recolho o vento nas palavras/amargo o tempo como quem arrasta sonhos/amarro os nomes com palavras/agarro as coisas com a boca/elas tem um gosto amargo/um gosto gasto pelo mesmo/e as coisas me escapam pelos dedos/entre os dentes/não separo o sal da pedra/não separo o céu do olho/talho coisas/frases soltas/sopros/prantos/vagas vozes/sopros postos/encontro atalhos/como quem posta um ponto nas reticências do infinito/poema é só um ponto solto entre os três já postos pontos/entreposto/o silêncio das palavras é como outra manhã qualquer/não resta o que fazer/estou fadado à escrever palavra após palavra/esticar a corda sobre o abismo/andar/atravessar/encaro o branco que se posta à proa/no começo de cada dia/acordo/como/tomo um café atrás do outro/escrevo uma linha após a outra em desalinho/muitas morrem levando um pouco de mim mesmo/ao perder o que não tenho eu me encontro/salgo os dias com o sopro do cotidiano/conto os lapsos/as horas/perco os passos/e no passo a passo do poema/ensaio/mas fico de onde já não saio/solto as sílabas no silêncio em branco/o papel acolhe o nada/recolho espantos
Salvador Passos
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
5 de junho de 2017
2 de junho de 2017
BILHETE PARA BIVAR
hoje é o dia que os
anjos descem nas
catacumbas de cimento
sem o aviso das
máquinas de empacotar
sem saltar sobre
caramanchões de poluição
disseminando comportamento
de Lacaio
é o momento do
último homem
o que dura mais
tempo
é o tempo do crime
& sua prova
a caveira que ri
na noite vermelha
a explosão demográfica
& a fome a galope
é o Sol mudo a
Lua paralítica
Drácula janta na
Esquina
E para que ser poeta
em tempos de penúria? Exclama
Hölderlin adoidado
assassinos travestidos em folhagens
hordas de psicopatas
atirados nas praças
enquanto os últimos
poetas
perambulam na noite
acolchoada
Roberto Piva
anjos descem nas
catacumbas de cimento
sem o aviso das
máquinas de empacotar
sem saltar sobre
caramanchões de poluição
disseminando comportamento
de Lacaio
é o momento do
último homem
o que dura mais
tempo
é o tempo do crime
& sua prova
a caveira que ri
na noite vermelha
a explosão demográfica
& a fome a galope
é o Sol mudo a
Lua paralítica
Drácula janta na
Esquina
E para que ser poeta
em tempos de penúria? Exclama
Hölderlin adoidado
assassinos travestidos em folhagens
hordas de psicopatas
atirados nas praças
enquanto os últimos
poetas
perambulam na noite
acolchoada
Roberto Piva
Amor América
A maior cena de amor
Americana não é nenhum beijo de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Não
tem Deborah Kerr nem Gregory Peck, não é aquele beijo do soldado na
enfermeira no final da Segunda Guerra Mundial. A maior cena de amor
Americana é Jacqueline Kennedy Onassis subindo em desespero a capota
daquele Ford modelo Lincoln para catar os pedaços explodidos da cabeça
de John Fitzgerald Kennedy. São algumas dezenas de fotogramas da
primeira dama em transe, ensangüentando as mãos nos miolos daquele 22 de
novembro de 1963. Lee Harvey Oswald matou Kennedy. Dois tiros
cirúrgicos, um no pescoço e outro fatal na cabeça. Foi você mesmo
Oswald?! Não! Oswald o teria devorado! Lee Harvey ex-marine. Até tu
Brutus?! É presidente, quem deu o tiro foi um dos teus... Naquele dia D
of the Big D, Dallas city. Don´t you mess with Texas, Mr. President.
Sempre que vejo um beijo em preto e branco ou escuto ao longe o Sam
tocando de novo em Casa Blanca, lembro de Dona Jacqueline ajoelhada no
carro, já funerário, atrás do cérebro espatifado do marido. Amar é ter
nas mãos essa massa cinzenta que pensava a América! Cinzenta como a Lua
que ele queria conquistar. Flicts. É presidente, naquele 20 de julho de
1969 lembrei de suas palavras. Um homem na lua. E você, o que teria
pensado Kennedy ao ver na distância aquele foguete Saturno V cortando os
céus como a bala que cortou o ar até a sua cabeça?! A small trigger
for a man’s finger but a giant blow for a human head! Dona Jacqueline
catando miolos para alimentar mortos vivos! Miolos! Miolos! Nada é
por acaso nessa vida. Lincoln morreu na sala Ford do teatro Kennedy.
Kennedy morreu num Ford modelo Lincoln. É, nada é por acaso nessa vida.
Sempre que penso no amor na América penso em Dona Jacqueline ajoelhada,
apavorada, apaixonada, com as mãos empapadas de sangue, catando a cabeça
explodida do marido.
E Pelé disse: Love, Love and Love!
E Pelé disse: Love, Love and Love!
Nefelibata ou aguas de março reloaded
“- Trate de tomar sua sopa, seu maluco, mercador de nuvens.”
Charles Baudelaire
chove há tanto tempo
chove há tantos dias
chove há tantas eras
que parece que o certo
é mesmo o mundo assim
chovendo
mesmo que chovendo no molhado
olhando as nuvens
na contraluz elétrica da cidade
vai dando um medo
medo de que o mundo esteja mesmo é nas nuvens
que os prédios se condensem
e que caiam gotas de apartamentos
para o céu
Domingos Guimaraens
Charles Baudelaire
chove há tanto tempo
chove há tantos dias
chove há tantas eras
que parece que o certo
é mesmo o mundo assim
chovendo
mesmo que chovendo no molhado
olhando as nuvens
na contraluz elétrica da cidade
vai dando um medo
medo de que o mundo esteja mesmo é nas nuvens
que os prédios se condensem
e que caiam gotas de apartamentos
para o céu
Domingos Guimaraens
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