A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

26 de junho de 2024

Mamãe lia a sorte no açúcar


 "Mamãe lia a sorte no açúcar" (2012), HDV, Stereo, 4:35

Conceito e texto: Victor Heringer. Música: Victor Heringer. 

Trechos de comerciais, declarações de jogadores de futebol e pastores a respeito de sonhos vs. Allen Ginsberg lendo "A tempestade" de Shakespeare. 

Vídeo: Victor Heringer. Trechos de "The GOES-O weather satellite launches aboard a United Launch Alliance Delta IV rocket" (NASA, 2009) e "Carnival" (Bud Gamble, data desconhecida), ambos em domínio público. 

 Notas: 

1) "O homem tem todas as chances de desaparecer e desaparecerá mais cedo do que pensa, mas, por outro lado, tem razão em prolongar essa tragicomédia, nem que seja por distração ou por vício" (Cioran, 1990) 

2) Meus mais sinceros agradecimentos ao senhor Anônimo que subiu a escada branca para o azul belamente vestido de azul e branco. 

3) O ruído da palavra "sonho" que se ouve no vídeo é, de fato, a palavra "sonho" lida por um programa de conversão de pixels em sons. 

 Este vídeo faz parte da série "Arquespélago" (2012). http://automatografo.org


21 de junho de 2024

esconderijo

 o nome é o esconderijo perfeito

um labirinto onde perdemos a identidade

dentro de um nome não precisamos saber quem somos

quando ouvimos alguém pronuncia-lo 

basta mecanicamente responder: "eu"


Salvador Passos


16 de junho de 2024

Viagem

 1. O texto

Então passei pelo tradutor automático isto que aqui vai

Como se fosse toda a minha vida

(toda nossa vida)

Comecei com línguas mais nossas conhecidas:

francês espanhol italiano inglês alemão

Depois passei para romeno filipino basco mongol

letão sérvio malaio

Como se as palavras viajassem 

(como se viajássemos)

Até voltar ao português.

Toda a minha vida.

Como se viajasse por línguas

para saber o que sobra.

Para saber o que se suporta. 

Para testar (o que fica de nós depois da volta?)

 

2. A tradução final

Nós viemos aqui como um controlador automático.

Como isso afeta a minha vida?

(ao longo de nossas vidas).

Começamos  em uma linguagem comum.

 Francês Espanhol Italiano Alemão 

Então eu deixei Romeno Filipino Basco Mongol

Letão Sérvio Malaio.

Parece que esta viagem está sendo executada

(Viagem)

De volta a Portugal.

Tudo a vida.

Como ir em uma língua estrangeira?

Do acima.

Saiba o que é o jogo.

Volte para nós.


Eucanaã Ferraz

3 de junho de 2024

Don Quijote y Sancho

 Cuando juego con mi hijo

Con sus lanzas i escudos

Y sus caballos

imaginarios

Yo tanbién me transformo

Por instantes me olvido

 Del sufrimiento

Y del cuerpo

Dejo que la ficción

Me atraviese por completo

Y me siento un poco

Como Sancho Panza

En posesión de su ínsula

Aunque al final de la jornada

También como a Sancho

Me ataca la melancolía

Al pensar que mi hijo

Un día

Se levantará de su cama

Y no será más

Don Quijote

Sino

Alonso Quijano.

 

Rafael Gutiérrez