A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

27 de dezembro de 2013

Tudo é narrativa


Posted on February 7, 2013 by Odyr



Esse não é o primeiro nem segundo artigo que vejo dizendo isso – a ciência comprova o que os grandes narradores (da política, da literatura, da música popular…) sempre souberam – contar uma história é a forma mais efetiva de transmitir uma idéia, fazer uma conexão, transformar as pessoas. A narrativa é mais forte que os fatos. Porque a narrativa é como entendemos o mundo.

Às vezes me impressiona o número de narrativas que conseguimos manter em paralelo. Nossa capacidade de acompanhar meia dúzia de seriados, enquanto lendo dois ou três livros, se mantendo a par do que acontece no escândalo da política dessa semana e na vida dos seus amigos. Tudo é história (queria poder usar estória aqui, maldita mudança essa que fizeram) tudo é narrativa. Mesmo o Eu, é uma construção narrativa. Ninguém se vê como um acúmulo de fatos (75% de água, 20% de gordura, classe social, raça, genética, etc), mas como uma história em andamento – eu era assim, aí aconteceu isso, e depois aquilo e agora estou aqui, agora sou assim.

Os exemplos que vêm da pesquisa científica são incríveis – leituras cerebrais demonstram que quando alguém ouve uma história, seu cérebro se alinha com o narrador. As mesmas áreas se acendem nos dois. O cérebro faz pouca separação entre ler sobre uma experiência e viver uma experiência. Uma outra pesquisa que vi há um tempo atrás dizia que ver filmes de ação faz perder peso. Você gasta calorias, porque seu cérebro entende que você está vivendo de fato aquelas aventuras.



(E, essa parte achei linda, a ciência defendendo a imaginação e a criatividade – os clichês da língua, as formas usadas até quase perder todo o significado, são percebidas como palavras simplesmente. Não causam sensações reais no leitor. Você escreve que sujeito “lutou com unhas e dentes” para se salvar e o leitor não vê unha, não vê dente, não acredita na luta. O mesmo com imagens, suponho. Para você acreditar, há que haver uma verdade ali e a verdade é específica, não é genérica.)

As mudanças no mundo são antecipadas e acompanhadas por mudanças nas histórias. Milan Kundera dizia que o romance antecipou a psicanálise, o Marxismo, o feminismo. O corpo de narrativas da humanidade é flexível, muda com o tempo, com a necessidade de novas histórias.

Tudo me faz pensar sobre a tremenda responsabilidade de quem conta histórias. Mas também aumenta meu desejo de contar histórias. Porque tem uma parte que esses estudos não cobrem e não poderiam cobrir, que é o papel transformador da história em quem a conta. Os motivos que nos fazem querer contar certas histórias.

O outro dia atormentei longamente a querida Angélica Freitas (como às vezes atormento vocês), com dúvidas que me atormentam sobre meu trabalho e por momentos eu conseguia me ver de fora – que fútil, que desimportante essa conversa poderia parecer. Como explicar a obsessão dos artistas com o seu trabalho?

Pra mim, a resposta está na minha crença de que a arte transforma não só o público como o artista, que no processo de contar essa história resolve coisas íntimas, pessoais, complicadas. São as histórias que ele precisa contar. Mesmo que não saiba. São porque você escolhe contar aquelas histórias, da forma que conta. E, com sorte, aquela história vai fazer o mesmo por alguém. Como dizia a de Beauvoir, uma das funções da literatura é mostrar que não estamos sozinhos.

Odyr Bernardi

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