E o livro de poesias infantis
que você fez com seu filho, O futebol dos animais?
Foi uma delícia. Eu sempre
falo que a experiência de ter um filho, para um poeta, é inacreditável. Você
aprende a ver a construção da linguagem, a construção radical da linguagem. Eu
lembro que meu filho, ainda muito pequeno, quando ainda não falava, começou a
sacar algumas coisas. Daí ele tinha uma crise de pânico, e apontava para
terríveis monstros. E então eu falava “Formiga”, e ele se acalmava. Quer dizer,
se aquilo tinha um nome, estava num ambiente doméstico para ele. Era só falar o
nome que ele se acalmava, E isso é uma construção de linguagem incrível! Pensar
o que tem por trás disso, para entender a força da linguagem, a força da
poesia, a importância da linguagem para nós é maravilhosa. Essa capacidade,
para criança, de saber que se tem nome está dentro de um espaço reconhecido,
doméstico, não perigoso. Se não há nome há um perigo ali. Vivenciar isso, e
outras experiências com a criança, é uma experiência muito rica para um poeta.
Eu lembro de uma outra
experiência forte do Leo. Ele ainda pequeno, dormindo, e eu dormindo numa cama
perto dele, quando ele acordou e falou “pai, como chama aquele bicho”,
perguntou. “Aquele, pai, que a gente viu agora, com as madeiras nas costas”. Eu
digo “você sonhou com ele”. E ele, atônito: “Então, pai, você não pode ver os meus
sonhos?”. E sentado, com as pernas cruzadas, fica longamente olhando o vazio.
Tentando absorver aquela informação básica de que tinha uma coisa que era só
dele, que eram os sonhos. Foi então que percebi que a individualidade e solidão
nascem juntas.
A gente esquece disso. Na cabeça
dele tudo era compartilhado, inclusive os sonhos. De repente ele vê uma
individualidade, numa solidão. Ele descobriu que existia um espaço que era só
dele, a cabeça, onde tinha os sonhos. A compreensão disso, que para gente já é
tão naturalizado, para ele é uma ruptura de todo seu universo conhecido. Então
ter filhos é uma grande experiência para se pensar o mundo, e desnaturalizar
coisas nossas.
Fazer o livro passou por isso,
por essas experiências, de brincar com as palavras, de descobrir como ele
brinca com as palavras, as reações dele com essas brincadeiras, com a poesia.
Trecho de uma Entrevista retirada
do Livro: A Reflexão Atuante -Ensaios interventivos e entrevistas – Sergio Cohn