te entreguei uma cidade decadente
uma cidade submersa em nuvens de gás lacrimogêneo
uma cidade sitiada por uma beleza claustrofóbica
uma cidade assombrada
carne ácida
entranha subterrânea
sopro agonizante
meu presente:
poema mórbido que devora carne humana
poema que naufraga nas palavras
atravessamos a cidade que nos atravessa
arrancamos seu asfalto com as mãos
sangramos em silêncio
sagrando o solo
avançamos sobre a noite
resistimos à maré do sono
o poema, deus absurdo
que devora as palavras sem lugar no mundo
nos incita a abandonar a arquitetura automática dos dias
mergulhamos um no outro
perante mil olhos carnívoros e cortinas mortas
garganta que arranha a alma
mortalha de retalhos que se pensam vivos
paralisados nas esquinas mórbidas
a cidade é um poema submerso
escondido no fundo das gavetas
um deserto que habita nossos corpos
a cidade aproxima nossas mãos
numa caligrafia trêmula de palavras mudas
e viagens esquecidas
a intimidade da tua mão atravessa o meu silêncio
Salvador Passos
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