retirado do Jornal do Brasil
Antonio Campos
O livro A Desumanização do escritor português Valter Hugo Mãe,é uma bela reflexão sobre o contemporâneo.A perda das utopias e da identidade está no levando à desumanização.
“O que está acontecendo neste momento é uma crise muito maior do que simplesmente financeira, é uma crise de valores, em que as pessoas estão muito perdidas”,diz o autor em entrevista recente. E acrescenta: “ (...) só quem tiver uma grande utopia, só quem for capaz de uma utopia vai conseguir ajudar-nos.” (...) “O sentido da vida para mim é o outro. Não existo enquanto sou absoluto. Existo para os outros. Só vale a pena se, efetivamente, nós formos uma espécie de corrente, alguém que participa em uma entidade maior, em um coletivo” diz ainda o autor.
Tive a alegria de trazer Valter Hugo Mãe para aFliporto 2013, tendo fechado a programação com uma bela palestra, oportunidade em que autografou o livro A Desumanização, que é leitura indispensável.
O livro – cheio de motivações - são partes que se multiplicam e se desdobram a partir do quenos diz, e aos leitores de Vila do Conde e Barcelos. Desumanização “gira como carrosséis (...), tem olhos para todos os lados. Porque em todos os lados e no girar dos carrosséis, a fragilidade e a vulnerabilidade, que se mostram no foco primordial do livro, estão para sempre mapeadas no nosso existir. A perda do irmão ainda jovem levando Hugo Mãe a refletir sobre os limites infranqueáveis do destino, vendo o carrossel da vida passar, agora como escritor, sobre a vida longa ou a fatalidade de uma interrupção no existir, sobre a sua própria vida, talvez seja tudo o que o autor desejava para o esboço desse livro, que exige uma leitura atenta. A fragilidade como estando no fundo movente das nossas percepções, das nossas sensações, vindas geralmente das evocações, desse conjunto de fragmentos da vida que se associa aos outros. Não só de fragilidades - e seu desassossego profundo - o livro de Hugo Mãe é composto, sobre o parentesco indissolúvel dos contrários. Esse carrossel gira sem cessar, nos conduz a um diálogo para mim evocativo – quando o pai de Halla – uma figurante muito especial – lhe diz que a humanidade começa no outro.
Viabilizei um histórico encontro dele como mestre Ariano Suassuna, no ano passado.
Valter Hugo Mãe é um dos maiores escritores da atualidade. Vale a pena conferir a sua obra. Afinal, já disse Mário Quintana: “Se as coisas são intangíveis/ não é motivo para não querê-las / que tristes os caminhos se não fora a mágica presença das estrelas”
Antônio Campos - Advogado e escritor. - camposad@camposadvogados.com.br
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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