Cidade espanhola coloca cadeados em latas de lixo para afastar catadores
BARCELONA (AFP) – A cidade de Girona, no nordeste da Espanha, decidiu fechar com cadeados as latas de lixo de supermercados, para evitar que os necessitados recolham comida vencida ou estragada. A medida seria para evitar riscos para a saúde, informou a administração municipal nesta terça-feira 7.
A prefeitura adotou a medida em colaboração com os donos das lojas, “diante do risco que pode representar para a saúde o consumo de alimentos atirados no lixo e o alarme social que isto provoca”, afirmou em comunicado.
A prática de recuperar restos de comida ou alimentos vencidos jogados em latas de lixo pelos supermercados cresce à medida que se aprofunda a crise econômica que sacode a Espanha. “Neste momento, em frente aos supermercados há um único contêiner que se fecha com cadeado, onde ficam alimentos vencidos ou em mal estado”, explicou à AFP um porta-voz municipal.
Junto com a ação, a prefeitura de Girona estabeleceu um sistema de informação que dirigirá as pessoas que precisarem “a um centro de distribuição de alimentos para que possam receber uma cesta básica em caráter de urgência”, destacou.
Agentes sociais informarão àqueles que forem buscar alimentos nos contêineres que não podem continuar coletando restos e que poderão ter acesso diretamente, com um vale que receberão, aos distribuidores municipais de alimentos.
http://exame.abril.com.br/economia/noticias/grecia-permite-venda-de-alimentos-vencidos-por-preco-menor
Associações de consumidores interpretaram a medida como uma prova da incapacidade do governo para deter a inflação dos produtos básicos
Atenas - A Grécia vai permitir a venda de alimentos vencidos por um preço inferior ao original, em uma medida que o governo não foi capaz de justificar, mas que as associações de consumidores interpretaram como uma prova de sua incapacidade para deter a inflação dos produtos básicos.
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Um decreto ministerial acaba de reativar uma velha regulamentação que autoriza supermercados e lojas de alimentação a vender alimentos, mesmo que superada a data de validade.
"Esta regulamentação existe há muitos anos. E é algo permitido também no resto da Europa. A única coisa que fizemos foi detalhar que estes produtos devem ser vendidos a um preço baixo. Não entendo por que está causando tanto barulho", declarou na segunda-feira à Agência Efe Yorgos Moraitakis, assessor do Ministério de Desenvolvimento, Competitividade, Transporte e Comunicações.
A normativa exclui a carne e os laticínios da lista de produtos perecíveis que podem ser vendidos e estabelece um limite máximo de datas nas quais pode ser continuada a comercialização.
Assim, os alimentos nos quais a data de validade vem indicada por dia e mês, poderão continuar nas prateleiras por mais uma semana.
Caso conste "consumir preferencialmente antes de" e só for indicado o mês e o ano, a venda poderá ser estendida durante um mês, e se a data indicar somente o ano, a data de venda poderá ser prolongada por um trimestre.
Moraitakis não quis especificar à Efe os motivos desta decisão e se limitou a lembrar que a normativa já existia, mas as associações de consumidores e inclusive alguns organismos oficiais criticaram a medida.
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
27 de fevereiro de 2013
26 de fevereiro de 2013
A Palestina vai ao Oscar. E é detida no aeroporto
O filme palestino ‘5 Broken Cameras’ é um dos indicados ao Oscar de melhor documentário estrangeiro. Mas seu diretor, Emad Burnat, a esposa Soraya e o filho Gibril foram detidos na terça (19) ao desembarcarem no aeroporto de Los Angeles, onde participariam da premiação. Acabaram levados para uma área fechada nas dependências do aeroporto e submetidos a interrogatório.
Baby Siqueira Abrão
Emad Burnat, diretor de ‘5 Broken Cameras’ [5 câmeras quebradas], filme indicado ao Oscar de melhor documentário estrangeiro, foi detido na noite de 19 de fevereiro ao desembarcar no aeroporto de Los Angeles, Califórnia, para participar da festa do cinema de Hollywood. Ele, a esposa Soraya e o filho Gibril, de 8 anos – que também participam do filme –, foram levados para uma área fechada nas dependências do aeroporto e submetidos a interrogatório. Segundo as autoridades de imigração, Emad não tinha em seu poder o “convite apropriado para o Oscar”, seja lá o que isso for.
Emad enviou uma mensagem, pelo celular, a Michael Moore, o polêmico documentarista de ‘Tiros em Colombine’, ‘Fahrenheit 11 de setembro’ (filme que questiona a versão oficial do atentado ao World Trade Center) e um dos diretores da Academia de Hollywood. Moore denunciou a detenção a seus 1,4 milhão de seguidores no Twitter e acionou o pessoal da Academia, que por sua vez contatou advogados para cuidar do caso. “Pedi a Emad que repetisse meu nome várias vezes aos oficiais da imigração e que lhes desse meus números de telefone”, disse Moore. “Parece que eles não conseguiam entender como um palestino podia ter sido indicado ao Oscar”, completou, irônico.
Moore também deixou claro que faria o que estivesse a seu alcance para impedir a deportação que ameaçava a família Burnat. E foi bem-sucedido, porque uma hora e meia depois eles foram libertados. “Mas só poderão ficar em Los Angeles uma semana, até o Oscar”, esclareceu Moore. E, de novo com ironia, acrescentou: “Bem-vindos aos Estados Unidos!”
Para Emad, a detenção não é nenhuma novidade. “Quando se vive sob ocupação militar, sem nenhum direito, esse é um acontecimento diário”, declarou. O filme ‘5 Broken Cameras’ é o resultado de sete anos de trabalho de Emad, que comprou a primeira câmera quando Gibril nasceu e passou a registrar tudo o que acontecia em sua vila natal, Bil’in, na Cisjordânia sob ocupação militar de Israel. Ajudado pelo israelense Guy Davidi, que esteve ao lado da resistência de Bil’in desde os primeiros dias, foi responsável pelo pós-roteiro de ‘5 Broken Cameras’ e figura como codiretor, Emad fez um documento fundamental para a compreensão, pelo público externo, do cotidiano palestino sob ocupação. O título do filme faz referência às cinco câmeras que o exército israelense inutilizou ao atingi-las com tiros. Numa dessas ocasiões o equipamento salvou a vida do diretor – a câmera deteve a bala atirada na direção da cabeça de Emad.
Cineasta por acaso – e por necessidade
Emad Burnat nunca pensou em se tornar cineasta. Foi a necessidade de registrar a ocupação – para proteger os vizinhos, pois os soldados, receosos de um dia enfrentar o Tribunal Penal Internacional, evitam agir com muita violência diante das câmeras –, de mostrar ao mundo, pela internet, a realidade na Palestina, até poucos anos atrás oculta pela narrativa sionista, e de ter provas para apresentar aos tribunais de Israel, aos quais o exército conta histórias implausíveis mas levadas a sério, que levaram Emad a filmar.
Ele comprou sua primeira câmera em 2005, ano do nascimento de Gibril, para gravar seu crescimento e a vida em família. Mas era impossível limitar-se a temas domésticos numa vida sob ocupação militar. As incursões noturnas dos soldados, os ataques aos moradores durante as manifestações não violentas, as prisões, as invasões dos colonos, a construção do primeiro muro e seu desmantelamento em 2011, bem como a execução do segundo muro, tudo era muito impactante no cotidiano de Bil’in e merecia ser registrado.
Essa opinião era compartilha por Guy Davidi, professor de cinema, que em 2005 passou a ir com frequência à vila palestina e chegou a morar lá por alguns meses, para sentir como era viver sob ocupação. Guy produziu alguns curtas sobre Bil’in, onde filmou, entre 2005 e 2008, ‘Interrupted streams’ [‘Fluxos interrompidos’], sobre o confisco das fontes de água palestinas por Israel. Muitas vezes Emad e Guy filmavam juntos as manifestações, os ataques dos soldados, as detenções. Corriam os mesmos riscos. Tornaram-se amigos.
Foi ao longo desses anos que Emad começou a pensar em reunir seu material num longa-metragem sobre a resistência em Bil’in. Estimulado pela família, pelos amigos e por Guy, ele conseguiu tocar o projeto. Só não esperava o sucesso que se seguiu ao lançamento. Cineasta por intuição, Emad ganhou o respeito e a admiração de seus pares ao redor do mundo.
Referência ao Brasil e vários prêmios
Uma das cinco câmeras quebradas exibe um adesivo da bandeira brasileira, símbolo também presente na porta da casa da família Burnat, em Bil’in – um modo de demonstrar o carinho que eles sentem por nosso país. Soraya, esposa de Emad, é palestina criada no Brasil. O casal e os filhos mais velhos falam um português impecável e sem sotaque.
‘5 Broken Cameras’ é o primeiro filme palestino a concorrer a um Oscar. Além de muito elogiado pela crítica, vem tendo uma trajetória de sucesso em todo o mundo. Em 2012, foi indicado para o ‘Asian Pacific Screen Award’ e ganhou o prêmio de melhor documentário no ‘Jerusalem Film Festival’; o de melhor diretor de documentário no Sundance (também foi indicado para o Grande Prêmio do Júri desse festival), nos Estados Unidos, e o Busan Cinephile, do Busan International Film Festival, da Coreia. Em 2011 recebeu o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio Especial do Público no International Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA), na Holanda. A. O. Scott, crítico de ‘The New York Times’, considerou-o uma “comovente e rigorosa obra de arte”.
Ele tem razão. No documentário, com sensibilidade, Emad funde sua vida e a de sua família com a história da ocupação de Bil’in. É uma história comum à maioria dos milhões de palestinos que nasceram nos hoje dezenas de vilarejos – eram mais de 500 antes que os sionistas os tomassem à força, nos anos 1940 – que circundam as 11 cidades da Cisjordânia, compondo as regiões distritais daquela parte do Estado da Palestina.
Com texto de Guy Davidi, e narrado por Emad, o filme nos conduz pelas belas paisagens de Bil’in, mostrando a chegada dos agrimensores israelenses para a medição das terras que seriam confiscadas; as reuniões entre os moradores e o pessoal do grupo Anarquistas Contra o Muro, de Israel, que conseguiu o mapa com o traçado do muro e se uniu aos bilainenses para boicotá-lo; os primeiros enfrentamentos com o exército israelense; as prisões, a progressão dos desafios e da violência, a consolidação da resistência, o apoio internacional à luta não violenta de Bil’in.
Há cenas geniais, como a do grupo de moradores que barra o avanço dos soldados na área urbana da vila com instrumentos de percussão improvisados, numa “bateria” ruidosa e criativa. Há também cenas difíceis, em que Emad se vê obrigado a filmar a prisão dos irmãos e de um vizinho, um menino, e cenas trágicas, como o assassinato de Bassem Abu-Rahmah, o Fil, até aquele momento um dos líderes da resistência e um dos protagonistas do filme. A sequência é dolorosa, embora o público seja poupado das tomadas mais dramáticas.
O documentário leva o público a participar do cotidiano de Bil’in e a vivenciar um pouco do que significa estar submetido a uma ocupação militar. Trata-se de documento histórico, denúncia viva dos abusos cometidos pelo exército sionista. Por isso mesmo, a cena em que o pequeno Gibril, mal se sustentando em seus primeiros passos, oferece um ramo de oliveira a um dos soldados israelenses – que o aceita, com um sorriso culpado e sem jeito – surpreende e enternece. Num momento assim não há como deixar de questionar o mal que os sionistas têm feito aos seres humanos que vivem de um lado e de outro do muro. Não fossem eles, provavelmente palestinos de todas as religiões teriam continuado a conviver em harmonia na Palestina histórica. Os inimigos e a discórdia vieram de fora. Será possível neutralizá-los e resgatar a antiga harmonia, dessa vez juntando ao antigo grupo os cidadãos de Israel, como propõem palestinos e israelenses que defendem a existência de um único Estado, democrático e secular, com direitos iguais para todos?
O impacto nos jovens de Israel
É difícil responder a essa indagação sem levar em conta as alianças do sionismo e seu papel decisivo nas finanças internacionais, na indústria bélica e na tecnologia nuclear. O movimento praticamente domina os setores estratégicos sobre os quais se desenrola o teatro do mundo. É ele que cuida do caixa, do lucro, da produção e do roteiro do espetáculo. Por isso, o combate não se restringe à ação dos sionistas na Palestina. Eles se espalham cada vez mais, controlando governos, territórios e ramos de atividades nos cinco continentes.
Mas é em Israel que seu controle se estende a toda a sociedade. Lá, o sistema educacional garante apoio e submissão aos princípios sionistas nesta e nas futuras gerações. Assim, quem nasce em Israel aprende, desde a infância, que os palestinos são “árabes que vivem em território israelense” – e inimigos. A maior parte dos livros didáticos faz pouca referência à Palestina – nos mapas, por exemplo, Cisjordânia e Gaza são mostradas como território de Israel – e a sua história. A grande maioria dos jovens israelenses não sabe que seu país ocupa outro, e tem de seu exército uma visão heroica e romântica, fabricada pela propaganda sionista.
Contribui para essa ilusão um programa muito comum nos feriados e nos fins de semana em Israel: os pais costumam levar os filhos pequenos a locais onde são expostos equipamentos de guerra, que as crianças podem experimentar, e veículos nos quais elas entram e fingem controlar. Tudo sob o olhar complacente da família e diante das explicações de jovens soldadas e soldados. Para entender como essa indústria da violência funciona, assista ao vídeo produzido pelo israelense Itamar Rose: http://youtu.be/Qp67KehlVGU
Não é de admirar, portanto, que as crianças de Israel desenvolvam a ideia de que a solução de seus problemas – ou daquilo que lhes é ensinado como “problema” – passa pela via militar. Foi para desfazer essa crença que Guy Davidi decidiu mostrar ‘5 Broken Cameras’ a um grupo de jovens em Israel e filmar suas reações. Suas expressões, durante a exibição do documentário, dizem muito sobre a revelação de como é a vida dos palestinos: indicam surpresa, choque, consternação, revolta, compaixão.
Diante dessa experiência, Davidi resolveu elaborar um projeto maior: levar ‘5 Broken Cameras’ ao público israelense em sessões que permitam reflexões e debates sobre a ocupação, a violência imposta aos palestinos de maneira direta e aos israelenses de modo indireto, o dia a dia dos cidadãos dos dois lados do muro, o próprio muro, o questionamento ao papel do exército e à ideologia dos soldados – que, como eu mesma pude comprovar nas muitas conversas que travei com eles, têm dos palestinos e dos árabes uma imagem deturpada, assimilada em uma existência inteira de educação dirigida e controlada. Conheça a surpreendente experiência de Guy Davidi com os jovens israelenses: http://youtu.be/i1wEszQYEzg.
Será que a arte pode promover compreensão e tolerância, aproximando duas populações separadas pela agenda bélica e expansionista das autoridades sionistas? Será que a mudança necessária pode começar da base de ambas as sociedades, as únicas instâncias portadoras de legitimidade para isso? É uma aposta ousada, a dos diretores de ‘5 Broken Cameras’. Aguardemos os resultados.
Carta Maior
Baby Siqueira Abrão
Emad Burnat, diretor de ‘5 Broken Cameras’ [5 câmeras quebradas], filme indicado ao Oscar de melhor documentário estrangeiro, foi detido na noite de 19 de fevereiro ao desembarcar no aeroporto de Los Angeles, Califórnia, para participar da festa do cinema de Hollywood. Ele, a esposa Soraya e o filho Gibril, de 8 anos – que também participam do filme –, foram levados para uma área fechada nas dependências do aeroporto e submetidos a interrogatório. Segundo as autoridades de imigração, Emad não tinha em seu poder o “convite apropriado para o Oscar”, seja lá o que isso for.
Emad enviou uma mensagem, pelo celular, a Michael Moore, o polêmico documentarista de ‘Tiros em Colombine’, ‘Fahrenheit 11 de setembro’ (filme que questiona a versão oficial do atentado ao World Trade Center) e um dos diretores da Academia de Hollywood. Moore denunciou a detenção a seus 1,4 milhão de seguidores no Twitter e acionou o pessoal da Academia, que por sua vez contatou advogados para cuidar do caso. “Pedi a Emad que repetisse meu nome várias vezes aos oficiais da imigração e que lhes desse meus números de telefone”, disse Moore. “Parece que eles não conseguiam entender como um palestino podia ter sido indicado ao Oscar”, completou, irônico.
Moore também deixou claro que faria o que estivesse a seu alcance para impedir a deportação que ameaçava a família Burnat. E foi bem-sucedido, porque uma hora e meia depois eles foram libertados. “Mas só poderão ficar em Los Angeles uma semana, até o Oscar”, esclareceu Moore. E, de novo com ironia, acrescentou: “Bem-vindos aos Estados Unidos!”
Para Emad, a detenção não é nenhuma novidade. “Quando se vive sob ocupação militar, sem nenhum direito, esse é um acontecimento diário”, declarou. O filme ‘5 Broken Cameras’ é o resultado de sete anos de trabalho de Emad, que comprou a primeira câmera quando Gibril nasceu e passou a registrar tudo o que acontecia em sua vila natal, Bil’in, na Cisjordânia sob ocupação militar de Israel. Ajudado pelo israelense Guy Davidi, que esteve ao lado da resistência de Bil’in desde os primeiros dias, foi responsável pelo pós-roteiro de ‘5 Broken Cameras’ e figura como codiretor, Emad fez um documento fundamental para a compreensão, pelo público externo, do cotidiano palestino sob ocupação. O título do filme faz referência às cinco câmeras que o exército israelense inutilizou ao atingi-las com tiros. Numa dessas ocasiões o equipamento salvou a vida do diretor – a câmera deteve a bala atirada na direção da cabeça de Emad.
Cineasta por acaso – e por necessidade
Emad Burnat nunca pensou em se tornar cineasta. Foi a necessidade de registrar a ocupação – para proteger os vizinhos, pois os soldados, receosos de um dia enfrentar o Tribunal Penal Internacional, evitam agir com muita violência diante das câmeras –, de mostrar ao mundo, pela internet, a realidade na Palestina, até poucos anos atrás oculta pela narrativa sionista, e de ter provas para apresentar aos tribunais de Israel, aos quais o exército conta histórias implausíveis mas levadas a sério, que levaram Emad a filmar.
Ele comprou sua primeira câmera em 2005, ano do nascimento de Gibril, para gravar seu crescimento e a vida em família. Mas era impossível limitar-se a temas domésticos numa vida sob ocupação militar. As incursões noturnas dos soldados, os ataques aos moradores durante as manifestações não violentas, as prisões, as invasões dos colonos, a construção do primeiro muro e seu desmantelamento em 2011, bem como a execução do segundo muro, tudo era muito impactante no cotidiano de Bil’in e merecia ser registrado.
Essa opinião era compartilha por Guy Davidi, professor de cinema, que em 2005 passou a ir com frequência à vila palestina e chegou a morar lá por alguns meses, para sentir como era viver sob ocupação. Guy produziu alguns curtas sobre Bil’in, onde filmou, entre 2005 e 2008, ‘Interrupted streams’ [‘Fluxos interrompidos’], sobre o confisco das fontes de água palestinas por Israel. Muitas vezes Emad e Guy filmavam juntos as manifestações, os ataques dos soldados, as detenções. Corriam os mesmos riscos. Tornaram-se amigos.
Foi ao longo desses anos que Emad começou a pensar em reunir seu material num longa-metragem sobre a resistência em Bil’in. Estimulado pela família, pelos amigos e por Guy, ele conseguiu tocar o projeto. Só não esperava o sucesso que se seguiu ao lançamento. Cineasta por intuição, Emad ganhou o respeito e a admiração de seus pares ao redor do mundo.
Referência ao Brasil e vários prêmios
Uma das cinco câmeras quebradas exibe um adesivo da bandeira brasileira, símbolo também presente na porta da casa da família Burnat, em Bil’in – um modo de demonstrar o carinho que eles sentem por nosso país. Soraya, esposa de Emad, é palestina criada no Brasil. O casal e os filhos mais velhos falam um português impecável e sem sotaque.
‘5 Broken Cameras’ é o primeiro filme palestino a concorrer a um Oscar. Além de muito elogiado pela crítica, vem tendo uma trajetória de sucesso em todo o mundo. Em 2012, foi indicado para o ‘Asian Pacific Screen Award’ e ganhou o prêmio de melhor documentário no ‘Jerusalem Film Festival’; o de melhor diretor de documentário no Sundance (também foi indicado para o Grande Prêmio do Júri desse festival), nos Estados Unidos, e o Busan Cinephile, do Busan International Film Festival, da Coreia. Em 2011 recebeu o Prêmio Especial do Júri e o Prêmio Especial do Público no International Documentary Film Festival Amsterdam (IDFA), na Holanda. A. O. Scott, crítico de ‘The New York Times’, considerou-o uma “comovente e rigorosa obra de arte”.
Ele tem razão. No documentário, com sensibilidade, Emad funde sua vida e a de sua família com a história da ocupação de Bil’in. É uma história comum à maioria dos milhões de palestinos que nasceram nos hoje dezenas de vilarejos – eram mais de 500 antes que os sionistas os tomassem à força, nos anos 1940 – que circundam as 11 cidades da Cisjordânia, compondo as regiões distritais daquela parte do Estado da Palestina.
Com texto de Guy Davidi, e narrado por Emad, o filme nos conduz pelas belas paisagens de Bil’in, mostrando a chegada dos agrimensores israelenses para a medição das terras que seriam confiscadas; as reuniões entre os moradores e o pessoal do grupo Anarquistas Contra o Muro, de Israel, que conseguiu o mapa com o traçado do muro e se uniu aos bilainenses para boicotá-lo; os primeiros enfrentamentos com o exército israelense; as prisões, a progressão dos desafios e da violência, a consolidação da resistência, o apoio internacional à luta não violenta de Bil’in.
Há cenas geniais, como a do grupo de moradores que barra o avanço dos soldados na área urbana da vila com instrumentos de percussão improvisados, numa “bateria” ruidosa e criativa. Há também cenas difíceis, em que Emad se vê obrigado a filmar a prisão dos irmãos e de um vizinho, um menino, e cenas trágicas, como o assassinato de Bassem Abu-Rahmah, o Fil, até aquele momento um dos líderes da resistência e um dos protagonistas do filme. A sequência é dolorosa, embora o público seja poupado das tomadas mais dramáticas.
O documentário leva o público a participar do cotidiano de Bil’in e a vivenciar um pouco do que significa estar submetido a uma ocupação militar. Trata-se de documento histórico, denúncia viva dos abusos cometidos pelo exército sionista. Por isso mesmo, a cena em que o pequeno Gibril, mal se sustentando em seus primeiros passos, oferece um ramo de oliveira a um dos soldados israelenses – que o aceita, com um sorriso culpado e sem jeito – surpreende e enternece. Num momento assim não há como deixar de questionar o mal que os sionistas têm feito aos seres humanos que vivem de um lado e de outro do muro. Não fossem eles, provavelmente palestinos de todas as religiões teriam continuado a conviver em harmonia na Palestina histórica. Os inimigos e a discórdia vieram de fora. Será possível neutralizá-los e resgatar a antiga harmonia, dessa vez juntando ao antigo grupo os cidadãos de Israel, como propõem palestinos e israelenses que defendem a existência de um único Estado, democrático e secular, com direitos iguais para todos?
O impacto nos jovens de Israel
É difícil responder a essa indagação sem levar em conta as alianças do sionismo e seu papel decisivo nas finanças internacionais, na indústria bélica e na tecnologia nuclear. O movimento praticamente domina os setores estratégicos sobre os quais se desenrola o teatro do mundo. É ele que cuida do caixa, do lucro, da produção e do roteiro do espetáculo. Por isso, o combate não se restringe à ação dos sionistas na Palestina. Eles se espalham cada vez mais, controlando governos, territórios e ramos de atividades nos cinco continentes.
Mas é em Israel que seu controle se estende a toda a sociedade. Lá, o sistema educacional garante apoio e submissão aos princípios sionistas nesta e nas futuras gerações. Assim, quem nasce em Israel aprende, desde a infância, que os palestinos são “árabes que vivem em território israelense” – e inimigos. A maior parte dos livros didáticos faz pouca referência à Palestina – nos mapas, por exemplo, Cisjordânia e Gaza são mostradas como território de Israel – e a sua história. A grande maioria dos jovens israelenses não sabe que seu país ocupa outro, e tem de seu exército uma visão heroica e romântica, fabricada pela propaganda sionista.
Contribui para essa ilusão um programa muito comum nos feriados e nos fins de semana em Israel: os pais costumam levar os filhos pequenos a locais onde são expostos equipamentos de guerra, que as crianças podem experimentar, e veículos nos quais elas entram e fingem controlar. Tudo sob o olhar complacente da família e diante das explicações de jovens soldadas e soldados. Para entender como essa indústria da violência funciona, assista ao vídeo produzido pelo israelense Itamar Rose: http://youtu.be/Qp67KehlVGU
Não é de admirar, portanto, que as crianças de Israel desenvolvam a ideia de que a solução de seus problemas – ou daquilo que lhes é ensinado como “problema” – passa pela via militar. Foi para desfazer essa crença que Guy Davidi decidiu mostrar ‘5 Broken Cameras’ a um grupo de jovens em Israel e filmar suas reações. Suas expressões, durante a exibição do documentário, dizem muito sobre a revelação de como é a vida dos palestinos: indicam surpresa, choque, consternação, revolta, compaixão.
Diante dessa experiência, Davidi resolveu elaborar um projeto maior: levar ‘5 Broken Cameras’ ao público israelense em sessões que permitam reflexões e debates sobre a ocupação, a violência imposta aos palestinos de maneira direta e aos israelenses de modo indireto, o dia a dia dos cidadãos dos dois lados do muro, o próprio muro, o questionamento ao papel do exército e à ideologia dos soldados – que, como eu mesma pude comprovar nas muitas conversas que travei com eles, têm dos palestinos e dos árabes uma imagem deturpada, assimilada em uma existência inteira de educação dirigida e controlada. Conheça a surpreendente experiência de Guy Davidi com os jovens israelenses: http://youtu.be/i1wEszQYEzg.
Será que a arte pode promover compreensão e tolerância, aproximando duas populações separadas pela agenda bélica e expansionista das autoridades sionistas? Será que a mudança necessária pode começar da base de ambas as sociedades, as únicas instâncias portadoras de legitimidade para isso? É uma aposta ousada, a dos diretores de ‘5 Broken Cameras’. Aguardemos os resultados.
Carta Maior
Slavoj Žižek: um rebelde com causa – entrevista para o jornal Zero Hora
Slavoj Zizek está machucado. Na semana passada, ele caminhava numa rua de Liubliana, capital da Eslovênia, onde vive, quando escorregou numa camada de gelo e caiu de costas, fraturando três costelas. Referindo-se com bom humor ao ocorrido como um “acidente estúpido”, ele dá início na quarta-feira a uma conversa telefônica de 43 minutos com Zero Hora.
Levando em conta que Zizek é um dos mais instigantes pensadores contemporâneos, professor e diretor de instituições acadêmicas na Eslovênia e na Grã-Bretanha, o repórter considera apropriado começar a entrevista com uma questão de ordem teórica: como se pronuncia seu sobrenome?
- Jijék – é o que se pode entender da resposta. – Mas não importa, todos pronunciam errado. Se alguém o pronuncia corretamente, eu suspeito que se trata de um policial.
É a vez de Zizek perguntar o que ocorreu com o Fórum Social Mundial, que se reuniu pela primeira vez em Porto Alegre em 2001. Ele esteve por duas vezes no Brasil, passando por São Paulo, Rio e Salvador. Segue-se uma rajada de comentários sobre as peculiaridades regionais brasileiras (“Quanto mais vou para o Sul, mais gosto”), sobre as capitais baiana (“Salvador é muito quente, eles dançam muito”) e paulista (“Sou um workaholic, gosto de São Paulo. Há ordem. Certo, há caos, não ordem, mas você sabe o que quero dizer. Há uma certa dinâmica. As pessoas trabalham, não dançam. Sou muito totalitário”).
Zizek começará por Porto Alegre um giro de lançamento de seu mais recente livro traduzido para o português, Menos que Nada (Boitempo Editorial). Na Capital, ele participa do seminário Marx: a Criação Destruidora no próximo dia 5, às 19h, na Câmara Municipal. A seguir, uma síntese da entrevista a Zero Hora:
Zero Hora – Quais são suas impressões sobre o Brasil?
Slavoj Zizek - As impressões são sempre divididas, mas gosto do país. Por exemplo: sei que há muita divisão ideológica sobre o Brasil. Uma é de que é um país onde as pessoas sabem aproveitar a vida, dançar e fazer música. Mas sei que há também um outro lado. Sei que há muitos negros no Brasil, mas a elite política permanece branca. Nos governos de Lula, havia apenas aquele famoso cantor negro que era ministro da Cultura (Gilberto Gil). Talvez agora seja diferente. Isso me lembra um pouco os antigos regimes comunistas, onde havia sempre mulheres no governo, mas apenas em três pastas consideradas de segundo classe e afastadas do poder real: Cultura, Educação e Assistência Social. Por outro lado, meus amigos brasileiros dizem que há ainda uma forte divisão racial, mas que permanece invisível. O que deve surpreendê-lo a respeito do Brasil é que a divisão social, entre ricos e pobres, é visível. Você vê favelas. Durante minha primeira visita, no início dos anos 1990, fui convidado a uma reunião na casa do diretor da Volkswagen do Brasil. Era uma mansão luxuosa, mas de lá era possível ver, a pouco mais de um quilômetro, uma favela. Gosto disso. Vocês não escondem isso como em outras cidades. Vá a Buenos Aires, você não vê favelas. Estão escondidas. Inicialmente, fui cético a respeito do governo Lula. Toni Negri (Antonio Negri, sociólogo marxista italiano) me disse há muitos anos: “Não subestime Lula e não superestime Hugo Chávez”. Me convenci cada vez mais de que Chávez não resolve realmente os problemas, injeta dinheiro neles. Ele não inventa nenhuma nova forma socioeconômica. Conheço essas formas de participação dos trabalhadores nas fábricas, mas sou cínico a esse respeito. Amigos me informam que há todas essas boas notícias sobre trabalhadores que controlam fábricas, cooperativas, mas que seria bom ir até lá um ano depois e ver o que aconteceu com a fábrica. Muitas vezes faliu.
ZH – Na sua opinião, há alguma experiência positiva de governo na América Latina?
Zizek - Gosto muito mais do caso da Bolívia, com Evo Morales e seu vice-presidente, Linera (Álvaro García Linera), que conheço. Não há solução fácil com dinheiro, como no caso de Chávez. É preciso trabalhar duro. Acredito que o caso do Brasil é importante. Mesmo se concordamos que o problema é o capitalismo global, blablá, isso não significa que possamos parar e simplesmente preparar alguma grande revolução. Há muitas coisas que você pode fazer dentro da ordem atual. Há espaços abertos nos quais se pode fazer algo. O Brasil é um bom exemplo daquilo que, com uma política inteligente, você pode fazer mesmo dentro das coordenadas do (vamos chamá-lo assim) capitalismo global. Não sou contra o eurocentrismo. Acredito que a Europa levou muitas coisas boas para o mundo, como democracia, igualitarismo e assim por diante. Mas, apesar disso, percebo que muitas vezes os esquerdistas, em especial, são surpreendentemente eurocêntricos. Por exemplo, veja toda essa bobagem de que hoje estamos numa crise global e assim por diante. Quando estive no Brasil, há dois anos, ou agora, em Cingapura e na China, as pessoas estavam certas em me perguntar: dane-se, que crise? Veja, até os Estados Unidos estão se recuperando, a China está indo relativamente bem, Cingapura, Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia. Até os países do sul da África estão indo para a frente. Sem falar no Brasil e na América Latina, então, que crise? Estritamente uma crise local e europeia. Não é uma crise global, você sabe.
ZH – O senhor não viu sinais de crise fora da Europa?
Zizek - É claro que 2008 foi o momento de uma crise global potencial, mas agora, numa perspectiva mais longa, o que vemos é que a Europa simplesmente está perdendo sua função de modelo. Incidentalmente, não acredito que isso seja um fenômeno para se comemorar. O que está surgindo no lugar do capitalismo europeu é o capitalismo com valores asiáticos, que não tem a ver com a Ásia, mas simplesmente com um capitalismo mais autoritário. É um típico exemplo de eurocentrismo incluir tudo numa crise global. Não! Se você observar os números, existe hoje um grande progresso no Brasil, na China. Sei que estão ocorrendo horrores na China. Mas sejamos francos: existe menos fome em massa na China hoje em dia do que, digamos, há 40 anos. Então, não compro essa história superficial de que o capitalismo está em crise mortal, está caminhando para o seu fim e assim por diante. A outra razão pela qual gosto da abordagem brasileira é que estou um pouco farto e cansado desses assim chamados esquerdistas radicais que ainda esperam por um grande momento revolucionário, no qual a verdadeira classe trabalhadora virá impor a sua democracia e assim por diante. Sinceramente, não compro essa história. Sim, eu sei que a democracia multipartidária tem suas limitações. Negri me convenceu de que esse foi precisamente o caso do Brasil. O jeito de Lula fazer funcionar… Foi como Negri descreveu para mim, e acreditei nele. É claro que há corrupção, porque o único jeito de Lula aprovar suas medidas foi corromper, pagar os partidos menores. Então, novamente, há limitações, mas todas aquelas histórias poéticas de cooperativas locais, produtores, comunidades interdistritais que irão se expandindo gradativamente e envolvendo todo o Estado… não, não vão. Mais do que nunca, nós precisamos de organizações globais, com grandes redes globais. Não acredito nesses mitos de comunidades locais se aproximando e assim por diante. Não estou idealizando o Brasil, mas, uma vez mais, foi exemplo modesto e hoje relativamente bem-sucedido do que você pode fazer dentro do sistema existente. Mais uma vez, é importante livrar-se dos mitos de democracia direta e mesmo anticapitalismo. É evidente que sou anticapitalista. Acredito sinceramente no que escrevi. Mas sejamos claros: podemos sequer imaginar uma alternativa hoje? É claro que não peço que ninguém dite planos para o futuro, mas mesmo aventar a ideia de um socialismo de Estado é apenas um pouco mais radical do que uma democracia social. Considero muito deprimente a maneira como a esquerda radical diz todo o tempo, enquanto nós, no Ocidente, vivemos em relativa prosperidade: “Espere um momento, haverá uma crise, vocês verão que essa prosperidade é falsa”. OK, alguns países da Europa agora enfrentam uma crise: Grécia, Espanha, Grã-Bretanha, França.
ZH – Na Bulgária, o governo caiu nesta quarta-feira.
Zizek - Sim, mas você notou como poucas ideias reais nasceram desses protestos? Acredito que essa última crise de insatisfação na Europa é o maior malogro da esquerda que podemos imaginar. Colocamos essa energia em protestos, que eu apoio totalmente, mas não conseguimos transformá-los em movimentos políticos organizados que tentassem tomar o poder e fazer alguma coisa. Lembro dos acontecimentos do movimento Occupy Wall Street. Fui a Nova York, a Frankfurt e a outras cidades e fiz aos manifestantes uma pergunta psicanalítica simples: o que vocês querem? Ouvi respostas totalmente confusas: moralismo abstrato, diversidade política, honestidade, trabalho pelo bem comum. E então você tem esse tipo de movimento antifinanceiro, que eu rejeito totalmente em razão de sua teoria protofascista, que tenta opor o mau capitalismo, que não é produtivo, ao bom capitalismo, que é realmente produtivo. Não, isso não funciona. O capitalismo de hoje é capitalismo financeiro. Você não pode imaginar que ele se financie sem bancos fortes, que ofereçam crédito e assim por diante. E há pessoas que sonham com democracia direta e socialização, mas isso não funciona. Eu estava só perguntando às pessoas: “O que vocês querem?”. E é incrível que, somente por ter feito essa pergunta, eles me tratavam como uma espécie de inimigo. Como se me dissessem: “Por que você está fazendo essa pergunta agora? Estamos na primeira fase de nosso trabalho, estamos desenvolvendo-o”. Eu sei, eu sei, mas não penso francamente que, por haver revolta, irá aparecer algum movimento forte como opção séria. O problema é que, quando você tem revolta e não tem projeto de esquerda que seja aceito pelas pessoas, obviamente, a direita radical vence.
ZH – Não é um problema antigo para a esquerda a conciliação das ideias socialistas com o movimento real das massas?
Zizek - Em primeiro lugar, o marxismo tem de fazer um pouco de autocrítica. Penso que a questão não é apenas a de como podemos mobilizar as pessoas com base em nossa teoria, mas a de nos perguntarmos se algo está errado com a própria teoria. Por exemplo, qual é o sujeito potencial da mudança amanhã? Está claro que não é mais a classe operária tradicional. Na Europa, falar na classe operária tradicional é dizer: “Sim, sim, você é explorado. Mas, pelo menos, você tem um emprego permanente no qual é permanentemente explorado. Você quase pode ser considerado um privilegiado hoje”. Há trabalhadores precarizados, desempregados, imigrantes, excluídos… Não penso que o agente potencial da mudança possa ser simplesmente a velha classe operária. A segunda observação não muito popular que eu gostaria de acrescentar é: não mistifiquemos as tentativas revolucionárias do passado. Por exemplo, as pessoas estão muito desapontadas, oh, meu Deus, com o fato de os partidos islâmicos terem tomado conta do Egito. Amigos que estiveram na Praça Tahrir disseram que não mais de 10% da população efetivamente participaram das mobilizações. Obviamente, a maioria simpatizava com o que estava acontecendo, mas estava à margem, esperando. E agora vou mais longe: você não acha que isso se aplica a todas as revoluções? Veja a Revolução de Outubro. A participação foi ainda menor. Eram um ou dois grupos nas grandes cidades. Mas há um outro exemplo, mais dramático, da Revolução Mexicana, sobre a qual recentemente li um livro. Há um momento em que Emiliano Zapata entra na Cidade do México pelo sul, e Pancho Villa, pelo norte. E o que acontece? Eles permanecem por três meses na Cidade do México, eles discutem, não sabem o que fazer e voltam para casa. É incrível: eles tomam o poder e não sabem o que fazer com ele.
ZH – O senhor acredita que a democracia representativa seja mais adequada ao exercício da vontade política?
Zizek - Não gosto dessa ideia esquerdista radical de que a democracia formal torna o povo passivo e de que precisamos de democracia participativa, na qual estaremos todos engajados. Mas deixe-me ser muito brutal: a grande maioria das pessoas, e eu me incluo nessa maioria, não quer participar o tempo todo da política. Eles querem um Estado eficiente e ordem pública que lhes permita viver em paz e de forma decente. Não vejo nada errado com essa atitude. O problema não é o grande momento extático: oh, um milhão de pessoas na praça. O problema é como mudar a vida real quando, depois do êxtase revolucionário, as coisas voltam ao normal. Existe a opção social-democrata? Sim, embora hoje esteja um pouco em crise. Há a velha opção comunista? Ela se desvaneceu. Uma vez debati com Fukuyama (Francis Fukuyama, pensador liberal americano, autor de O Fim da História) e disse a ele: “OK, você está certo, o capitalismo liberal venceu. Mas admita que os ex-comunistas na China são os melhores administradores desse novo capitalismo” (risos). Essa é a ironia da China. Yeah, yeah, yeah, capitalismo, mas vocês precisam de nós para gerenciá-lo (risos).
(Publicado no jornal Zero Hora no último sábado, 23 de fevereiro de 2013.)
Seminário tras Žižek, Harvey e Heinrich para debater marxismo em tempos de crise global
Diante das consequências da crise econômica global e da nova configuração política no Brasil e no mundo, o que Marx tem a nos ensinar hoje? Como a sua vasta obra, principalmente O capital, pode contribuir para entender e transformar o nosso tempo?
Para debater a atualidade e a pertinência da produção teórica desse gigante da filosofia, a Boitempo Editorial e o Sesc realizam durante os meses de março e maio o seminário internacional “Marx: a criação destruidora”, que reunirá alguns dos mais renomados especialistas da tradição marxista.
Destacam-se o filósofo esloveno Slavoj Žižek, o geógrafo britânico David Harvey e o cientista político alemão Michael Heinrich, integrante do projeto Mega-2 (Marx-Engels-Gesamtausgabe), instituição detentora e curadora dos manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels.
Em parceria com a Fundação Lauro Campos, a Fundação Maurício Grabois, a Fundação Rosa Luxemburgo, a Câmara Municipal de Porto Alegre, a produtora de eventos Carpe Diem, a ArtFliporto e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), o projeto internacional “Marx: a criação destruidora”, que contempla o IV Seminário Margem Esquerda e o IV Curso Livre Marx-Engels, se estenderá às cidades de São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Recife e Salvador, onde estão previstas as conferências internacionais de Slavoj Žižek e David Harvey.
Em São Paulo, onde o evento se concentra, a programação, dividida em três etapas, marca o histórico lançamento da edição especial, com tradução inédita, do livro I de 'O capital', de Karl Marx, 15º título da Coleção Marx Engels, além de 'Para entender O capital', de David Harvey; 'Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético', de Slavoj Žižek; 'Estado e forma política', de Alysson Leandro Mascaro; 'Marx, modo de uso', do filósofo francês Daniel Bensaïd (falecido em 2010); além do número 20 da revista Margem Esquerda.
Confira a programação completa em todas as cidades e mais informações sobre inscrições no site do projeto: http://marxcriacaodestruidora.com.br/
Do site Carta Maior:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21645
Para debater a atualidade e a pertinência da produção teórica desse gigante da filosofia, a Boitempo Editorial e o Sesc realizam durante os meses de março e maio o seminário internacional “Marx: a criação destruidora”, que reunirá alguns dos mais renomados especialistas da tradição marxista.
Destacam-se o filósofo esloveno Slavoj Žižek, o geógrafo britânico David Harvey e o cientista político alemão Michael Heinrich, integrante do projeto Mega-2 (Marx-Engels-Gesamtausgabe), instituição detentora e curadora dos manuscritos de Karl Marx e Friedrich Engels.
Em parceria com a Fundação Lauro Campos, a Fundação Maurício Grabois, a Fundação Rosa Luxemburgo, a Câmara Municipal de Porto Alegre, a produtora de eventos Carpe Diem, a ArtFliporto e a Universidade Federal da Bahia (UFBA), o projeto internacional “Marx: a criação destruidora”, que contempla o IV Seminário Margem Esquerda e o IV Curso Livre Marx-Engels, se estenderá às cidades de São Paulo, Porto Alegre, Brasília, Recife e Salvador, onde estão previstas as conferências internacionais de Slavoj Žižek e David Harvey.
Em São Paulo, onde o evento se concentra, a programação, dividida em três etapas, marca o histórico lançamento da edição especial, com tradução inédita, do livro I de 'O capital', de Karl Marx, 15º título da Coleção Marx Engels, além de 'Para entender O capital', de David Harvey; 'Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético', de Slavoj Žižek; 'Estado e forma política', de Alysson Leandro Mascaro; 'Marx, modo de uso', do filósofo francês Daniel Bensaïd (falecido em 2010); além do número 20 da revista Margem Esquerda.
Confira a programação completa em todas as cidades e mais informações sobre inscrições no site do projeto: http://marxcriacaodestruidora.com.br/
Do site Carta Maior:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21645
Em março, a efervescente Tunísia recebe o Fórum Social Mundial 2013
Terezinha Vicente
da Ciranda
retirado do Brasil de Fato, de 06/02/13
Tradicionalmente os Fóruns Sociais Mundiais (FSM) ocorriam no final de janeiro, para fazer o contraponto ao Fórum Econômico Mundial, que junta os capitalistas “donos” do mundo nessa época em Davos.
Assim foram os primeiros, realizados no Brasil, em Porto Alegre, e já parte da História pós-queda do Muro de Berlim e do fim da experiência socialista no Leste europeu. Em 2004, o FSM começou a andar pela parte do mundo que não combinava com o espírito de Davos e adequar a data ao país que se propôs a recebê-lo. Surgiram também vários Fóruns Sociais locais, continentais, temáticos, alguns continuam, outros não. O FSM, aquele grande, que reúne ativistas por um mundo melhor de todo o planeta, tornou-se bianual e já aconteceu na Venezuela, Índia, Quenia, Senegal, além dos que ocorreram aqui.
2013 é ano de FSM e desta vez o encontro ocorrerá, entre os dias 26 e 30 de março, na cidade de Túnis (capital da Tunísia), um dos primeiros países a protagonizar as revoltas da Primavera Árabe. Três membros do Comitê Organizador do Fórum Social na Tunísia estiveram em São Paulo, a convite e participando de seminário organizado pelo GRAP – Grupo de Apoio e Reflexão ao Processo do Fórum Social Mundial. Junto com Chico Whitaker, membro do GRAP e do Conselho Internacional (CI) do FSM, os ativistas tunisianos concederam entrevista coletiva no dia 1 de fevereiro. (...)
Leia mais...
FÓRUM SOCIAL MUNDIAL 2013
O Fórum Social Mundial de 2013 acontecerá entre 26 e 30 de março de 2013 na Tunísia.
As incrições estão abertas.
Saiba mais em: http://www.fsm2013.org/es
As incrições estão abertas.
Saiba mais em: http://www.fsm2013.org/es
25 de fevereiro de 2013
minimanifesto
contra a inércia
contra a lei da gravidade
contra a contrariedade
contra marcar bobeira
contra a cultura oficial
contra a cópia
a favor da liberdade
contra o irremediável
Ronaldo Bastos
contra a lei da gravidade
contra a contrariedade
contra marcar bobeira
contra a cultura oficial
contra a cópia
a favor da liberdade
contra o irremediável
Ronaldo Bastos
23 de fevereiro de 2013
Olimpiadas e o Jogo Imobiliario
Banco imobiliário exalta obras do Rio e vereadores cobram explicações do prefeito Eduardo Paes
Os vereadores e professores do Rio reprovam a nova versão do jogo “Banco Imobiliário – Cidade Olímpica, que exalta as obras e ações do prefeito Eduardo Paes (PMDB). O brinquedo, entregue nas mais de mil escolas do município, ganhou novos endereços como o Centro de Operações e o Porto Maravilha — projeto da prefeitura para a zona portuária.
Aliado de Paes, o governador Sérgio Cabral (PMDB) também foi homenageado em uma das cartas, que diz “seu imóvel foi valorizado com a pacificação da comunidade vizinha”. As UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), principal bandeira de Cabral, garantem R$ 75 mil aos jogadores. Fabricante do brinquedo, a Estrela informou que os endereços e os textos foram produzidos por executivos da empresa e técnicos da prefeitura.
Além das escolas do Rio, o Banco Imobiliário carioca também vai parar nas lojas a preços entre R$ 89 e R$ 99. A compra de 20 mil exemplares custou mais de R$ 1 milhão aos cofres do município. A Secretaria Municipal de Educação diz que os professores poderão usar o jogo de forma pedagógica.
O argumento, no entanto, não convenceu o Sepe-RJ (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio). O coordenador-geral do sindicato, Alex Trentino, diz que, além de fazer propaganda política do governo de Paes, a prefeitura gastou recursos que deveriam ser investidos na reforma das escolas municipais.
— As escolas da cidade enfrentam problemas de ventilação nesse calor de mais 40ºC do Rio. Não existe ar-condicionado em nenhuma escola da prefeitura. Enquanto a prefeitura investiu no jogo, a realidade das escolas do município é completamente caótica. O jogo não tem nada de pedagógico. O Ministério Público já se manifestou para saber de onde veio esse dinheiro.
Vereadores pedem esclarecimentos à prefeitura
Além do Ministério Público, os vereadores da oposição também estão de olho no novo brinquedo. O ex-prefeito Cesar Maia, que ocupa uma das vagas da Câmara pelo DEM, quer saber como foi feita a compra dos jogos e se o uso do brinquedo pode fazer parte do planejamento pedagógico.
— Brinquedos com função análoga existem à vontade. Por que comprar dessa empresa e sem licitação? Isso é grave. Nesse primeiro governo do Eduardo [Paes], a prefeitura tem favorecido muito o mercado imobiliário, a especulação imobiliária. É um escândalo que seja esse o tema no uso de um brinquedo supostamente com fins escolares.
O vereador Jefferson Moura (PSOL) já pediu à Casa Civil, responsável pela compra dos jogos, esclarecimentos sobre a negociação com a empresa fabricante. Além de reprovar o uso da marca da prefeitura na embalagem do brinquedo, o socialista diz que a ideia pode influenciar os futuros eleitores.
— Nós teremos eleições no ano que vem. O prefeito até agora não demonstrou interesse em se candidatar a algum cargo. Mas ele pode fazer isso a qualquer momento. Além do risco de influenciar politicamente os pais dos alunos, o material pode comprometer a formação de futuros cidadãos e, por consequência, futuros eleitores. Se houver a constatação de alguma irregularidade, vamos buscar medidas cabíveis para retirar os jogos das escolas.
http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/vereadores-e-professores-do-rio-reprovam-jogo-que-exalta-obras-do-prefeito-eduardo-paes-20130222.html
22 de fevereiro de 2013
âmagos
conhecer o nome das coisas
não os nomes impostos
mas os nomes de seus âmagos anônimos
saber que o eterno é por vezes muito breve
e que a felicidade é apenas vaga imagem
saber que a metáfora é por vezes bem concreta
Raimundo Beato
não os nomes impostos
mas os nomes de seus âmagos anônimos
saber que o eterno é por vezes muito breve
e que a felicidade é apenas vaga imagem
saber que a metáfora é por vezes bem concreta
Raimundo Beato
tira-teima
Tire a faca do peito
e o medo dos olhos
Ponha uns óculos escuros
e saia por aí. Dando bandeira
Tire o nó da garganta
que a palavra corre fácil
sem desculpas nem contornos
Direta: do diafragma ao céu da boca
Tire o trinco da porta
liberte a corrente de ar
Deixe os bons ventos levantarem a poeira
levando o cisco ao olho grande
Tire a sorte na esquina
na primeira cigana ou no velho realejo
Leia o horóscopo e olhe o céu
lembre-se das estrelas e da estrada
Tire o corpo da reta
e o cu da seringa
que malandro é você, rapaz
o lado bom da faca é o cabo
Tire a mulher mais bonita
pra dançar e dance
Dance olhando dentro dos olhos
até que ela morra de vergonha
Tire o revólver e atire
a primeira pedra
a última palavra
a praga e a sorte
a peste, ou o vírus?
Bernardo Vilhena
e o medo dos olhos
Ponha uns óculos escuros
e saia por aí. Dando bandeira
Tire o nó da garganta
que a palavra corre fácil
sem desculpas nem contornos
Direta: do diafragma ao céu da boca
Tire o trinco da porta
liberte a corrente de ar
Deixe os bons ventos levantarem a poeira
levando o cisco ao olho grande
Tire a sorte na esquina
na primeira cigana ou no velho realejo
Leia o horóscopo e olhe o céu
lembre-se das estrelas e da estrada
Tire o corpo da reta
e o cu da seringa
que malandro é você, rapaz
o lado bom da faca é o cabo
Tire a mulher mais bonita
pra dançar e dance
Dance olhando dentro dos olhos
até que ela morra de vergonha
Tire o revólver e atire
a primeira pedra
a última palavra
a praga e a sorte
a peste, ou o vírus?
Bernardo Vilhena
poesia alimenta revoluções
a poesia alimenta revoluções
é o vira-lata esperto na mira da caça
a poesia é a criação mais barata
a situação mais delicada
o tombo mais alto
porque os palhaços pensam que têm a cabeça de borracha
Charles Peixoto (1979, Coração de Cavalo)
é o vira-lata esperto na mira da caça
a poesia é a criação mais barata
a situação mais delicada
o tombo mais alto
porque os palhaços pensam que têm a cabeça de borracha
Charles Peixoto (1979, Coração de Cavalo)
21 de fevereiro de 2013
já que sou brasileiro
já que sou brasileiro
Jackson do Pandeiro
jack que SOUL brasileiro
Jack SOM do pandeiro
Bernardo Vilhena
Jackson do Pandeiro
jack que SOUL brasileiro
Jack SOM do pandeiro
Bernardo Vilhena
revanche
eu sei que já faz muito tempo
que a gente volta aos princípios
tentando acertar o passo
usando mil artifícios
mas sempre alguém tenta um salto
e a gente é que paga por isso
fugimos pras grandes cidades
bichos do mato em busca do mito
de uma nova sociedade
escravos de um novo rito
mas se tudo deu errado,
quem é que vai pagar por isso?
a favela é a nova senzala
correntes da velha tribo
e a sala é a nova cela
prisioneiros nas grades do vídeo
e se o sol ainda nasce quadrado
quem é que vai pagar por isso?
o café, um cigarro, um trago,
tudo isso não é vício
são companheiros da solidão,
mas isso só foi no início
hoje em dia somos todos escravos
e quem é que vai pagar por isso
eu não quero mais nenhuma chance
eu não quero mais revanche
Bernardo Vilhena
que a gente volta aos princípios
tentando acertar o passo
usando mil artifícios
mas sempre alguém tenta um salto
e a gente é que paga por isso
fugimos pras grandes cidades
bichos do mato em busca do mito
de uma nova sociedade
escravos de um novo rito
mas se tudo deu errado,
quem é que vai pagar por isso?
a favela é a nova senzala
correntes da velha tribo
e a sala é a nova cela
prisioneiros nas grades do vídeo
e se o sol ainda nasce quadrado
quem é que vai pagar por isso?
o café, um cigarro, um trago,
tudo isso não é vício
são companheiros da solidão,
mas isso só foi no início
hoje em dia somos todos escravos
e quem é que vai pagar por isso
eu não quero mais nenhuma chance
eu não quero mais revanche
Bernardo Vilhena
20 de fevereiro de 2013
Verbo Ser
Que vai ser quando crescer? vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo, um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível ser? Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito: ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher? Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser. Vou crescer assim mesmo. Sem ser. Esquecer.
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
19 de fevereiro de 2013
Cordelito da Solução
Todo mundo tá doente
Issé pior que dor de dente
Todo mundo tá demente
A vida nossa tá ausente
De onde vem a depressão?
Essa auto-rejeição
Não precisa imolação
Dê-se um pouco de perdão
Cada hora troca o pólo
Da euforia pra apatia
Tá faltando a alegria
De viver com gratidão
Vamu fincá o pé no solo
Se ligar na região
Recuperar o território
A nova globalização
Inverte os pólo duma vez
O vento Norte não tem vez
A nossa luta vem do Sul:
O Bem Viver, a solução
Beto Mororó Guarani-Kaiowá, agricultor, poeta popular
Issé pior que dor de dente
Todo mundo tá demente
A vida nossa tá ausente
De onde vem a depressão?
Essa auto-rejeição
Não precisa imolação
Dê-se um pouco de perdão
Cada hora troca o pólo
Da euforia pra apatia
Tá faltando a alegria
De viver com gratidão
Vamu fincá o pé no solo
Se ligar na região
Recuperar o território
A nova globalização
Inverte os pólo duma vez
O vento Norte não tem vez
A nossa luta vem do Sul:
O Bem Viver, a solução
Beto Mororó Guarani-Kaiowá, agricultor, poeta popular
18 de fevereiro de 2013
Cidade
cidade: parada estranha
aglomerações
linhas cruzadas
engarrafamentos
estranha cidade parada
cristalização de caos tédio estupor
escornada no espaço
veias abertas pedindo mais mais sempre mais
cidade: paradinha sinistra
babel bélica
bando de gente a ir a algum lugar nenhum
infinito véu de pulsações
gases desejos dejetos
palavras & balas
perdidas perdidas perdidas
cidade: sinistríssima parada
tudo é recriado e se esfumaça
seus citroens seu rock and roll
luzes da ribalta refletem na sarjeta
what’s going on
as prensas não podem parar
notícia notícia notícia
revista já vista já velha
reprocessando matéria
clonando idéia
novelha novelha novelha
parada cidade estranha
choque elétrico todo dia
a dias meses anos
desintegrar - bang big -
numa implosão final
impotentes paras formatar
bilhões de bytes
trilhões de raios catódicos
em expressão inteligível
cidade : parada estranha
excesso exagero coisa fumaça
corpo crivado de bits
corpo crivado de bits
corpo crivado de bits
Chacal
Bola na Política
No carnaval do Rio de Janeiro, dentro do camarote da Prefeitura, o ex-jogador Ronaldo Fenômeno manteve conversa animada com Eduardo Paes, demonstrando bastante proximidade.
Chegam ao camarote de Eduardo Paes, prefeito do Rio. "Obrigado aí por tudo o que você tem feito pela dona Sonia", afirma Ronaldo, referindo-se à mãe. "Você só entra aqui com a autorização dela, cara!", diz Paes.
"É mais fácil administrar os cofres do Rio de Janeiro do que administrar as contas da dona Sonia", afirma Ronaldo a Eduardo Paes. A mãe balança a cabeça, sorrindo, para negar a informação. "Aí é que eu quero ver!", segue o ex-craque. "Ela chega para mim no fim do ano e diz: 'Ronaldo, o cartão vai estourar um pouquinho'. Já viu, né?"
Dona Sonia olha para o filho, que fala com o prefeito sobre vários assuntos. "Ele adora essa agitação. Não vive sem isso", diz a mãe. Ronaldo provoca o peemedebista Paes: "Vocês ficam me desprezando... O PSDB taí, me convidando para um monte de coisas". "O que você quiser!", responde o prefeito. O ex-craque ri: "Bom é se dar bem com todo mundo, né?".
Revolução na arte televisiva (ou desconstrução da TV)
Norway's NRK broadcasts 12-hour wood burning programme
NRK's head of programming said Norwegians had a spiritual relationship with fire
It may be a slow burner but will it fire up the audience? Norwegian public TV is broadcasting a programme showing a crackling fireplace - for 12 hours. The NRK woodathon features firewood specialists providing commentary and advice on subjects such as chopping, stacking and burning the wood. The transmission, entitled Hel Ved, also features music and poetry.
The head of programming at NRK, Rune Moeklebust, described it as "slow but noble television". "We'll talk about the very nerdy subjects like burning, slicing and stacking the wood, but we'll also have cultural segments with music and poems," he said. NRK is no stranger to such programming, correspondents say. In 2011 it broadcast more than a 130 hours of a cruise ship sailing up the Norwegian coast to the Arctic. Mr Moeklebust said the production was inspired by the roaring success of a firewood book by Lars Mytting, Hel Ved - which translates as Strong Character, and is also a pun on ved - the Norwegian for firewood.
"People in Norway have a spiritual relationship with fire," Mr Moeklebust was quoted as telling Reuters.
"Fire is the reason we're here, if there was no firewood, we couldn't live in Norway, we'd freeze."
12 de fevereiro de 2013
Desabutino
Quem quer saber de um poeta na idade do rock
um cara que se cobre de penas e letras lentas
que passa sábado a noite embriagado
chorando que nem criança a solidão
Quem quer saber de um namoro na idade do pó
um romance romântico de cuba
cheia de dúvidas e desvarios
tal a balada de Neil Sedaka
Quem quer saber de mim na cidade do arrepio
um poeta sem eira nem beira de um calipso neurótico
um orfeu fudido sem ficha nem ninguém pra ligar
num dos 572 orelhões dessa cidade vazia.
chacal
9 de fevereiro de 2013
Like a hurricane
Once I thought I saw you in a crowded hazy bar,
Dancing on the light from star to star.
Far across the moonbeam I know that's who you are,
I saw your brown eyes turning once to fire.
You are like a hurricane
There's calm in your eye.
And I'm gettin' blown away
To somewhere safer where the feeling stays.
I want to love you but I get so blown away.
I am just a dreamer, but you are just a dream,
You could have been anyone to me.
Before that moment you touched my lips
That perfect feeling when time just slips
Away between us on our foggy trip.
You are like a hurricane
There's calm in your eye.
And I'm gettin' blown away
To somewhere safer where the feeling stays.
I want to love you but I'm getting blown away.
You are just a dreamer, and I am just a dream.
You could have been anyone to me.
Before that moment you touched my lips
That perfect feeling when time just slips
Away between us on our foggy trip.
You are like a hurricane
There's calm in your eye.
And I'm gettin' blown away
To somewhere safer where the feeling stays.
I want to love you but I'm getting blown away.
Given to Fly
He could have tuned in, tuned in, but he tuned out
A bad time, nothing could save him
Alone in a corridor, waiting, locked out
He got up out of there, ran for hundreds of miles
He made it to the ocean
Had a smoke in a tree
The wind rose up, set him down on his knee
Wave came crashing like a fist to the jaw,
Delivered him wings, "hey, look at me now..."
Arms wide open with the sea as his floor
Oh, power oh...
He's flying! Woah!
Whole! Woah! Oh...
He floated back down 'cause he wanted to share
His key to the locks on the chains he saw everywhere
But first he was stripped, and then he was stabbed
By faceless men, well... He still stands.
And he still gives his love, he just gives it away
The love he recieves is the love that is saved
And sometimes is seen a strange spot in the sky
A human being that was given to fly
Flying! Woah...
Whole! Flying! Woah...
Flying woah...
Oh woah...
7 de fevereiro de 2013
poética
escrever é um ato necessário de perda
: ou você perde,
: ou você se perde.
o resto são vitórias para colecionadores de palavras.
Ana Rusche
: ou você perde,
: ou você se perde.
o resto são vitórias para colecionadores de palavras.
Ana Rusche
Não jogue fora sua loucura, ela é Real!
No anos 90, CEP 20 Mil, Joe Romano sobe ao palco pra poetar:
"Porque, agora, não existe mais direita!
Agora, não existe mais esquerda!!
Agora, direita virou esquerda!!!
A esquerda virou direita, passou pro meio de campo, ajeita pra ponta, a direita tonta, cruza, passa, atrasa pra esquerda, que queda, que gira, que pira, que dribla o beque para abrir a guarda, e inverteu a jogada, um outro já mata no peito, dá seu jeito, deixa a marcação de calça arriada, pra levantar na área, chegou, com classe, cabeceou, errou, bateu na trave, bate-num-bate, bate-rebate, no bololô - baticum! veio um doido e chutou, é Gol:
- GooooOooooO0ººoLL!!
Éééééééééé Gol do Brasil!
*Joe estava vestido com a camisa da seleção.
- Gooooooool!! Gol do Flamengo!!
**Joe retira a camisa da seleção para exibir esta outra.
- Gooooooool!! Gol do Vasco!!! Gol do Fluminense!!! Gol do Botafogo!! Gol do América!! Gol do Madureira!!! ...Vários times...
***Joe troca de camisas umas dez vezes, uma após a outra, time após time, até ninguém mais saber para que serve uma torcida.
"Porque, agora, não existe mais direita!
Agora, não existe mais esquerda!!
Agora, direita virou esquerda!!!
A esquerda virou direita, passou pro meio de campo, ajeita pra ponta, a direita tonta, cruza, passa, atrasa pra esquerda, que queda, que gira, que pira, que dribla o beque para abrir a guarda, e inverteu a jogada, um outro já mata no peito, dá seu jeito, deixa a marcação de calça arriada, pra levantar na área, chegou, com classe, cabeceou, errou, bateu na trave, bate-num-bate, bate-rebate, no bololô - baticum! veio um doido e chutou, é Gol:
- GooooOooooO0ººoLL!!
Éééééééééé Gol do Brasil!
*Joe estava vestido com a camisa da seleção.
- Gooooooool!! Gol do Flamengo!!
**Joe retira a camisa da seleção para exibir esta outra.
- Gooooooool!! Gol do Vasco!!! Gol do Fluminense!!! Gol do Botafogo!! Gol do América!! Gol do Madureira!!! ...Vários times...
***Joe troca de camisas umas dez vezes, uma após a outra, time após time, até ninguém mais saber para que serve uma torcida.
5 de fevereiro de 2013
Eles vivem (They Live) - John Carpenter
THEY LIVE 日本語字幕 from takanojyou on Vimeo.
Há quase 25 anos (1988), o mestre do terror (Halloween, A coisa) escreveu e dirigiu They Live [“Eles vivem”, no Brasil], retratando a Era Reagan como uma catastrófica invasão alienígena. O filme continua sendo seu tour de force. Aliás, quem poderia esquecer das primeiras cenas brilhantes em que uma grande periferia terceiro-mundista é mostrada ao longo de uma autoestrada e refletida pelos arranha-céus espelhados de Bunker Hill, em Los Angeles? Ou da maneira como Carpenter retrata banqueiros milionários e ricos midiocratas dominando a pulverizada classe trabalhadora dos Estados Unidos, que vive em barracas numa encosta cheia de entulhos e implora por trabalhos casuais? (Mike Davis)
4 de fevereiro de 2013
Out of the bones of a dying world
We have to create culture. Don’t watch TV, don’t read magazines, don’t even listen to NPR. Create your own roadshow. The nexus of space and time where you are now is the most immediate sector of your universe, and if you’re worrying about Michael Jackson or Bill Clinton or somebody else, then you are disempowered, you’re giving it all away to icons, icons which are maintained by an electronic media so that you want to dress like X or have lips like Y. This is shit-brained, this kind of thinking. That is all cultural diversion, and what is real is you and your friends and your associations, your highs, your orgasms, your hopes, your plans, your fears. And we are told ‘no’, we’re unimportant, we’re peripheral. ‘Get a degree, get a job, get a this, get a that.’ And then you’re a player. You don’t want to even play in that game. You want to reclaim your mind and get it out of the hands of the cultural engineers who want to turn you into a half-baked moron consuming all this trash that’s being manufactured out of the bones of a dying world.
Terence McKenna
Terence McKenna
Assange: “É bom que os governos tenham medo das pessoas”
O google sabe mais sobre você do que você mesmo. Frase digna do 1984. Não sabemos o que procuramos a três dias na rede, mas o Google sabe!
Assange: “É bom que os governos tenham medo das pessoas”
Do Estadão
“É bom que os governos tenham medo das pessoas”
Jamil Chade
LONDRES – A Internet está se transformando no maior instrumento de vigilância já criado e a liberdade que ela representa estaria seriamente ameaçada. A avaliação é de Julian Assange, criador do Wikileaks e que, há sete meses, vive na embaixada do Equador em Londres. Para ele, a web redefiniu as relações de poder no mundo, se transformou no “sistema nervoso central hoje das sociedades” e chega a ser mais determinante que armas. O problema, segundo ele, é que esse poder está agora se virando contra as populações.
O australiano recebeu a reportagem do Estado para uma entrevista sobre seu livro “Cypherpunks, Liberdade e o Futuro da Internet”, que está sendo lançado no Brasil nesta semana pela Boitempo Editorial.
Apesar de aparentar relaxado, não escondia a palidez de sete meses dentro de um escritório. Em junho de 2012, ele optou por pedir asilo ao Equador, diante de sua iminente deportação para a Suécia, onde é acusado de assédio sexual. Segundo ele, sua decisão de pedir refúgio ao governo de Quito tem como meta evitar sua extradição da Suécia para os EUA, onde seria julgado pela difusão de documentos secretos. O Equador lhe concedeu asilo. Mas a polícia britânica indicou que, assim que ele pisar para fora da embaixada em direção ao aeroporto, seria detido. O resultado tem sido um confinamento sem data para acabar.
Mas essa situação não o deixou menos polêmico. Segundo ele, ao colocar informações em redes sociais, internautas pelo mundo estão fazendo um trabalho de graça para a CIA. “Hoje, o Google sabe mais sobre você que sua mãe”, disse. “Esse é o maior roubo da história”.
Assange ainda defendeu seu anfitrião, o presidente equatoriano Rafael Correa, diante de sua ação contra jornais no Equador e que chegou a ser criticado pela ONU.
Sobre o futuro do Wikileaks, Assange já prometeu que, em 2013, um milhão de novos documentos serão publicados. Ao Estado, ele garantiu: “haverá muita coisa sobre o Brasil””. Ao aparecer para a entrevista, Assange vestia uma camisa da seleção brasileira, num claro esforço de criar simpatia no Brasil e numa operação de imagem cuidadosamente trabalhada.
Eis os principais trechos da entrevista e as fotos de Joao Castelo Branco, as primeiras publicadas por um jornal brasileiro desde que o australiano pediu asilo ao Equador.
Chade – A Internet é o símbolo da emancipação para muitos e foi apresentada como a maior revolução já feita. Mas agora o sr. traz a ideia de que há uma contra-ofensiva a isso tudo. O sr. considera que a Internet está em uma encruzilhada ?
Assange – Diferentes tecnologias produzem mais poder para estruturas existentes ou indivíduos e isso tem sido a história do desenvolvimento tecnológico, ao ponto que podemos ver a história da civilização humana como a história do desenvolvimento de diferentes armas de diferentes tipos. Por exemplo, quando rifles, que podiam ser obtidos por pequenos grupos, eram as armas dominantes em seu dia, ou navios de guerra ou bombas atômicas. E isso define a relação de poder entre diferentes grupos de pessoas pelo mundo. Desde 1945, a relação entre as superpotências dominantes tem sido definida por quem tem acesso às armas atômicas. Mas o que ocorre agora é que Internet é tão significativa que está começando a redefinir as relações de força que antes eram definidas pelos diferentes sistemas de armas que um país tinha. Isso porque todas as sociedades que tem qualquer desenvolvimento tecnológico, que são as sociedades influentes, se fundiram totalmente com a Internet. Portanto, não há uma separação entre o que nós pensamos normalmente que é uma sociedade, indivíduos, burocracia, estados e internet. A internet é o alicerce da sociedade, suas artérias, os nervos e está conectando os estados por cima das fronteiras. A Internet é um centro, se não for o centro, da nossa sociedade. Ela está envolvida na forma que uma sociedade se comunica consigo mesmo, como se comunica entre elas. Não é só simplesmente um sistema de armas ou fonte energia. Não é certo pensar como se fosse o sangue da sociedade. É o sistema nervoso central da socidade. Portanto, se há um problema na Internet, há um problema com o sistema nervoso da sociedade. Agora, víamos antes a internet como uma força liberatadora, que garantia às pessoas que não tinham informação com informação e, mais importante ainda, com conhecimento. Conhecimento é poder. Outras coisas tambem são poder. Mas ela deu muito poder a pessoas que antes não tinham poder. E não apenas mudou a relação entre os que tem poder e aquelas que não tem, dando conhecimento àqueles que não tinham conhecimento. Mas também fez todo o sistema funcionar de forma mais inteligente. Todos passaram a poder tomar decisões mais inteligentes e puderam passar a cooperar de forma mais inteligente. Agindo contrário a essa força está a vigilância em massa criada por parte do estado.
Chade – De que forma estaria ocorrendo essa vigilância em massa?
Assange – As sociedades se fundiram com a internet, diante do fato de que comunicações entre os indivíduos ocorrem pela Internet, os sistemas de telefone estão na Internet, bancos e transações usam a Internet. Estamos colocando nossos pensamentos mais íntimos na Internet, detalhes de comunicações e mesmo entre marido e muher, nossa posição geográfica. Enfim, tudo está sendo exposto na Internet. Isso signifca que grupos que estão envolvidos em vigilância em massa tem conseguido realizar uma transferencia em massa de conhecimento em sua direção. Os grupos que já tinham muito conhecimento agora tem mais. Esse é o maior roubo que de fato já ocorreu na história. Essa transferência de conhecido, de todas as comunicações interceptadas para agências nacionais de segurança e seus amigos corporativos. A tecnologia está sendo desenvolvida para essa vigilância em massa está sendo vendida por empresas de países, como a França, que vendeu um sistema de vigilância para o regime de Kadafi. Na África do Sul, há um sistema desenhado para gravar de forma permanente todas as ligações que entram e saem do país e as estocam por apenas US$ 10 milhões por ano. Está ficando muito barato. A população mundial dobra a cada 20 anos. O custo de vigilância está caindo pela metade a cada 18 meses.
Chade – Mas, justamente o sr. citou Kadafi. Muito acreditam que a Primavera Árabe só ocorreu graças à Internet. Não teria sido esse o caso?
Assange – Há uma série de histórias tradicionais de um longo trabalho de ativistas, de sindicatos e até de clubes de futebol que tiveram um papel importante na Tunísia e no Egito, os Ultras. O que é realmente novo? Bom, algumas coisas: o ativismo pan-arábico é algo novo e potenciado pela web. Diferentes ativistas em diferentes países se conectaram entre si pela web, trocando dicas, identificando quem era bem e quem era mau. O movimento dos Ultras vieram da Itália para os clubes da Tunísia e Egito. Como? Pela Internet. E então há o Wikileaks, jogando muita informação e essa informação então foi atacada pelo regime na Tunísia e depois pelo Egito. Mas também sendo disseminada pelo Egito e Tunisia. Mais importante ainda, essa informação foi disseminada para fora desses países, a tal ponto que ficou difícil para os Estados Unidos e Europa defenderem seus tradicionais aliados.
Chade – O sr. aponta para o poder de redes como Facebook e Google. Confesso que não tenho certeza que Mark Zuckerberg (criador do Facebook) pensou nisso tudo quando estava criando o site. Como é que se tornaram tão poderosos e como é que são, como o sr. diz, usados contra civis?
Assange – Google, essencialmente, sabe o que você estava pensando. E sabe também (o que vc pensou) no passado. Porque quando você tem algum pensando sobre algo, quer saber algum detalhe, você busca no Google. Sites que tem Google Adds, que na verdade são todos os sites, registram sua visita. Portanto, Google sabe todos os sites que você visitou, tudo o que você buscou, se você usou gmail ou email. Então ele te conhece melhor que você mesmo. Um exemplo: você sabe o que você buscou há dois dias, há três meses? Não. Mas o Google sabe. Google conhece você melhor que sua mãe. Claro, mas alguém pode dizer: Google só quer vender publicidade. Portanto, quem se importa que eles estejam fazendo isso. Mas, na realidade, todas as agências de inteligência americana e de aplicação da lei tem acesso ao material do Google. Eles acessaram isso em nosso caso.
Chade – Como fizeram isso?
Assange – Eles usaram instrumentos como cartas da agência de segurança nacional e mandados para buscar os dados de email das pessoas envolvidas em nossa organização. Isso saiu do Google, da conta do Twitter, onde pessoas entraram para acompanhar a nossa conta. No caso do Facebook, é algo impressionante. As pessoas simplesmente estão fazendo bilhões de centenas de horas de trabalho gratuíto para a CIA. Colocando na rede todos seus amigos, suas relações com eles, seus parentes, relatando o que estão fazendo, dizendo que vi aquela pessoa naquela festa, aquela pessoa naquela loja. É um incrível instrumento de controle. Países como a Islândia tem uma penetração do Facebbok de 88%. Mesmo que você não esteja no Facebook, você pode ter certeza que teu irmão está e está relatando sobre você, ou sua namorada está relatando sobre você. Não há como escapar. Agora, quando uma organização como Facebook diz que as pessoas querem fazer isso…
Chade – Claro, essa é justamente a minha questão: como o sr. explica que pessoas de diferentes culturas e religiões estão dispostas a revelar suas vidas diante da web?
Assange – Claro, sobre o que é que você está paranoico. Você pode dizer: bom, estou fazendo isso de forma voluntária e é mais importante estabelecer conexões sociais que se preocupar com um aparato de um estado totalitário. O problema é que isso não é verdade. As pessoas dizem que querem compartilhar algo apenas com meus amigos e amigos de meus amigos, mas não com meus amigos e com a CIA. É uma decepção o que está ocorrendo. As pessoas estão sendo enganadas em desenvolver essa atividade.
Chade – Entendo esse ponto claramente. Mas estamos vendo também censura na China, no Irã e em Cuba, países que parecem estar de fato mais temerosos da Internet. Isso não mostraria que a web é mais ameaçadora para esses regimes que para os civis?
Assange – Acho que você não pode generalizar “esses regimes”. Temos de olhar cada um deles de forma apropriada. Pessoas censuram por um motivo. Censuram porque tem medo, ou porque querem ter mais poder. Normalmente, eles querem manter seu poder. Porque o Irã censura?Bom, porque teme que pessoas dentro do Irã sejam influenciadas por material em persa publicado fora do Irã. E quem publica isso? Bom, alguns são de dissidentes genuínos. Mas também há empresas de fachada, criadas pelos israelenses, pelos Estados Unidos. Isso é umm fato. Inclusive pela BBC em Persa. Denunciamnos essas empresas de fachada no Wikileaks e suas estruturas de financiamento, e mesmo empresas israelenses. Agora, é algo saudável que governos estejam temerosos do que as pessoas pensam. Estranhamente, é um sinal otimista que a China, com toda sua censura e vigilância, está com medo ainda do que sua população pense. Por exemplo, a China baniu o Wikileaks em 2007. Pelo que sabemos, foi o primeiro país a banir. Temos tido uma espécie de guerra para superar o firewall chinês. De alguma forma, é um sintoma positivo.
Chade – Porque? Esse raciocínio não vai contra seu princípio de liberdade no fluxo de informação?
Assange – Sim. Mas é um bom sintoma. Em um país onde as relações estão tão fiscalizadas e a vigilância está enraizada que o poder não precisa se preocupar com o que as pessoas pensam, esse é o maior problema.
Chade – Voltando à questão da liberdade do fluxo de informação. Wikileaks teve um imenso impacto em alguns países. Mas há quem ainda questione: bem, os documentos foram obtidos de forma ilegal. Qual sua avaliação sobre esse argumento de que, por eles terem sido obtidos de forma ilegal, não são informações legítimas?
Assange – Generais não definem a lei. Ou pelo menos não deveriam. Se falamos da situação ameriana, há toda uma série de leis se queremos falar de legislação e foi perfeitamente legal.
Chade – A obtenção dos documentos ?
Assange – Sim, a forma que foram obtidos. Militares americanos não tem direitos na lei americana de encobrir crimes. De fato, isso é algo explícito. Não se pode usar apenas a classificação de documentos para manter um crime sigiloso. Mas também podemos dizer: quem é que fez a lei ? Obviamente são os interesses militares. Nós, como editores, temos de levar essas leis à sério? Nós não levamos elas a sério. Quer dizer, é um conflito em relação a onde você estabelece uma linha. Muito foi dito sobre isso e muito do que foi dito está filosoficamente falido. Há uma forma simples de entender. Não é Deus que estipula essa fronteira para todos nós. Diferentes organismos tem diferentes responsabilidades. As vezes, entidades policiais tem a responsabilidade de manter algo secreto. Uma investigação sobre a Máfia, deve ser mantida em sigilo.Outras organizações, como editores e jornais, tem a responsabilidade perante o público, que é de publicar nformação que ajude o público a decidir e entender o mundo. Essas diferentes responsabilidades não devem ser contaminadas uma pela outra.
Chade – Trazendo esse debate para a América Latina, como o sr. avalia o comportamento de governos diante da Internet e da imprensa em geral ?
Assange – É bem variado e tem vários problemas. Acho que, comparado com o resto do mundo, comparado com Europa, EUA, Sudeste Asiático, a região está bastante bem.
Chade – Alguns dos críticos apontam para o fato de que o presidente (do Equador) Rafael Correa ataca a imprensa. Como o sr. se sente sobre isso, e porque escolheu essa embaixada (do Equador) para vir ?
Assange – Pelo amor de Deus. Eles deveriam ser atacados com muita frequência. A primeira responsabilidade da imprensa e em primeiro codifo de ética é acuracy. Tudo começa com você precisando dizer a verdade. Essa precisa ser a primeira coisa. E também ser representativa. Não é porque sua organização é de propriedade de alguma família. Há um grande problema na América Latina com a concentração na mídia. Ainda que, se há seis famílias que controlam 70% da imprensa no Brasil, o problema é muito pior em vários países. Na Suécia, 60% da imprensa é controlado por uma editora. Na Austrália é muito pior, 60% também da imprensa escrita é controlada por Murdoch. Portanto, quando falamos em liberdade de expressão, temos de incluir a liberdade de distribuição, uma distribição adequada e uma das coisas mais importantes que a Internet nos deu é a liberdade na prática de distribuição, se as pessoas estão interessadas no assunto. Não quer dizer que você pode levar algo a um milhão de pessoas com publicidade. Mas você pode montar um blog e, se as pessoas já estão interessados, podem ler.
Chade – Uma pergunta pessoal. Para alguns, o sr. é um herói, outros dizem que é um criminoso, uma ameaça internacional, outros dizem que o sr. é um ativista. Em suas próprias palavras, quem é o sr. ?
Assange – Sou apenas um cara. Todos nós vivemos só uma vez. Todos temos responsabilidades de viver nossas vidas de acordo com nossos princípios e não disperdiácas. Eu só estou tentando fazer isso. Não acho que é necessário que me defina. Na verdade, quando as pessoas se definem, na maioria das vezes estão mentindo. Mas, no lugar disso, devem olhar as ações de uma pessoa e ver se elas são consistentes no longo prazo.
Chade – Porque é que o sr. evita ir à Suécia (onde a Justiça o busca por acusações de assédio sexual) ?
Assange – Porque eu seria extraditado aos EUA.
Chade – Por qual motivo exatamente ?
Assange – O EUA tem um procedimento contra minha pessoa e contra Wikileaks pelos últimos dois anos. O governo diz em seus próprios documentos internos que a investigação é de um tamanho e natureza “sem precedentes”, citando uma investigação “de todo o governo” americano. É algo sério e que envolve mais de uma dúzia de agências.
Chade – Quais são os próximos passos para o Wikileaks ? O sr. anunciou que vai publicar cerca de um milhão de documentos em 2013. Algo sobre o Brasil?
Assange – Sim. Publicaremos muito sobre o Brasil neste ano. Um material muito interessante.
Jamil Chade é correspodente do jornal O Estado de São Paulo na Europa desde 2000. Foi premiado como o melhor correspondente brasileiro no exterior em 2011, pela entidade Comunique-se. Com passagem por 67 países e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra, Chade foi presidente da Associação de Correspondentes Estrangeiros na Suíça entre 2003 e 2005 e tem dois livros publicados. « O Mundo Não é Plano » (2010) foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria reportagem. Na Suíça, o livro venceu o prêmio Nicolas Bouvier. Em 2011, publicou “Rousseff”.
http://blogs.estadao.com.br/jamil-chade/2013/02/02/entrevista-com-assange-e-bom-que-os-governos-tenham-medo-das-pessoas/
Assange: “É bom que os governos tenham medo das pessoas”
Do Estadão
“É bom que os governos tenham medo das pessoas”
Jamil Chade
LONDRES – A Internet está se transformando no maior instrumento de vigilância já criado e a liberdade que ela representa estaria seriamente ameaçada. A avaliação é de Julian Assange, criador do Wikileaks e que, há sete meses, vive na embaixada do Equador em Londres. Para ele, a web redefiniu as relações de poder no mundo, se transformou no “sistema nervoso central hoje das sociedades” e chega a ser mais determinante que armas. O problema, segundo ele, é que esse poder está agora se virando contra as populações.
O australiano recebeu a reportagem do Estado para uma entrevista sobre seu livro “Cypherpunks, Liberdade e o Futuro da Internet”, que está sendo lançado no Brasil nesta semana pela Boitempo Editorial.
Apesar de aparentar relaxado, não escondia a palidez de sete meses dentro de um escritório. Em junho de 2012, ele optou por pedir asilo ao Equador, diante de sua iminente deportação para a Suécia, onde é acusado de assédio sexual. Segundo ele, sua decisão de pedir refúgio ao governo de Quito tem como meta evitar sua extradição da Suécia para os EUA, onde seria julgado pela difusão de documentos secretos. O Equador lhe concedeu asilo. Mas a polícia britânica indicou que, assim que ele pisar para fora da embaixada em direção ao aeroporto, seria detido. O resultado tem sido um confinamento sem data para acabar.
Mas essa situação não o deixou menos polêmico. Segundo ele, ao colocar informações em redes sociais, internautas pelo mundo estão fazendo um trabalho de graça para a CIA. “Hoje, o Google sabe mais sobre você que sua mãe”, disse. “Esse é o maior roubo da história”.
Assange ainda defendeu seu anfitrião, o presidente equatoriano Rafael Correa, diante de sua ação contra jornais no Equador e que chegou a ser criticado pela ONU.
Sobre o futuro do Wikileaks, Assange já prometeu que, em 2013, um milhão de novos documentos serão publicados. Ao Estado, ele garantiu: “haverá muita coisa sobre o Brasil””. Ao aparecer para a entrevista, Assange vestia uma camisa da seleção brasileira, num claro esforço de criar simpatia no Brasil e numa operação de imagem cuidadosamente trabalhada.
Eis os principais trechos da entrevista e as fotos de Joao Castelo Branco, as primeiras publicadas por um jornal brasileiro desde que o australiano pediu asilo ao Equador.
Chade – A Internet é o símbolo da emancipação para muitos e foi apresentada como a maior revolução já feita. Mas agora o sr. traz a ideia de que há uma contra-ofensiva a isso tudo. O sr. considera que a Internet está em uma encruzilhada ?
Assange – Diferentes tecnologias produzem mais poder para estruturas existentes ou indivíduos e isso tem sido a história do desenvolvimento tecnológico, ao ponto que podemos ver a história da civilização humana como a história do desenvolvimento de diferentes armas de diferentes tipos. Por exemplo, quando rifles, que podiam ser obtidos por pequenos grupos, eram as armas dominantes em seu dia, ou navios de guerra ou bombas atômicas. E isso define a relação de poder entre diferentes grupos de pessoas pelo mundo. Desde 1945, a relação entre as superpotências dominantes tem sido definida por quem tem acesso às armas atômicas. Mas o que ocorre agora é que Internet é tão significativa que está começando a redefinir as relações de força que antes eram definidas pelos diferentes sistemas de armas que um país tinha. Isso porque todas as sociedades que tem qualquer desenvolvimento tecnológico, que são as sociedades influentes, se fundiram totalmente com a Internet. Portanto, não há uma separação entre o que nós pensamos normalmente que é uma sociedade, indivíduos, burocracia, estados e internet. A internet é o alicerce da sociedade, suas artérias, os nervos e está conectando os estados por cima das fronteiras. A Internet é um centro, se não for o centro, da nossa sociedade. Ela está envolvida na forma que uma sociedade se comunica consigo mesmo, como se comunica entre elas. Não é só simplesmente um sistema de armas ou fonte energia. Não é certo pensar como se fosse o sangue da sociedade. É o sistema nervoso central da socidade. Portanto, se há um problema na Internet, há um problema com o sistema nervoso da sociedade. Agora, víamos antes a internet como uma força liberatadora, que garantia às pessoas que não tinham informação com informação e, mais importante ainda, com conhecimento. Conhecimento é poder. Outras coisas tambem são poder. Mas ela deu muito poder a pessoas que antes não tinham poder. E não apenas mudou a relação entre os que tem poder e aquelas que não tem, dando conhecimento àqueles que não tinham conhecimento. Mas também fez todo o sistema funcionar de forma mais inteligente. Todos passaram a poder tomar decisões mais inteligentes e puderam passar a cooperar de forma mais inteligente. Agindo contrário a essa força está a vigilância em massa criada por parte do estado.
Chade – De que forma estaria ocorrendo essa vigilância em massa?
Assange – As sociedades se fundiram com a internet, diante do fato de que comunicações entre os indivíduos ocorrem pela Internet, os sistemas de telefone estão na Internet, bancos e transações usam a Internet. Estamos colocando nossos pensamentos mais íntimos na Internet, detalhes de comunicações e mesmo entre marido e muher, nossa posição geográfica. Enfim, tudo está sendo exposto na Internet. Isso signifca que grupos que estão envolvidos em vigilância em massa tem conseguido realizar uma transferencia em massa de conhecimento em sua direção. Os grupos que já tinham muito conhecimento agora tem mais. Esse é o maior roubo que de fato já ocorreu na história. Essa transferência de conhecido, de todas as comunicações interceptadas para agências nacionais de segurança e seus amigos corporativos. A tecnologia está sendo desenvolvida para essa vigilância em massa está sendo vendida por empresas de países, como a França, que vendeu um sistema de vigilância para o regime de Kadafi. Na África do Sul, há um sistema desenhado para gravar de forma permanente todas as ligações que entram e saem do país e as estocam por apenas US$ 10 milhões por ano. Está ficando muito barato. A população mundial dobra a cada 20 anos. O custo de vigilância está caindo pela metade a cada 18 meses.
Chade – Mas, justamente o sr. citou Kadafi. Muito acreditam que a Primavera Árabe só ocorreu graças à Internet. Não teria sido esse o caso?
Assange – Há uma série de histórias tradicionais de um longo trabalho de ativistas, de sindicatos e até de clubes de futebol que tiveram um papel importante na Tunísia e no Egito, os Ultras. O que é realmente novo? Bom, algumas coisas: o ativismo pan-arábico é algo novo e potenciado pela web. Diferentes ativistas em diferentes países se conectaram entre si pela web, trocando dicas, identificando quem era bem e quem era mau. O movimento dos Ultras vieram da Itália para os clubes da Tunísia e Egito. Como? Pela Internet. E então há o Wikileaks, jogando muita informação e essa informação então foi atacada pelo regime na Tunísia e depois pelo Egito. Mas também sendo disseminada pelo Egito e Tunisia. Mais importante ainda, essa informação foi disseminada para fora desses países, a tal ponto que ficou difícil para os Estados Unidos e Europa defenderem seus tradicionais aliados.
Chade – O sr. aponta para o poder de redes como Facebook e Google. Confesso que não tenho certeza que Mark Zuckerberg (criador do Facebook) pensou nisso tudo quando estava criando o site. Como é que se tornaram tão poderosos e como é que são, como o sr. diz, usados contra civis?
Assange – Google, essencialmente, sabe o que você estava pensando. E sabe também (o que vc pensou) no passado. Porque quando você tem algum pensando sobre algo, quer saber algum detalhe, você busca no Google. Sites que tem Google Adds, que na verdade são todos os sites, registram sua visita. Portanto, Google sabe todos os sites que você visitou, tudo o que você buscou, se você usou gmail ou email. Então ele te conhece melhor que você mesmo. Um exemplo: você sabe o que você buscou há dois dias, há três meses? Não. Mas o Google sabe. Google conhece você melhor que sua mãe. Claro, mas alguém pode dizer: Google só quer vender publicidade. Portanto, quem se importa que eles estejam fazendo isso. Mas, na realidade, todas as agências de inteligência americana e de aplicação da lei tem acesso ao material do Google. Eles acessaram isso em nosso caso.
Chade – Como fizeram isso?
Assange – Eles usaram instrumentos como cartas da agência de segurança nacional e mandados para buscar os dados de email das pessoas envolvidas em nossa organização. Isso saiu do Google, da conta do Twitter, onde pessoas entraram para acompanhar a nossa conta. No caso do Facebook, é algo impressionante. As pessoas simplesmente estão fazendo bilhões de centenas de horas de trabalho gratuíto para a CIA. Colocando na rede todos seus amigos, suas relações com eles, seus parentes, relatando o que estão fazendo, dizendo que vi aquela pessoa naquela festa, aquela pessoa naquela loja. É um incrível instrumento de controle. Países como a Islândia tem uma penetração do Facebbok de 88%. Mesmo que você não esteja no Facebook, você pode ter certeza que teu irmão está e está relatando sobre você, ou sua namorada está relatando sobre você. Não há como escapar. Agora, quando uma organização como Facebook diz que as pessoas querem fazer isso…
Chade – Claro, essa é justamente a minha questão: como o sr. explica que pessoas de diferentes culturas e religiões estão dispostas a revelar suas vidas diante da web?
Assange – Claro, sobre o que é que você está paranoico. Você pode dizer: bom, estou fazendo isso de forma voluntária e é mais importante estabelecer conexões sociais que se preocupar com um aparato de um estado totalitário. O problema é que isso não é verdade. As pessoas dizem que querem compartilhar algo apenas com meus amigos e amigos de meus amigos, mas não com meus amigos e com a CIA. É uma decepção o que está ocorrendo. As pessoas estão sendo enganadas em desenvolver essa atividade.
Chade – Entendo esse ponto claramente. Mas estamos vendo também censura na China, no Irã e em Cuba, países que parecem estar de fato mais temerosos da Internet. Isso não mostraria que a web é mais ameaçadora para esses regimes que para os civis?
Assange – Acho que você não pode generalizar “esses regimes”. Temos de olhar cada um deles de forma apropriada. Pessoas censuram por um motivo. Censuram porque tem medo, ou porque querem ter mais poder. Normalmente, eles querem manter seu poder. Porque o Irã censura?Bom, porque teme que pessoas dentro do Irã sejam influenciadas por material em persa publicado fora do Irã. E quem publica isso? Bom, alguns são de dissidentes genuínos. Mas também há empresas de fachada, criadas pelos israelenses, pelos Estados Unidos. Isso é umm fato. Inclusive pela BBC em Persa. Denunciamnos essas empresas de fachada no Wikileaks e suas estruturas de financiamento, e mesmo empresas israelenses. Agora, é algo saudável que governos estejam temerosos do que as pessoas pensam. Estranhamente, é um sinal otimista que a China, com toda sua censura e vigilância, está com medo ainda do que sua população pense. Por exemplo, a China baniu o Wikileaks em 2007. Pelo que sabemos, foi o primeiro país a banir. Temos tido uma espécie de guerra para superar o firewall chinês. De alguma forma, é um sintoma positivo.
Chade – Porque? Esse raciocínio não vai contra seu princípio de liberdade no fluxo de informação?
Assange – Sim. Mas é um bom sintoma. Em um país onde as relações estão tão fiscalizadas e a vigilância está enraizada que o poder não precisa se preocupar com o que as pessoas pensam, esse é o maior problema.
Chade – Voltando à questão da liberdade do fluxo de informação. Wikileaks teve um imenso impacto em alguns países. Mas há quem ainda questione: bem, os documentos foram obtidos de forma ilegal. Qual sua avaliação sobre esse argumento de que, por eles terem sido obtidos de forma ilegal, não são informações legítimas?
Assange – Generais não definem a lei. Ou pelo menos não deveriam. Se falamos da situação ameriana, há toda uma série de leis se queremos falar de legislação e foi perfeitamente legal.
Chade – A obtenção dos documentos ?
Assange – Sim, a forma que foram obtidos. Militares americanos não tem direitos na lei americana de encobrir crimes. De fato, isso é algo explícito. Não se pode usar apenas a classificação de documentos para manter um crime sigiloso. Mas também podemos dizer: quem é que fez a lei ? Obviamente são os interesses militares. Nós, como editores, temos de levar essas leis à sério? Nós não levamos elas a sério. Quer dizer, é um conflito em relação a onde você estabelece uma linha. Muito foi dito sobre isso e muito do que foi dito está filosoficamente falido. Há uma forma simples de entender. Não é Deus que estipula essa fronteira para todos nós. Diferentes organismos tem diferentes responsabilidades. As vezes, entidades policiais tem a responsabilidade de manter algo secreto. Uma investigação sobre a Máfia, deve ser mantida em sigilo.Outras organizações, como editores e jornais, tem a responsabilidade perante o público, que é de publicar nformação que ajude o público a decidir e entender o mundo. Essas diferentes responsabilidades não devem ser contaminadas uma pela outra.
Chade – Trazendo esse debate para a América Latina, como o sr. avalia o comportamento de governos diante da Internet e da imprensa em geral ?
Assange – É bem variado e tem vários problemas. Acho que, comparado com o resto do mundo, comparado com Europa, EUA, Sudeste Asiático, a região está bastante bem.
Chade – Alguns dos críticos apontam para o fato de que o presidente (do Equador) Rafael Correa ataca a imprensa. Como o sr. se sente sobre isso, e porque escolheu essa embaixada (do Equador) para vir ?
Assange – Pelo amor de Deus. Eles deveriam ser atacados com muita frequência. A primeira responsabilidade da imprensa e em primeiro codifo de ética é acuracy. Tudo começa com você precisando dizer a verdade. Essa precisa ser a primeira coisa. E também ser representativa. Não é porque sua organização é de propriedade de alguma família. Há um grande problema na América Latina com a concentração na mídia. Ainda que, se há seis famílias que controlam 70% da imprensa no Brasil, o problema é muito pior em vários países. Na Suécia, 60% da imprensa é controlado por uma editora. Na Austrália é muito pior, 60% também da imprensa escrita é controlada por Murdoch. Portanto, quando falamos em liberdade de expressão, temos de incluir a liberdade de distribuição, uma distribição adequada e uma das coisas mais importantes que a Internet nos deu é a liberdade na prática de distribuição, se as pessoas estão interessadas no assunto. Não quer dizer que você pode levar algo a um milhão de pessoas com publicidade. Mas você pode montar um blog e, se as pessoas já estão interessados, podem ler.
Chade – Uma pergunta pessoal. Para alguns, o sr. é um herói, outros dizem que é um criminoso, uma ameaça internacional, outros dizem que o sr. é um ativista. Em suas próprias palavras, quem é o sr. ?
Assange – Sou apenas um cara. Todos nós vivemos só uma vez. Todos temos responsabilidades de viver nossas vidas de acordo com nossos princípios e não disperdiácas. Eu só estou tentando fazer isso. Não acho que é necessário que me defina. Na verdade, quando as pessoas se definem, na maioria das vezes estão mentindo. Mas, no lugar disso, devem olhar as ações de uma pessoa e ver se elas são consistentes no longo prazo.
Chade – Porque é que o sr. evita ir à Suécia (onde a Justiça o busca por acusações de assédio sexual) ?
Assange – Porque eu seria extraditado aos EUA.
Chade – Por qual motivo exatamente ?
Assange – O EUA tem um procedimento contra minha pessoa e contra Wikileaks pelos últimos dois anos. O governo diz em seus próprios documentos internos que a investigação é de um tamanho e natureza “sem precedentes”, citando uma investigação “de todo o governo” americano. É algo sério e que envolve mais de uma dúzia de agências.
Chade – Quais são os próximos passos para o Wikileaks ? O sr. anunciou que vai publicar cerca de um milhão de documentos em 2013. Algo sobre o Brasil?
Assange – Sim. Publicaremos muito sobre o Brasil neste ano. Um material muito interessante.
Jamil Chade é correspodente do jornal O Estado de São Paulo na Europa desde 2000. Foi premiado como o melhor correspondente brasileiro no exterior em 2011, pela entidade Comunique-se. Com passagem por 67 países e mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra, Chade foi presidente da Associação de Correspondentes Estrangeiros na Suíça entre 2003 e 2005 e tem dois livros publicados. « O Mundo Não é Plano » (2010) foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria reportagem. Na Suíça, o livro venceu o prêmio Nicolas Bouvier. Em 2011, publicou “Rousseff”.
http://blogs.estadao.com.br/jamil-chade/2013/02/02/entrevista-com-assange-e-bom-que-os-governos-tenham-medo-das-pessoas/
3 de fevereiro de 2013
2 de fevereiro de 2013
A guerra de Assange
De Londres
Julian assange esclarece o motivo de nossa entrevista: discutir seu livro Cypherpunks: Liberdade e o futuro da internet, a ser lançado pela Boitempo no início de fevereiro, no Brasil. É o que leio no enésimo e-mail do editor-chefe do WikiLeaks, retransmitido pela sua assessora de imprensa em São Paulo para o meu celular. Parece um contrato: Assange sublinha a importância de o repórter (ele cita meu nome e sobrenome) e da revista CartaCapital terem entendido as condições da entrevista.
Na verdade, ao receber mais esse e-mail já estou com Olivia Rutherford, a fotógrafa, em um café a escassos passos da Embaixada do Equador no elegante bairro de Knightsbridge, onde Assange pediu asilo sete meses atrás. Se colocar os pés fora da representação equatoriana, o australiano de 41 anos será imediatamente preso e extraditado à Suécia, onde é acusado de ter abusado sexualmente de duas moças. Assange nega. As relações, diz, foram consensuais. Ele chegou até a propor, através da diplomacia equatoriana, que os procuradores suecos fossem interrogá-lo na embaixada. Mas, por “circunstâncias” não especificadas por uma magistrada de Estocolmo, o julgamento – no qual, diga-se, Assange não foi indiciado – deve ocorrer em solo sueco.
O temor bastante compreensível do fundador do WikiLeaks seria uma segunda extradição, esta da Suécia para os Estados Unidos, onde querem julgá-lo por espionagem, e, no caso, ele poderia ser condenado à pena de morte. O crime de Assange foi ter divulgado documentos militares e diplomáticos através de sua plataforma digital WikiLeaks em parceria com diários de renome como o The New York Times. Vidas e mais vidas teriam sido colocadas em risco, alegam, embora sem provas, os detratores de Assange. Em abril, meses antes de publicar os comprometedores documentos secretos em meados e no fim de 2010, o WikiLeaks havia adquirido a fama ao divulgar um vídeo no mínimo constrangedor para os EUA. Nele vemos soldados norte-americanos em ação no Iraque atirando de um helicóptero sobre 12 civis desarmados.
Olivia quis chegar cedo ao encontro com Assange para tratar os detalhes de como usaríamos o limitado tempo concedido. A fotógrafa londrina insistia que, além das fotos durante a conversa, pretendia usar um tripé para fazer retratos com um pano de fundo. “Você quer que ele pose?”, indaguei entre goles de espresso. “Temos de tentar”, retrucou, enquanto, através da parede de vidro do café, observava pessoas entrar e sair da mítica Harrods. Não havia mais tempo para uma rápida sondagem, mas que diriam sobre Assange aquelas pessoas? Certamente, se leitoras da mídia britânica e mesmo internacional, diriam para Olivia esquecer a possibilidade de conseguir uma pose daquele sombrio hacker “estuprador” de suecas.
Julian Assange em foto de 23 de outubro de 2010. Foto: ©AFP/Arquivo / Leon Neal
De fato, até diários de centro-esquerda como o britânico The Guardian têm publicado relatos negativos de Assange. Foi o caso da repórter desse importante jornal que, ao entrevistar o “fugitivo”, admite, não sem razão, ser o livro “convincente” e “assustador”. No entanto, a repórter questiona os “dramas” dos últimos dois anos e meio – certamente uma alusão às suecas –, seu “estado de espírito” (ele é paranoico?) e “credenciais” para julgar abusos de poder. Outra colega me avisou que “seus músculos faciais” são imóveis, de poker face. Outro alertou não ser fácil entrevistá-lo, aparentemente pelo fato de ser ele “desconfiado”.
Cauteloso Assange é e tem de sê-lo. Seu filho foi ameaçado de morte. Ele é tido como um “terrorista” a dirigir uma organização “terrorista” em meio a uma “ciberguerra”, segundo senadores americanos que já aventaram o plano de matá-lo pelo emprego até de aviões não tripulados. O soldado Bradley Manning, acusado de ter cedido informações ao WikiLeaks, teria sido torturado e poderá ser condenado à prisão perpétua. Vigiado, entre outros, por FBI e CIA, o WikiLeaks já foi infiltrado. Os três coautores do livro – Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann – foram detidos, interrogados e ameaçados.
Por essas e outras, Assange insiste para que se fale do seu livro, não de sua vida. Além da caterva de e-mails, antes da entrevista pediu cópias dos passaportes, detalhou os minutos para entrarmos, entrevistá-lo e sair da embaixada. À porta da embaixada, o policial não quis ver nossos passaportes. Mesma reação teve o seu colega no saguão diante da porta da embaixada. “Mostrem os passaportes para os diplomatas equatorianos, nosso trabalho é só prender o homem caso ele saia.”
Foi o que fizemos a benefício do único diplomata a nos receber dentro da embaixada. Chega Ethan, um rapaz cordial da equipe de Assange. Impressiona o fato de a embaixada, a despeito do endereço e do luxo do prédio do lado exterior, ser tão espartana no interior e não maior do que um apartamento médio. Somos conduzidos para uma sala, a única, com uma grande mesa. Olivia não perde tempo. Começa a armar seu tripé, pano de fundo etc. Logo, entra outro integrante da equipe com um contrato sobre as fotos, que só poderão ser usadas na edição de CartaCapital.
Antes de sair da sala, Ethan, com ar solene, indaga: “Ficou claro que estamos aqui para falar do livro?” Mais claro impossível. O livro elucida até o mais ferrenho dos tecnofóbicos. Na introdução, Assange resume: “À medida que os Estados se fundem com a internet e o futuro da nossa civilização se transforma no futuro da internet, devemos redefinir as relações de força”. A questão-mor parece ser: queremos uma internet com poderes para emancipar a humanidade, ou assistir à sua transformação em uma “distopia de vigilância pós-moderna”? Isso, aliás, “já pode estar acontecendo”. Trata-se de uma guerra. E Assange e seus amigos combatentes sabem do que falam porque, como escreve, “nós nos vimos cara a cara com o inimigo”. O inimigo é o Estado com seus serviços secretos e as corporações coniventes que atuam como um exército para oprimir os mais fracos. Mas os cypherpunks, defensores da criptografia e de uma rede alternativa, podem criar mudanças sociais e políticas. E o leitor do livro, continua Assange, tem de entender o que está acontecendo para poder agir.
Revelações. O soldado Manning, acusado de ter facilitado os vazamentos sobre a Guerra do Iraque, teria sido torturado e agora se arrisca à prisão perpétua. Foto: David Furst/AFP e Mark Wilson / Getty Images/ AFP
Na apresentação da versão em português, a brasileira Natalia Viana, jornalista e editora da Pública, organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos e parceira do WikiLeaks, faz um tour de force sobre a plataforma digital, inclusive com os relatos da embaixada norte-americana na Tunísia a descrever o quanto era corrupto o governo de Ben Ali. Esses documentos, diga-se, “foram um incentivo para a revolta tunisiana” e, por tabela, para a futura Primavera Árabe. Viana também detalha a influência do WikiLeaks no Brasil.
E eis Julian, enverga uma camisa da Seleção Brasileira, com o número 7 e o nome Julian nas costas. Apesar dos cabelos brancos, encanecidos, dizem, na contenda pela custódia do filho, o rosto é jovem. Aperto de mãos, digo meu nome. Não é o nome do passaporte, diz. É o diminutivo, aquele é o oficial. “Mas você pode dar um Google no meu nome”, digo. Assange solta uma gargalhada. Ele, é claro, detesta o Google, que trabalha, como ele diz no livro, com os serviços secretos e, por tabela, armazena informações privadas em permanência.
No primeiro contato, logo fica transparente que o homem é descontraído e bem-humorado. Faz perguntas, ri com frequência, é irônico e por vezes deixa de ser o entrevistado para ser o entrevistador. “Como é viver na França, melhor que aqui?” Ao abordar temas no livro, ele reflete antes de falar e, com frequência, a pausa é longa e tem-se a impressão de que ele terminou. Mas quando faço outra pergunta, Assange, que parece mergulhado em um transe, a ignora e continua a dar a resposta anterior.
Não ajuda o fato de Ethan, o rapaz cordial, estar empoleirado em um sofá de onde faz a contagem regressiva como um papagaio. “Faltam 15… 10… 5 minutos.” Indago a Assange se ele não está cansado de falar com jornalistas, por conta do livro. “Estive preso por mais de dois anos… (pausa)… portanto, não estou acostumado a lidar com as pessoas.” Mas ele gosta de conversar? “Gosto, mas é estranho.” Na introdução, argumento, você diz que o livro não é um manifesto, é um alerta. Mas o livro é um manifesto de formato mais arrojado.
Por que, então, não chamá-lo de manifesto se Assange até pergunta “o que pode ser feito?” – e oferece opções no capítulo final? “Eu não queria arruinar o mercado para o próximo livro”, retruca, em tom jocoso, Assange. Risos. Com ar sério, ele retoma a palavra: “Este livro é uma coletânea de anotações de um grupo a atuar nas linhas de frente. Foi escrito no meio de uma guerra e, portanto, não houve tempo para termos uma necessária e propícia reflexão”. Pausa. “Este livro dá o vislumbre de algo muito importante: outro livro, talvez um manifesto adequado.”
Argumentos estampados por manifestos são enfadonhos e talvez o deste livro seja o formato certo para atrair leitores. Assange concorda. Foram horas e horas de entrevistas gravadas e no final a equipe aplaudiu. “Não atribuo os aplausos ao fato de finalmente termos terminado o debate, mas ao fato de terem gostado de seu conteúdo”, pondera. “Há algo de moderno e honesto neste livro. Ele disseca a interseção entre o avanço da civilização e da política e da sociedade.”
Lembro a frase, tão repetida por ele, Assange, e pelos cypherpunks: “Privacidade para os fracos, transparência para os poderosos”. Para criar esse mundo livre e democrático, alternativo àquele controlado por Estados e serviços de inteligência, a criptografia, software gratuito para todos e máquinas sobre as quais teremos maior controle seriam as melhores armas? São formas de luta. Essencial, continua, é saber por que existe essa luta. “A internet é agora o sistema nervoso da civilização que envolve futuras decisões e a distribuição do poder.”
Discussão que não li no livro, entre privacidade e anonimato. Privacidade é um direito, já o anonimato, na minha opinião, tem limites. É covarde, por exemplo, um anônimo falar barbaridades como li outro dia ao filtrar o site de CartaCapital: “É impossível – dizia o navegante – ter havido 6 milhões de judeus mortos no Holocausto; um número mais razoável seriam 500”. Assange: “Acho muito interessante as pessoas sentirem a necessidade de se tornar anônimas. É quase sempre o resultado do medo de retribuição. Claro, algumas retribuições são legítimas. Se você roubar o saco de frutas de uma velhinha, eu diria que uma retribuição será provavelmente legítima. Mas em vários casos a retribuição não é legitíma e, de qualquer forma, as pessoas deveriam ter o direito de opinar, sendo elas anônimas ou não, e até porque elas têm de ser criticadas”.
A resposta acima, vinda de uma pessoa que está presa em uma embaixada porque se posiciona contra soldados que matam civis me deixa perplexo. Assange: “Eu também tenho meus limites. Não critiquei, por exemplo, o sistema britânico de Justiça porque meus advogados me desaconselharam”. Sim, mas… “Faltam dez segundos”, avisa Ethan. Então, vamos à última pergunta: quanto tempo você acha que vai ficar nesta embaixada? Assange: “Trata-se de uma questão diplomática, política e legal. Algumas das questões são demasiado complexas. Mas, graças ao apoio do governo do Equador e da América Latina de forma geral, que defendeu a posição do Equador, a batalha foi levada de um processo legal pervertido de volta para o terreno político”.
Ainda segundo Assange, existe uma questão mais importante do que seu futuro: o WikiLeaks terá sucesso na batalha de dois anos e meio contra os Estados Unidos e de um bloqueio bancário, isento de qualquer processo judicial? Visa, Mastercard e PayPal, entre outras, subvencionaram , mas foram obrigadas a deixar de fazê-lo. Hoje, o WikiLeaks tem de sobreviver apelando para as reservas. “Mesmo assim, combatemos intimidações com mais ataques.” Em 2013, a organização publicará 1 milhão de documentos.
Ethan: “Agora temos de encerrar”. Assange, que já desrespeitou outros pedidos do jovem, se levanta. Mas antes de sair da sala posa para a máquina fotográfica de Olivia. Indago se ele gosta de futebol. “Gosto de jogar mais do que de assistir.”
Gianni Carta
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-guerra-de-assange-2/
Julian assange esclarece o motivo de nossa entrevista: discutir seu livro Cypherpunks: Liberdade e o futuro da internet, a ser lançado pela Boitempo no início de fevereiro, no Brasil. É o que leio no enésimo e-mail do editor-chefe do WikiLeaks, retransmitido pela sua assessora de imprensa em São Paulo para o meu celular. Parece um contrato: Assange sublinha a importância de o repórter (ele cita meu nome e sobrenome) e da revista CartaCapital terem entendido as condições da entrevista.
Na verdade, ao receber mais esse e-mail já estou com Olivia Rutherford, a fotógrafa, em um café a escassos passos da Embaixada do Equador no elegante bairro de Knightsbridge, onde Assange pediu asilo sete meses atrás. Se colocar os pés fora da representação equatoriana, o australiano de 41 anos será imediatamente preso e extraditado à Suécia, onde é acusado de ter abusado sexualmente de duas moças. Assange nega. As relações, diz, foram consensuais. Ele chegou até a propor, através da diplomacia equatoriana, que os procuradores suecos fossem interrogá-lo na embaixada. Mas, por “circunstâncias” não especificadas por uma magistrada de Estocolmo, o julgamento – no qual, diga-se, Assange não foi indiciado – deve ocorrer em solo sueco.
O temor bastante compreensível do fundador do WikiLeaks seria uma segunda extradição, esta da Suécia para os Estados Unidos, onde querem julgá-lo por espionagem, e, no caso, ele poderia ser condenado à pena de morte. O crime de Assange foi ter divulgado documentos militares e diplomáticos através de sua plataforma digital WikiLeaks em parceria com diários de renome como o The New York Times. Vidas e mais vidas teriam sido colocadas em risco, alegam, embora sem provas, os detratores de Assange. Em abril, meses antes de publicar os comprometedores documentos secretos em meados e no fim de 2010, o WikiLeaks havia adquirido a fama ao divulgar um vídeo no mínimo constrangedor para os EUA. Nele vemos soldados norte-americanos em ação no Iraque atirando de um helicóptero sobre 12 civis desarmados.
Olivia quis chegar cedo ao encontro com Assange para tratar os detalhes de como usaríamos o limitado tempo concedido. A fotógrafa londrina insistia que, além das fotos durante a conversa, pretendia usar um tripé para fazer retratos com um pano de fundo. “Você quer que ele pose?”, indaguei entre goles de espresso. “Temos de tentar”, retrucou, enquanto, através da parede de vidro do café, observava pessoas entrar e sair da mítica Harrods. Não havia mais tempo para uma rápida sondagem, mas que diriam sobre Assange aquelas pessoas? Certamente, se leitoras da mídia britânica e mesmo internacional, diriam para Olivia esquecer a possibilidade de conseguir uma pose daquele sombrio hacker “estuprador” de suecas.
Julian Assange em foto de 23 de outubro de 2010. Foto: ©AFP/Arquivo / Leon Neal
De fato, até diários de centro-esquerda como o britânico The Guardian têm publicado relatos negativos de Assange. Foi o caso da repórter desse importante jornal que, ao entrevistar o “fugitivo”, admite, não sem razão, ser o livro “convincente” e “assustador”. No entanto, a repórter questiona os “dramas” dos últimos dois anos e meio – certamente uma alusão às suecas –, seu “estado de espírito” (ele é paranoico?) e “credenciais” para julgar abusos de poder. Outra colega me avisou que “seus músculos faciais” são imóveis, de poker face. Outro alertou não ser fácil entrevistá-lo, aparentemente pelo fato de ser ele “desconfiado”.
Cauteloso Assange é e tem de sê-lo. Seu filho foi ameaçado de morte. Ele é tido como um “terrorista” a dirigir uma organização “terrorista” em meio a uma “ciberguerra”, segundo senadores americanos que já aventaram o plano de matá-lo pelo emprego até de aviões não tripulados. O soldado Bradley Manning, acusado de ter cedido informações ao WikiLeaks, teria sido torturado e poderá ser condenado à prisão perpétua. Vigiado, entre outros, por FBI e CIA, o WikiLeaks já foi infiltrado. Os três coautores do livro – Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jérémie Zimmermann – foram detidos, interrogados e ameaçados.
Por essas e outras, Assange insiste para que se fale do seu livro, não de sua vida. Além da caterva de e-mails, antes da entrevista pediu cópias dos passaportes, detalhou os minutos para entrarmos, entrevistá-lo e sair da embaixada. À porta da embaixada, o policial não quis ver nossos passaportes. Mesma reação teve o seu colega no saguão diante da porta da embaixada. “Mostrem os passaportes para os diplomatas equatorianos, nosso trabalho é só prender o homem caso ele saia.”
Foi o que fizemos a benefício do único diplomata a nos receber dentro da embaixada. Chega Ethan, um rapaz cordial da equipe de Assange. Impressiona o fato de a embaixada, a despeito do endereço e do luxo do prédio do lado exterior, ser tão espartana no interior e não maior do que um apartamento médio. Somos conduzidos para uma sala, a única, com uma grande mesa. Olivia não perde tempo. Começa a armar seu tripé, pano de fundo etc. Logo, entra outro integrante da equipe com um contrato sobre as fotos, que só poderão ser usadas na edição de CartaCapital.
Antes de sair da sala, Ethan, com ar solene, indaga: “Ficou claro que estamos aqui para falar do livro?” Mais claro impossível. O livro elucida até o mais ferrenho dos tecnofóbicos. Na introdução, Assange resume: “À medida que os Estados se fundem com a internet e o futuro da nossa civilização se transforma no futuro da internet, devemos redefinir as relações de força”. A questão-mor parece ser: queremos uma internet com poderes para emancipar a humanidade, ou assistir à sua transformação em uma “distopia de vigilância pós-moderna”? Isso, aliás, “já pode estar acontecendo”. Trata-se de uma guerra. E Assange e seus amigos combatentes sabem do que falam porque, como escreve, “nós nos vimos cara a cara com o inimigo”. O inimigo é o Estado com seus serviços secretos e as corporações coniventes que atuam como um exército para oprimir os mais fracos. Mas os cypherpunks, defensores da criptografia e de uma rede alternativa, podem criar mudanças sociais e políticas. E o leitor do livro, continua Assange, tem de entender o que está acontecendo para poder agir.
Revelações. O soldado Manning, acusado de ter facilitado os vazamentos sobre a Guerra do Iraque, teria sido torturado e agora se arrisca à prisão perpétua. Foto: David Furst/AFP e Mark Wilson / Getty Images/ AFP
Na apresentação da versão em português, a brasileira Natalia Viana, jornalista e editora da Pública, organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos e parceira do WikiLeaks, faz um tour de force sobre a plataforma digital, inclusive com os relatos da embaixada norte-americana na Tunísia a descrever o quanto era corrupto o governo de Ben Ali. Esses documentos, diga-se, “foram um incentivo para a revolta tunisiana” e, por tabela, para a futura Primavera Árabe. Viana também detalha a influência do WikiLeaks no Brasil.
E eis Julian, enverga uma camisa da Seleção Brasileira, com o número 7 e o nome Julian nas costas. Apesar dos cabelos brancos, encanecidos, dizem, na contenda pela custódia do filho, o rosto é jovem. Aperto de mãos, digo meu nome. Não é o nome do passaporte, diz. É o diminutivo, aquele é o oficial. “Mas você pode dar um Google no meu nome”, digo. Assange solta uma gargalhada. Ele, é claro, detesta o Google, que trabalha, como ele diz no livro, com os serviços secretos e, por tabela, armazena informações privadas em permanência.
No primeiro contato, logo fica transparente que o homem é descontraído e bem-humorado. Faz perguntas, ri com frequência, é irônico e por vezes deixa de ser o entrevistado para ser o entrevistador. “Como é viver na França, melhor que aqui?” Ao abordar temas no livro, ele reflete antes de falar e, com frequência, a pausa é longa e tem-se a impressão de que ele terminou. Mas quando faço outra pergunta, Assange, que parece mergulhado em um transe, a ignora e continua a dar a resposta anterior.
Não ajuda o fato de Ethan, o rapaz cordial, estar empoleirado em um sofá de onde faz a contagem regressiva como um papagaio. “Faltam 15… 10… 5 minutos.” Indago a Assange se ele não está cansado de falar com jornalistas, por conta do livro. “Estive preso por mais de dois anos… (pausa)… portanto, não estou acostumado a lidar com as pessoas.” Mas ele gosta de conversar? “Gosto, mas é estranho.” Na introdução, argumento, você diz que o livro não é um manifesto, é um alerta. Mas o livro é um manifesto de formato mais arrojado.
Por que, então, não chamá-lo de manifesto se Assange até pergunta “o que pode ser feito?” – e oferece opções no capítulo final? “Eu não queria arruinar o mercado para o próximo livro”, retruca, em tom jocoso, Assange. Risos. Com ar sério, ele retoma a palavra: “Este livro é uma coletânea de anotações de um grupo a atuar nas linhas de frente. Foi escrito no meio de uma guerra e, portanto, não houve tempo para termos uma necessária e propícia reflexão”. Pausa. “Este livro dá o vislumbre de algo muito importante: outro livro, talvez um manifesto adequado.”
Argumentos estampados por manifestos são enfadonhos e talvez o deste livro seja o formato certo para atrair leitores. Assange concorda. Foram horas e horas de entrevistas gravadas e no final a equipe aplaudiu. “Não atribuo os aplausos ao fato de finalmente termos terminado o debate, mas ao fato de terem gostado de seu conteúdo”, pondera. “Há algo de moderno e honesto neste livro. Ele disseca a interseção entre o avanço da civilização e da política e da sociedade.”
Lembro a frase, tão repetida por ele, Assange, e pelos cypherpunks: “Privacidade para os fracos, transparência para os poderosos”. Para criar esse mundo livre e democrático, alternativo àquele controlado por Estados e serviços de inteligência, a criptografia, software gratuito para todos e máquinas sobre as quais teremos maior controle seriam as melhores armas? São formas de luta. Essencial, continua, é saber por que existe essa luta. “A internet é agora o sistema nervoso da civilização que envolve futuras decisões e a distribuição do poder.”
Discussão que não li no livro, entre privacidade e anonimato. Privacidade é um direito, já o anonimato, na minha opinião, tem limites. É covarde, por exemplo, um anônimo falar barbaridades como li outro dia ao filtrar o site de CartaCapital: “É impossível – dizia o navegante – ter havido 6 milhões de judeus mortos no Holocausto; um número mais razoável seriam 500”. Assange: “Acho muito interessante as pessoas sentirem a necessidade de se tornar anônimas. É quase sempre o resultado do medo de retribuição. Claro, algumas retribuições são legítimas. Se você roubar o saco de frutas de uma velhinha, eu diria que uma retribuição será provavelmente legítima. Mas em vários casos a retribuição não é legitíma e, de qualquer forma, as pessoas deveriam ter o direito de opinar, sendo elas anônimas ou não, e até porque elas têm de ser criticadas”.
A resposta acima, vinda de uma pessoa que está presa em uma embaixada porque se posiciona contra soldados que matam civis me deixa perplexo. Assange: “Eu também tenho meus limites. Não critiquei, por exemplo, o sistema britânico de Justiça porque meus advogados me desaconselharam”. Sim, mas… “Faltam dez segundos”, avisa Ethan. Então, vamos à última pergunta: quanto tempo você acha que vai ficar nesta embaixada? Assange: “Trata-se de uma questão diplomática, política e legal. Algumas das questões são demasiado complexas. Mas, graças ao apoio do governo do Equador e da América Latina de forma geral, que defendeu a posição do Equador, a batalha foi levada de um processo legal pervertido de volta para o terreno político”.
Ainda segundo Assange, existe uma questão mais importante do que seu futuro: o WikiLeaks terá sucesso na batalha de dois anos e meio contra os Estados Unidos e de um bloqueio bancário, isento de qualquer processo judicial? Visa, Mastercard e PayPal, entre outras, subvencionaram , mas foram obrigadas a deixar de fazê-lo. Hoje, o WikiLeaks tem de sobreviver apelando para as reservas. “Mesmo assim, combatemos intimidações com mais ataques.” Em 2013, a organização publicará 1 milhão de documentos.
Ethan: “Agora temos de encerrar”. Assange, que já desrespeitou outros pedidos do jovem, se levanta. Mas antes de sair da sala posa para a máquina fotográfica de Olivia. Indago se ele gosta de futebol. “Gosto de jogar mais do que de assistir.”
Gianni Carta
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-guerra-de-assange-2/
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