A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

4 de janeiro de 2018

sábado

marco com pequenos traços
margens de uma página em branco
rondando
arbitrárias engrenagens
de um tempo
que a órbita dos anos
agora obriga
ao abrigo
no fundo das gavetas

disputam espaço:
contas
& recibos
fotos de uma festa
sábados de chuva
alface
abobrinhas
pilhas
tapioca
dobradiças
chaves e pendrives
agasalhos de concreto
aspirinas
alicates
traços de uma lista
e os contornos
de um poema abandonado

tropeço pelos pontos do passado
trago na garganta
o asfalto gasto
junto com as vírgulas
e o suor do rosto
o intervalo entre os corpos
uma ponta de cigarro
e a asma engasgada

o nó aperta a alma
aporta a tosse seca
entre os passos e os prantos prontos
parafusos frouxos

A gaveta está cheia de naufrágios!
Salvador Passos

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