Na manhã
ainda morna
do frio da noite morta
Tomo como ausente
mais um café
pois eu não quero
chegar mais pronto
ainda sonho
com a noite escura
que já não há
em minha mente
as mil lembranças
da noite ausente
que não mais há
o sonhar sonhos
que não recordo
sonhar aquilo que já não é
sonhar aquilo que não será
e assim mesmo
parado eu e vejo
aquilo que não mais é
aquilo que nunca foi
aquilo que não será
eu paro e bebo o meu café
que não é só mais um café
mas sim os sonhos
que paro e bebo
eu sorvo ausente
o amargo gosto
da noite escura
são tantos sonhos
que já não lembro
há mesmo um sonho a ser sonhado?
há mesmo um ponto a ser pensado?
mas eu só penso o impensável
se paro e bebo
o meu café
pois se não bebo
eu logo chego
e assim chegando
eu logo findo
o que eu sou é já não ser
é estar ausente em meu café
a noite é finda
mas não termina
pois ainda bebo o meu café
só quero o tempo
do meu café
um tempo só
um tempo meu
um tempo nulo
de nada ser
de nada ter
apenas sonhos
sonhandos sonhos
assim sonhados
Salvador Passos
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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