dilma, cobrei, da presidenta, compromissos programáticos, que ela assumiu. E quando ela for eleita vou cobrar que sejam cumpridos. A política também se faz tensionando contra esses setores, que sempre tentarão manter o Brasil no atraso.
Paremos aqui.
Tem gente que acha que eu deveria ter passado o segundo turno das eleições fazendo as críticas que, como nos poucos exemplos acima citados, explicam por que eu estou num partido da oposição à esquerda. Diz: "Jean, você vai confundir teus eleitores, eles vão achar que o governo Dilma é uma maravilha". Eu respeito meus eleitores e respeito tod@s vocês que me acompanham nas redes sociais. Sei que vocês não são bobos! Sei que vocês acompanharam todas as críticas que eu fiz ao governo Dilma nesses quatro anos e sabem que as mantenho. Mas sabem também que não é o momento para insistir nelas. O que está em jogo amanhã é muito sério e precisamos nos unir para impedir que aconteça o retrocesso ultra-conservador e ultra-liberal que o programa de governo de
Aécio e seus aliados representam.
Se eu achasse que a eleição estaria definida e que o PT teria a vitória garantida, eu teria apenas declarado meu voto sem entrar na campanha. Mas eu sabia que nada estava dado. E o perigo de uma vitória do PSDB me fez ter a convicção de que eu seria muito irresponsável se não fizesse tudo o que eu fiz para ajudar a Dilma (e, em última instância, ajudar a nós mesmos que dependemos de um governo mais sensível aos vulneráveis pela pobreza, pela etnia, pelo gênero ou identidade de gênero, pela orientação sexual, pela religião que professa e/ou pela deficiência física e cognitiva que possui).
Eu voto na Dilma porque Aécio representa, nessa eleição, o desejo de revanche de um antipetismo doentio, fascista, classista, elitista, homofóbico, racista, macartista (e antes que me venham acusar de generalização, explico que não estou me referindo às pessoas que mantém críticas justas, intelectualmente honestas e pautadas no discernimento aos erros do PT -- eu mesmo sou uma dessas pessoas!). Refiro-me ao antipetismo dos que (como o próprio candidato no debate de ontem) não conseguem falar do Brasil sem referências a Cuba que parecem saídas do túnel do tempo, da época da guerra fria. Não: eu não estou dizendo que todos os eleitores do Aécio pensem assim. É óbvio que não. Mas esse é o núcleo conceitual de sua campanha, o que ele escolheu. E eu - por ser gay e de esquerda e por defender minorias - também aborreço esse antipetismo das elites brasileiras e sou alvo de seus ataques nas redes sociais, mesmo não sendo petista.
Embora tenha flertado com o PT na adolescência por causa do movimento pastoral da Igreja Católica, meu primeiro e único partido é o PSOL. Mas, por não carregar comigo a história dos companheiros de partido que tiveram que sair ou foram expulsos do PT, eu não tenho rancor em relação ao petismo. Eu apenas escolhi outro caminho: o do PSOL, que não é o paraíso, mas se parece muito mais ao partido que eu quero (e espero sinceramente que o PSOL consiga superar esse complexo psicanalítico em relação ao PT e construir sua própria identidade, porque precisamos de uma esquerda dos novos tempos).
Eu não acredito que o futuro do Brasil, esse país com o qual sonhamos, vá nascer da eterna disputa entre PT e PSDB, que já deu o que tinha para dar. Mas também não acho que PT e PSDB sejam o mesmo. Não são. Há muito sofrimento, muita miséria, muita desigualdade e muitos direitos negados que os separam. Dilma e Aécio não são iguais, nem na política nem na história de vida. Por tudo isso vou votar na Dilma. E por tudo isso, a partir da segunda-feira, voltarei a exercer meu papel de oposição de esquerda e republicana, cobrando e tentando promover avanços e criticando e fazendo oposição aos retrocessos. É o que o PSOL sempre fez no Congresso e é para isso que eu fui votado.
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