25 de abril de 2017

a cidade tatuada nos olhos

há um resíduo de futuro
na avenida
entre carros e caminhões
acena a carne

o corpo atrasa engrenagens
forja odores moribundos
o aço corta o nó das horas
arrasta os ossos 
demanda esforços fúteis

o asfalto apenas multiplica esquinas
atropela ausências
apodrecimento

sangram as sagradas chagas da palavra
soletrando a sombra de um sol insone
o sangue espesso nas escadas
corpos e facadas
na manhã

o beijo
se transforma em faca
camelôs e guardas
se encontram
ao redor da morte

agora resta a faca
sob a sombra de um beijo proibido
vergonha e ódio incontido

a epiderme se desloca
a cidade cresce
desenha e apaga
a superfície negra
que não dorme
no alto do edifício
um relógio marca horas repetidas

frágeis pálpebras devassadas
vértebra indefinida
osso do poema
argamassa bruta
dobradiças da cortina
cercas fronteiriças
vertigem inviolável

o segredo da palavra nas entranhas da cidade
mar que arma as ondas do naufrágio
ar que arfa o arranjo do incontido

aço de janelas cegas
sol que solda as horas mortas

arde a tarde entre os carros
arde a vida nas entranhas das palavras

partem todos sem destino
perdidos neste rio sem gramáticas
partem sem um nome que defina
o incêndio embaçado desta luz cortante

há janelas que acenam com imagens cruas
vértebras oxidadas
tvs abandonadas
vozes mudas
movendo suas bocas
num imenso corpo de concreto

reverbera
a cidade
(que se perde aos poucos)
um navio que aderna no horizonte
a memória que escorre nas palavras

entre as letras
desaba o silêncio
no intervalo da cidade
(o mar de nomes)
ossos escavados na areia
nas calçadas

nas paredes da cidade sonolenta
o eterno espanto das palavras

no rumor da noite
no relógio inerte
escuto a aproximação dos Coiotes

Salvador Passos

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