A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

31 de março de 2016

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente 
entre nós e as palavras há hélices que andam 
e podem dar-nos morte violar-nos tirar 
do mais fundo de nós o mais útil segredo 
entre nós e as palavras há perfis ardentes 
espaços cheios de gente de costas 
altas flores venenosas portas por abrir 
e escadas e ponteiros e crianças sentadas 
à espera do seu tempo e do seu precipício 

Ao longo da muralha que habitamos 
há palavras de vida há palavras de morte 
há palavras imensas, que esperam por nós 
e outras, frágeis, que deixaram de esperar 
há palavras acesas como barcos 
e há palavras homens, palavras que guardam 
o seu segredo e a sua posição 

Entre nós e as palavras, surdamente, 
as mãos e as paredes de Elsenor 
E há palavras nocturnas palavras gemidos 
palavras que nos sobem ilegíveis à boca 
palavras diamantes palavras nunca escritas 
palavras impossíveis de escrever 
por não termos connosco cordas de violinos 
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar 
e os braços dos amantes escrevem muito alto 
muito além do azul onde oxidados morrem 
palavras maternais só sombra só soluço 
só espasmo só amor só solidão desfeita 
 
Entre nós e as palavras, os emparedados 
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar 

Mário Cesariny

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