A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

1 de agosto de 2016

Dois dias antes da conferência

Todas as pessoas que conheço
querem
ou vão querer
ser
incendiárias

quando sonham veem o lobo
umas veem o caçador
poucas se veem pastando
juntas
ao lado do lobo
que também pasta
sem conseguir
já não tem dentes

Todas as pessoas que conheço
querem
ou vão querer
ser
incendiárias

a cheia diz
barragem

atendem a fazem

mas cada litro seu tem placas de ferro nos ombros

dentro das casas
os moradores viram barragens
dos berços dos chiqueiros
mas a água acha pouco
o tutano deles
têm ossos moles
e os leva

a cheia diz
barragem

e lhe dão as costas

chumbam roldanas nas casas
enfeitam remos
ensaiam ladainha
de navegação

Todas as pessoas que conheço
querem
ou vão querer
ser
incendiárias

Não é por isso que os cavalos
aceitariam os ternos que lhes fazemos
e também não plantam hortas ou flores
guardam um pedaço do bruto puro
que por tanto tempo
vestiram
pensativos
ainda nos dão garupa
por cortesia e para nos
contar das assembleias
¿quantos pistões carrega o amor desses partidários?

Todas as pessoas que conheço
querem
ou vão querer
ser
incendiárias

Mesmo as que só querem
queimar o vizinho
têm como ninguém
um plano ideal
para o mundo

sei de quem junte dinheiro
e estoque querosene em casa

o lobo de cada uma
guarda
papéis dobrados
nos bolsos
sobre o que fazer
com o fogo

fico pensando o que
esses lobos de óculos que passam
as manhãs lendo nas padarias
pensam de nós ao dobrarem
pernas tão finas

são elegantes como ciganos
vampiros
falsificadores
de uísque
mas levam megafones
na valise

já vi mais de um
me olhar com doçura

ficamos mesmo para trás
amarramos o sapato antes
de vestir
não serviu

talvez consigam ainda
aprovar a escravidão

devolvo o olhar com condescendência

aos doces o dulcíssimo

Todas as pessoas que conheço
querem
ou vão querer
ser
incendiárias

a maioria quer
nisso
um jeito de quebrar
os relógios

Heyk Pimenta

§
sobre o autor

Heyk Pimenta é um poeta brasileiro, nascido no distrito de Pontões, em São João do Manhuaçu, Minas Gerais, em 1987. Mora no Rio de Janeiro desde 2007 e escreveu Sopro sopro (Edições Maloqueiristas, 2010) e Heyk Pimenta | Coleção Kraft (Cozinha Experimental, 2014). Organizou ao lado de Sergio Cohn os livros A moda e o novo homem de Flávio de Carvalho, Encontros | Tom Zé, Encontros | Fernando Gabeira, Encontros | Maio de 68 (Azougue Editorial, 2008-2011).

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