1.
os pés vacilantes na avenida rio branco
uma chuva de panfletos com
revoluções sobre nossas testas febris
porque a forma como aqueles
ventos
a forma como aquele sol
incide sobre os seus cabelos ondulados
o perigo das treze tardes de domingo
as folhas empilhadas
a cena
um raio sobre o seu corpo
duvidante
sobre aquela pele:
tesa
sobre aquela língua:
morta
que falávamos
o verão ainda
atenção aguda às coisas
ou
ares ao redor das coisas
o entorno dos seus compridos cílios
árabes
inclinados
sobre a película que assistimos
quase distraidamente
enquanto você me falava sobre a queda livre
enquanto você me falava sobre instalar instantes
enquanto você me falava
que é preciso atentar à diluição da história
eu entendia, embora risse.
é que eu estava pensando na fuga dos escorpiões
estava pensando na ruptura do asfalto quente
bem no momento em que nossos patins
eu estava pensando na superfície profunda das ruas
2.
você se alarma com o grito de uma velha aos pássaros
ela
toda cabelos,
toda pele descascada
pelo barulho das moscas,
aguarda
uma massa de ar frio chega
inesperadamente
aqui
água que tenta escoar pelos
furos
e sobe antes
o verão ainda
você
brancura dos sustos
fios colados ao corpo
bicho que contrai lábios contra dentes
conta gotas da delicadeza das
ruas
tenta explicar
passagens subterrâneas
para engrenagens de brinquedos de corda
sob a central do Brasil
sob o umbigo do mundo
um objeto absurdo sobrevoa-nos
indiferente
ao perigo dos buracos ocultos
pela água
a velha já de olhos desaparecidos
costura uma manta puída
tenta
convencer-nos da gravidade
decretos oficiais
contra praias negras
contra ventres livres
contra perguntas insolúveis
de modo que ficamos parados
diante da água
enquanto escorria o grito
é preciso que você saiba
3.
naquele mesmo dia
é possível que você tenha cochilado
enquanto olhávamos a árvore
toda crispada em cigarras
em pleno outono
MIND THE GAP
a poeira das coisas feitas enchendo tudo
o natural incontornável relampejando
ideias nos nossos calcanhares
as cápsulas de cálcio não puderam colar a fissura
então nos viramos em construir um vínculo
naquele mesmo dia
parados diante da margem criada pelas pálpebras descidas
eu tentava sustentar com duas ou três palavras
a queda
a impossível porosidade dos nossos ossos tão jovens
e a velhinha
que procurava ossos de sal no deserto,
era o que eu falava
mas você abriu um livro de filosofia
com um livro de poesia dentro
menor
olhos abertos
como quem vê seios enormes
pela primeira vez
numa cabana de lençol
naquele mesmo dia
eu queria dizer
mas não disse
é preciso que você saiba
ergue-se o globo
a fratura estala
entra em nós a poeira de saturno
vagalume solar no joelho dos dias
Ana Carolina Assis
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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