há um resíduo de futuro
na avenida
entre carros e caminhões
banhados pela tarde 
acena a carne
o corpo atrasa engrenagens
forja com sua frágil arquitetura
precárias barricadas 
o aço corta o nó das horas
arrasta os ossos  
demanda esforços 
o asfalto apenas multiplica esquinas
atropela ausências
sangram as sagradas chagas da palavra
soletrando a sombra de um sol insone
o sangue espesso nas escadas
corpos e facadas
na manhã 
o beijo se transforma
camelôs e guardas se encontram ao redor da morte
agora 
resta a navalha sob a sombra de um beijo proibido
vergonha e ódio incontido 
- a epiderme se desloca 
a cidade cresce
desenha e apaga
a superfície negra que não dorme 
- no alto do edifício
um relógio marca horas repetidas
aço de janelas cegas
frágeis pálpebras devassadas 
vértebra indefinida
osso do poema
argamassa bruta
dobradiças da cortina
cercas fronteiriças
vertigem inviolável
sol que solda horas mortas
o segredo da palavra nas entranhas da cidade
mar que arma as ondas do naufrágio
ar que arfa o arranjo do incontido
arde a tarde entre os carros
arde a vida nas entranhas das palavras
partem todos sem destino
perdidos neste rio sem gramática
partem sem um nome que defina
o incêndio embaçado desta luz cortante 
há janelas que acenam com imagens cruas
vértebras oxidadas
tvs abandonadas
vozes mudas
movendo suas bocas 
num imenso corpo de concreto
reverbera 
a cidade 
(que se perde aos poucos)
um navio que aderna no horizonte
a memória que escorre nas palavras
entre as letras
desaba o silêncio no intervalo da cidade 
- o mar de nomes, 
ossos escavados na areia
nas calçadas
nas paredes da cidade sonolenta
o eterno espanto das palavras
no rumor da noite
na arquitetura da carne 
nos espasmos da palavra
escuto a aproximação dos Coiotes
Salvador Passos 
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