4 de janeiro de 2018

sábado

marco com pequenos traços
margens de uma página em branco
rondando
arbitrárias engrenagens
de um tempo
que a órbita dos anos
agora obriga
ao abrigo
no fundo das gavetas

disputam espaço:
contas
& recibos
fotos de uma festa
sábados de chuva
alface
abobrinhas
pilhas
tapioca
dobradiças
chaves e pendrives
agasalhos de concreto
aspirinas
alicates
traços de uma lista
e os contornos
de um poema abandonado

tropeço pelos pontos do passado
trago na garganta
o asfalto gasto
junto com as vírgulas
e o suor do rosto
o intervalo entre os corpos
uma ponta de cigarro
e a asma engasgada

o nó aperta a alma
aporta a tosse seca
entre os passos e os prantos prontos
parafusos frouxos

A gaveta está cheia de naufrágios!
Salvador Passos

armas

registro o silêncio automático do mundo
vejo o poema infectando a noite
respiro o calor das coisas
cerco a vida com meu corpo
agarro o mundo com palavras
são as armas que me cabem
Salvador Passos

aquela noite

trago algo de silêncio nos meus braços
algo de esquecido nos cabelos brancos
algo de perdido nos abraços
nas palavras mudas
ventos de mistério

o som de uma saudade pausa a tarde
ardem horas na janela
cai a vírgula
     ,
        ,
            ,

nos escombros desta chaga
habita uma casa em branco
com a sombra de teus passos
a distância é medida em infâncias
sofro de uma ânsia de espelhos vivos
o silêncio dos armários me posterga
     
entre os corpos surge o tempo
o espaço amplo dos tropeços
a arquitetura dos silêncios
as cortinas olham os espelhos
congelam o tempo no interior da casa
aqui é sempre aquela noite
Salvador Passos

a casa ociosa

marco com palavras
os rastros de uma vida
o arco de vazios
que contem o tempo
o beijo
o asco
o grito
o medo
e no fim
sobra o silêncio

marco com palavras
o arranjo dos espantos
o vazio dos espaços

a casa ociosa
marca com silêncios
outro tempo
o sopro de algum vento novo

o mar que armava ondas
contra as pedras
agora para
esconde entre as noites seus naufrágios
tece algum tipo de nó frágil
como aquele que nos prende à vida

nas janelas os vizinhos calam
apagam suas luzes indiferentes

a casa
consome seus espaços em silêncio
devora os passos
num incêndio de palavras mudas

Salvador Passos