A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

8 de junho de 2020

TERMOS DE COMPARAÇÃO



São lidos por especialistas
um pequeno círculo
ávido.

A avestruz é um bicho-raro.
O poeta uma ávis-trote.
A avestruz engole
tudo: parafusos em princípio.

O poeta não
digere uma
única partícula.

Tudo: fica-lhe atravessado.
no papel, para tanto
estraçalha e regurgita –
ei-la: a Arte!!

Com quantas letras escreve-se “destroço”?
e “pútrido”?
com quantas, “estrutura”?
Para escrevê-las
com quantos dentes mastiga-se?
para romper certas palavras
o que se morde? o que sangra de início,
a língua?

Mas quem morde a língua
é o arrependido,
o que se cala.

Por isso a avestruz
é o bicho cândido.
O poeta, o tão difícil.

Todo o mundo sabe que ela é simples.
Cada enciclopédia a determina.

Ninguém confunde
a localização das plumas
o bico contra o peito: direção na fuga
o parafuso dentro
do estômago.

Vamos devagar com os poetas.
Por que são aves?
Porque regulam o peso de seus braços
e conforme cismam – voam.

Ávis-trotes porque pulam
inesperadamente
e quebram os braços.

Lidos por um grupo ávido.

Por que ávido?
por que de especialistas?
por que lidos?

Porque: –
não engolem
nem recusam
porque atrapalha
o comum espetáculo circence
do parafuso descendo pelo esôfago
o seu engasgo, o seu espasmo.

Porque são
intrusos.

Não se aceitam ávis-trotes
nos circos Não comem espadas
muito menos fogo.

Porque não se juntam
ao comum dos espectadores
na arquibancada
mansamente digerindo sobras.

Porque não têm país certo
assinalado no mapa
como sói acontecer às avestruzes.

Seu país é
Nenhures.

Terra de difícil acesso
sujeita tanto
aos roedores
quanto à ação
das irradiações atrozes.

Em Nenhures
os acontecimentos desencadeiam-se fatais
ou, ao contrário, lúdicos.

Por exemplo em Nenhures
as unhas crescem
sozinhas do solo
simples para
beliscarem certas
zonas glúteas

É o cúmulo! – dizem todos –
É impensável!
Num país sujeito a irradiações
e à fatalidade
as unhas crescerem
e para isso!

Por isso os especialistas se interessam
Por isso sabem
São especialistas, por isso
poucos.

A ávis-trote
– nome científico, o vulgo a conhece por poeta –
também
é estudada nas escolas
fora do círculo.

Mais escassas fazem-se as respostas
a curiosidade nas crianças amaina-se
acalma-se, o poema: ovo choco muita vez
pois o poeta é fase histórica
não escapa –
raramente põe-se
como objeto de estudos.

De seu autor, pouco provável que se tenha
uma noção menos confusa.

O povo aclama a avestruz!
as plumas! ah!
a esplêndida
aventura audaz do parafuso!

Zulmira Ribeiro Tavares

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