Um velho Cherokee dava lições de vida aos seus netos.Disse-lhes:
"Está se travando uma luta dentro de mim. Luta terrível, entre dois lobos.Um é o medo, a cólera, a inveja, a tristeza, o remorso, a arrogância, a autopiedade, a culpa, o ressentimento, a inferioridade e a mentira.
O outro é a paz, a esperança, o amor, a alegria, a delicadeza, a benevolência, a amizade, a empatia, a generosidade,a verdade, a compaixão e a fé.
A mesma luta está se travando também dentro de vocês e de todas as outras pessoas..."
As crianças puseram-se a refletir sobre o assunto e uma delas perguntou ao avô:
"Qual dos lobos vencerá?"
O ancião respondeu:
"Aquele que for alimentado..."
Lenda Cherokee
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
30 de novembro de 2017
26 de novembro de 2017
adão
homem, sua desventura não tem nome
a fala é além das coisas, mas está aquém de tudo
com inveja observa os animas que apenas são
tem medo dos animais pois eles são imunes aos nomes
(dizem a vida em seu silêncio apenas sendo)
você, perdido entre tantos nomes, chora
mas finge que não chora
quer a fuga dos nomes
mas segue nomeando o mundo
Salvador Passos
a fala é além das coisas, mas está aquém de tudo
com inveja observa os animas que apenas são
tem medo dos animais pois eles são imunes aos nomes
(dizem a vida em seu silêncio apenas sendo)
você, perdido entre tantos nomes, chora
mas finge que não chora
quer a fuga dos nomes
mas segue nomeando o mundo
Salvador Passos
incêndio
a chuva acontece em mim
a morte é apenas um espelho do relógio
na palavra dói o nome
o tempo
a pedra
o incêndio
o segredo que não cabe nos dizeres
Salvador Passos
a morte é apenas um espelho do relógio
na palavra dói o nome
o tempo
a pedra
o incêndio
o segredo que não cabe nos dizeres
Salvador Passos
18 de novembro de 2017
o pouco basta pro poeta
o pouco basta pro poeta
arrancar asfalto com as unhas
revela a falta que afoga o peito
queria perder
o ato atávico de atar a vida
podar o dia,
prender corpo,
guardar a fala
enquanto o tempo passa em branco
viver é ter o tempo impresso nos cabelos
ter os braços longos como a chuva
abraçar o abstrato entre as rimas
rimar os rumos rústicos da terra
envergar a tarde no horizonte
até ela encostar na noite
perder a posse que possui a gente
beber a água que nos corre o verbo
o rio que percorre o ventre
ver o vento entre a sombra e o breve
o ar que arfa entre a dor com força
a foz que faz a forma em nome
a voz que reverbera o verbo
a noite que enverga o tempo
e dói na sede que não cede
Salvador Passos
novembro
me abri em poemas
inscrito
na solidão noturna da distância
fui um eu que não me era
ânsia amarga
deste ar que me faltava
errei meus passos
pelos cantos
a noite me foi entregue
e dela nada fiz
fui apenas nome
enxerguei nos ventos de concreto
o teu silêncio
armado apenas com poemas
li os teus segredos sublinhados
a noite invadiu as margens do poema
deixei palavras pelos cantos
deixei janelas abertas
a casa guardava seus espaços em silêncio
Salvador Passos
Rito
Alertas, trapaças, cobranças, compromissos:
Quantas ilhas sem edição, vidas sem viço,
A morte visita sem aviso?
E, afinal, pra que mesmo tudo isso?
O que deu nesse mundo, caduco,
O que ficou do tempo em que viver
Era mais que só mudar de assunto
Era rito, um estado de espírito?
Ou quando olhar era uma reza,
Pensar que revelava a leveza,
Música vindo de dentro
(Precisa de centro?)
Uma revolução do sentir nos fez ateus:
Quisemos então ver a face de Deus.
E você a meu lado, lembra
De quando bastava uma fagulha
Pra explodir uma Bastilha?
Rodrigo Garcia Lopes
Quantas ilhas sem edição, vidas sem viço,
A morte visita sem aviso?
E, afinal, pra que mesmo tudo isso?
O que deu nesse mundo, caduco,
O que ficou do tempo em que viver
Era mais que só mudar de assunto
Era rito, um estado de espírito?
Ou quando olhar era uma reza,
Pensar que revelava a leveza,
Música vindo de dentro
(Precisa de centro?)
Uma revolução do sentir nos fez ateus:
Quisemos então ver a face de Deus.
E você a meu lado, lembra
De quando bastava uma fagulha
Pra explodir uma Bastilha?
Rodrigo Garcia Lopes
Manifesto do Realismo Mântico
∞
Primeiro gesto de um realista
mântico: aceitar a proteção do acaso. A nossa poesia está em pré-dizer o belo.
Não somos imunes a nenhum tipo de beleza. Descendemos da prosa de miraculação.
A prosa de ficção é nosso antepassado distante.
∞
Mântra do
Realismo Mântico:
Sobrenatural é o poema,
porque é natural
mas está sempre
sobre.
∞
O extraordinário é nosso estado
de espírito. O ordinário é nosso arquinimigo, faz séculos que estamos tentando
bani-lo.
∞
É preciso se abandonar todos os
dias. Vivenciar a ambivalência do risco. Escrita e perigo. Vivo no risco para
que haja escrita. Vivo no risco para que haja perigo. Produzo linhas, desconfio
de meridianos que não crio. Me arriscar significa me inscrever no mundo. Me
catapulto no equador da vontade do acaso.
∞
Não somos predestinados. O
destino vem nos pedir que o interpretemos, porque ele mesmo não sabe de si.
∞
Primeira crença de um realista
mântico: a maravilha está sendo providenciada. Confiamos no livre arbítrio da
maravilha, isto é, nada diferente dela se manifesta. Confiamos na liberdade de
expressão do insólito.
∞
Só é comum o que é dito de
maneira comum.O evidente exige clarividência. Pela transubstanciação do lugar
comum e do senso comum através de formas encantatórias. O absurdo é nosso
milagre. O absurdismo miraculoso é uma de nossas formas a priori.
∞
Primeira medida de um realista
mântico: adotar uma estrela para ser teu coração. Guardar o firmamento no lado
esquerdo do peito.
∞
Não se deixe roubar a exceção,
ela te pertence.No mundo dos homens,os milagres não concedem exceções, por que
você deveria ter compaixão pela regra? A regra é um estado de misericórdia.
Chega de pedir perdão.
∞
Só Exu expulsa o Malafaia das
pessoas.
∞
A aparência real da coisa é
aquela que provoca encantamento, é o único modo de dizer a coisa, de lembrá-la.
A maravilha é uma memória afetiva. Tornar as coisas ordinárias é a melhor forma
de esquecê-las.
∞
O sublime é cotidiano e mínimo.
Mântico: linguagem escolhida para capturar os pequenos gestos. Nossos temas não
são celestiais. Acreditamos, por exemplo, que quando alguém que amamos morre
vira um ponto em nossa íris e não uma estrela. Acreditamos no milagre do
encontro. A real beleza das pessoas não se pode pegar com a mão, só se pode
tocar com o mântico. Mânticas são as mãos da nossa imaginação intuitiva.
∞
Afagar o impossível até que ele
possa nos tratar com ternura.
∞
Não tentem nos sabotar pela
etimologia. Nosso movimento não é a perda de uma sílaba. Não somos Ro-mânticos.
O amor é nossa benção, não é nossa maldição e nos realizamos completamente em
vida. Também não somos místicos, nossa devoção é ao gênero humano pelo que pode
realizar de inesperado.
∞
Só depois do primeiro amor é que
se tem contato pela primeira vez com a linguagem.
∞
Prevemos que os de nossa extirpe
possam degenerar em Realismo’s Miraculoso,
Místico, Oracular, Profético e outras qualidades de esoterismo barato,
misticismo arcaico. Porém, é importante que se diga: O Realismo Mântico não
sabe falar sobre o que não existe: o que existe já dá bastante trabalho.
∞
Nossa mediunidade é saber chegar
ao outro, precisamos ser capazes de nos incorporar uns nos outros. Hei de
cantar o ponto que fará você baixar em mim. Hei de fazer a prece que fará você
ser eu. A única oração: o poema.
∞
O poema é um vocativo, atráves
dele te invocamos, contrapomos o imperativo do olhar desavisado. Mesmo o
passado na literatura mântica, quando vem, inevitavelmente vem sob a forma de
aviso. O que deixamos passar sempre volta. Também não é errado dizer que o
poema é a vocação do outro, nunca nossa.
∞
Nosso trabalho é mais importante
que nossa identidade. O Realismo Mântico é uma grande entidade. Oxímoro
Mandrágora é nosso codinome. Somos regidos pelo Oxímoro, lei do universo,
aceitamos a dualidade, a co-existência dos contrários. Mandrágora é qualquer
mitologia sem nome. Pegamos o sobrenome emprestado como sinônimo do
extraordinário que nos escapa.
∞
Os descendentes de Macunaíma
dizendo “Ai! que saudade...” do que não fomos.
∞
Por um Brasil mais América do
Sul. Brasil, continente perdido,
volte para casa.
∞
Enriquece a nossa literatura o
estudo do espanhol, tupi-guarani, yorubá,
quéchua, aimará. São as palavras renegadas de nossos irmãos. A língua
cria realidade. A poesia dessas línguas nos abre a dimensão oculta do que ainda
não somos. Menos networking e mais compañerismo, amistad, red de contactos.
Devolvam as terras dos filhos de ñanderu. Aruanda: a metáfora habitada nos
turbantes, porque alguns de nós já não podem voltar para casa. A ancestralidade
vivificada na figura de linguagem.
∞
Os poetas mortos são oráculos a
ser consultados apenas. Não tenha medo de interpretar a mensagem. Os textos dos
mortos devem ser profanados. Pelo saque aos túmulos.
∞
A história da literatura é uma
ata de eclipses.
∞
Escreva o que ouviu do além com
suas próprias palavras.
Diga aos ancestrais para ler os
vivos.
∞
A apreciação estética do poema se
dá por excelência através do sexto sentido.
∞
Porque é miraculoso, o poema não
se faz, o poema acontece.Ele só existe quando chega até o outro. É no outro que
ele dá o primeiro suspiro. Antes disso, o poema é apenas porvir.
∞
Somos os herdeiros de Houdini, o
miraculoso.
∞
O milagre é visto. O poema
imprevisto. Exemplos de imprevisão do poema:
1. Insistência de uma imagem, de
uma frase, de uma palavra em nosso pensamento que vai se materializando em tudo
no mundo ao redor, o poema é um gesto do mundo. 2. Um homem-estátua, pintado de
prateado, voltando para casa de ônibus e dormindo no último banco. 3. Um
mendigo que em lugar de pedir esmolas, pergunta se você tem medo de borboletas
e quando você responde que não, como se fosse algo absurdo, ele passa uma
borboleta pousada na mão dele para a sua blusa. Essa borboleta abre e fecha as
asas. Você descobre que sim, tem medo de borboletas, pelo menos uma borboleta
assim tão de perto, tranquila, pousada em você. O mendigo ri, explica que criou
a borboleta desde pequena, tira a borboleta da sua blusa e desaparece levando o
milagre consigo. 4. Encontrar um homem de classe média alta com a sobrancelha
esquerda branca na fila do cinema e pensar que aquela marca de nascença é tão
rara que nunca viu igual. Voltando para casa de trem no mesmo dia encontrar
outro homem, um operário, com a sobrancelha direita branca. 5. Ganhar de
presente O pequeno príncipedepois de grande na véspera da morte de seu pai.
Sentar no ônibus ao lado de uma mulher no momento exato em que ela abre O
pequeno príncipe e começa a ler o livro.6.Ouvir da boca de uma desconhecida que
você não tem ligação alguma com os arquétipos mundanos e nem planetários. “Você
não é daqui, você veio das estrelas. E teu lugar de poder é com os índios das
Taigas, os adoradores da lua, pertencentes a lugares frios da região norte como
Canadá, Noruega, Groenlândia”. Ela não sabe que teu sonho é ver neve. Viver
onde é seis meses dia e seis meses noite. Muito menos imagina que você toca um
piano feito de aurora boreal. 7. Um grande amigo seu, poeta, ser chamado para
ser o juiz de paz de um casamento em que o noivo está prestes a ser preso, já
foi condenado e está aguardando a voz de prisão. A cerimônia é linda. O noivo
está radiante. No dia seguinte a polícia vem buscar o noivo recém casado às 6
horas da manhã, arrancando o homem de seu sonho. Um vizinho que acompanhou tudo
disse “Depois que levaram ele, o silêncio ficou de luto”. Seu amigo foi o
responsável por unir aquelas almas na eternidade. O alívio do preso é que lá o
tempo não existe.
∞
A superficialidade é um olhar
desatento e o milagre está a 90° da superfície.
∞
Eliminar a superficialidade da
forma, do amor, do discurso vazio, da palavra dita sem intenção, da falta de
presença, até que só reste o milagre.
∞
O poema que não abre um canal de
comunicação mântica, que não fala com o afeto do outro, é uma invenção. O poema
não pode ser uma invenção. Se é invenção não é poema. Se chega até o poema, se acha o poema.
Enterrado no deserto. No fundo falso das coisas. Nas escavações arqueológicas
debaixo do seu travesseiro. A palavra foi desapropriada pela discursividade. O
poema oferece morada à palavra exilada. Poema não é discurso.
∞
Não sei amar, não sei sentir, não
sei viver,
não sei quem sou, no poema eu
aprendo.
∞
Já disseram que amor é tanta
coisa que ele acabou sendo nada. Mal contemporâneo. Se tiver que dizer poesia,
já não é. Se disser nosso nome, já não somos. Use todos os recursos necessários
ao encantamento, para que a revelação aconteça.
∞
Ofereça ao leitor uma linguagem
sem perdão. Misericórdia é a miséria do coração, o verso mântico quer tirá-lo
da miséria em que se encontra. É por isso que o poema jamais é uma trégua. O
poema é um despertar.
∞
Podem te ajudar em tua reza
contigo mesmo:
1 – A rima do entendimento: no
verso mântico são os conceitos que rimam. A musicalidade do poema é aquela que
faz adentrar o silêncio. O poema mântico é o ensinamento da música do silêncio.
Encontrar o presente dentro da rima do silêncio. Tempo e dádiva. As palavras
estalam os ossos e aqueles ossos musicais calam o mundo.
2
– A sentença miraculosa: é quando ela não pode ser dita de modo
diferente do que foi profetizada. Mas não se engane, profecia tem mais a ver
com singularidade da linguagem e menos com adivinhação.Literatura não é
abracadabra. Sentença miraculosa é aquela que não permite tradução. Encontre a
informação estética do indizível.
3 – A forma extraordinária: o
milagre está no mundo, porém a formação literária de um realista mântico
consiste justamente em despir o milagre de suas roupas cotidianas. Não se pode
simplesmente esperar que o milagre aconteça( “Acontecer” é qualidade do que é
visto. Quando se torna algo visível, aquilo acontece). Veja primeiro para que
possa acontecer. Conjure o sobrenatural da linguagem. Seja extraordinário,
esteja fora da ordem, não compactue com o ordinário. Insinue o invisível, o sentimento do invisível substitui as
lacunas do olhar. Nossa preocupação é com a técnica perfeita do afeto, a
técnica da iluminação. Não esqueça, contudo, que para revelar a escuridão é
preciso trazer parte dela consigo.
4
– O sussurro da escuridão: é aquele que vem do jamais. A palavra deve
trazer assombro tanto pelo espanto, quanto pela suspensão da luz. Em plena luz
do dia os mistérios ofuscam, na noite se revelam pela penumbra, pela opacidade,
que é quando podemos vê-los. Ninguém é capaz de olhar para o sol diretamente.
Para que as estrelas apareçam é preciso evocar a noite. O verso perfeito não é
o que está perfeitamente escrito, pontuado, metrificado, rimado, é aquele que é
capaz de fazer o leitor “cumprimentar a
beleza”. Para falar ao coração do outro e que o outro aceite a mensagem
é necessário algo mais do que perfeição. A revelação vem de lado, oblíqua, para
poder atravessar, o que vem de frente é atropelamento. “Nas próprias
antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito”.
5 – A quintessência da língua: só
o quintessencial deve permanecer, o essencial não precisa ser dito, apenas
sentido. A quintessência do sentimento é que garante o dizer. É essencial olhar
para dentro de si até que a miração aconteça, isto é, a linguagem encontre sua
quintessência. O outro da linguagem é a sua forma quintessencial.
6 – O insólito deve ser motivo de
fé. A linguagem deve adorá-lo.
∞
Não nos deixemos seduzir pela
forma. Só escreve poema aquele que descobriu um segredo. Sem segredo revelado
não há poema.
∞
Desejamos que nossa linguagem
seja como nossas mãos. É preciso que o leitor sinta o poema como se olhasse
para as próprias mãos pela primeira vez. Preponderamos o tato com o indizível.
∞
Andamos de mãos dadas com a
miragem.
∞
Somos os últimos falantes do
dialeto da maravilha, nossa profissão de fé é que este idioma não morra.
∞
Quântico confabula
com mântico não só por aproximação sonora, é qualidade da da nossa
estética ser quântica quando evoca os amores que não se realizam, os amores
perdidos, o primeiro amor, os amores que negamos, os amores que não aceitamos,
os amores que nos negam, os amores que vivemos sozinhos. Não é que sejamos
platônicos, os exemplos acima constatam um dado sentimental: o que perdemos, o
que não foi, o que não é, inevitavelmente nos quantifica.
∞
A estética mântica é uma
tentativa de quantificar o imponderável, por exemplo, quanto amor existe no
coração de uma baleia. Ainda cantaremos o quântico dos quânticos.
∞
Parágrafo primeiro e único:
natural é aquilo que não vemos direito.
∞
A pré-adolescência da eternidade
é nossa idade por excelência e por unanimidade. Alguns de nós são
pré-adolescentes da eternidade aos 70 anos e outros aos 23 apenas. A
modernidadenos fez prematuros em ruínas. A nossa juventude é milenar. Trazemos
a inocência dos apocalipses.
∞
Fomos alfabetizados pela lua cheia.
∞
A epifania no poema
frequentemente é anunciada por lágrimas. Ser poeta é apenas um instante. No resto do tempo só
contagem de estrelas. Clamamos pelo instante, nosso lugar de existência. O
efêmero é nosso guru. A lágrima: aplauso do coração. Nossa medida de recepção
são esses aplausos cristalinos dos olhos. É por isso que escrevemos o poema não
pelo poema, mas pelo silêncio depois dele.
∞
Quando vivo era apenas Poe.
Quando morreu virou Poema.
∞
Encantamento não tem
necessariamente a ver com o que é bom para si mesmo. Fosse assim os olhos da
serpente não encantariam. O perigo não seria tão atraente. A vertigem não seria
a vontade de se jogar no precipício. Os olhos de um assassino podem ser tão
encantadores no momento em que escolhe a próxima vítima quanto a pureza nos
olhos de um recém nascido. As coisas belas são fatais. A literatura também sabe
hipnotizar a crueldade. O poeta escreve seu último poema para o que ou quem o
mata, porque lhe apresenta a beleza insuportável da morte.
∞
Somos uma asa cortada: nossa
literatura convence os anjos a que fiquem. É necessário escrever o poema que
vai conquistar o coração de um anjo e fazê-lo se reproduzir na terra. Nossa
literatura é pé no chão, mas a Terra está suspensa no mistério.
∞
Não somos herméticos porque nossa
ética não vem de Hermes. O poema não cria um segredo, é através do poema que o
segredo chega. Somos contra o hermetismo. Ouvimos a mensagem de Hermes e a
mensagem de Exu. Violamos correspondências divinas.
∞
Aceitamos a impermanência: nada é
nosso e tudo se transforma.
∞
Os mensageiros somos nós, mas não
se esqueça nunca que a mensagem vem de longe. Impermanência. A mensagem vem de
longe porque vem de nós mesmos.
∞
Por uma vida mitológica. Viva uma
vida lendária.
∞
O sentimento lendário se perdeu
ao ponto de acharem que qualquer história para boi dormir se encaixa no gênero.
Nos enganaram. Através de falsas lendas, instituiram o desaparecimento.Se você
não existe, não tem lugar de fala. Te contaram que índio é coisa do passado. Te
contaram que não tem mais quilombolas. Os personagens dessas lendas, porém,
continuam vivos. Querem torná-los lendas pela força e pelo aniquilamento. Para
nós, lenda tem a ver com vivência.
∞
Por um Brasil menos norte
americano e mais Rio Grande do Norte.
∞
Não é preciso impregnar a
literatura de cor local. Estamos cansados de ser exóticos. O espírito de um
povo, a nacionalidade, não tem a ver com exuberância.
∞
Não somos um movimento
brasileiro. Somos um movimento latino-americano. Ainda que não saibamos muito
bem o que é ser latino-americanos. Contudo, não sabemos também o que é ser
brasileiros.
∞
É preciso falar a língua de nosso
povo. É tão importante escrever poemas quanto conversar sobre política com a
população de um modo que ela entenda. Traduzir qualquer complexidade filosófica
à coloquialidade. Saber falar academês e a gíria da esquina.
∞
Saber recitar Augusto dos Anjos e
em seguida dizer “Para aí no próximo ponto que eu vou descer, piloto!”.
∞
Realismo Mântico também é o que
fazemos fora dos livros. Seja uma prolongação de seus poemas. Ao fechar o
livro, outro poema começa.
∞
O cotidiano é poliglota.
∞
O poliglotismo é nossa escolha.
Não é nosso mandamento porque ninguém manda nada. Estudar todas as línguas
dentro da própria língua e falar todas.
∞
A cultura oficial é um engôdo.
∞
Consideramos a literatura oral
patrimônio imaterial da humanidade.
∞
Aqueles que quiserem resgatar o
sentimento da literatura oral serão muito bem acolhidos por nós e fortalecerão
em muito nosso movimento. Vertentes do Realismo Mântico: literatura escrita,
literatura oral, literatura-canção-popular, literatura-ponto-de-macumba,
literatura-jeito-de-andar, literatura-dança. Nenhuma é melhor que a outra.
∞
Por uma métrica de tambores.
∞
Odisseu e sua tripulação
sucumbiram às sereias porque não sabiam falar a língua delas. Aqui no Brasil
ouvimos seu canto todos os dias, as sereias nos cantam canções de ninar, as
sereias nos abençoam. Pobre Ulisses, não sabia dizer Odoyá. Era a palavra
mágica para voltar para casa mais cedo.
∞
Pelo fim da matança de baleias e
pelo fim do uso de seu nome em vão. O jogo da baleia azul só demonstra a
insensibilidade com que nosso mundo está lidando com milagres. Não satisfeitos
com a caça ilegal de baleias, agora querem atribuir a elas a morte.
∞
Pelas danças populares. O Coco, o
Jongo, o Maracatu, o Cacuriá, o Cavalo Marinho, a Ciranda, etc ad aeternum
ainda não foram culturalizados. Pela Umbanda, pelo Candomblé e pelo Toré. Pela
Capoeira como prática acadêmica. Se é pra falar de academia, Platão era
conhecido por esse epíteto porque tinha as omoplatas muito desenvolvidas de
tanto que se exercitava, era um homem fortíssimo.
∞
Chega de intelectualidade sem
coordenação motora. Não pode existir um intelectual brasileiro que não dance e
não pegue sol.
∞
Os índios e os quilombolas ainda
estão vivos. Vida longa a esses sábios. Pelos conselhos ao pé do Preto-Velho.
Pela sabedoria dos pajés. Se torne pajé. O pajé é aquele que pode visitar todas
as tribos sem ser atacado. Se houvesse mais pajés haveria menos guerras.
∞
Pela sabedoria da floresta.
∞
Pelo fim do anarco-xamanismo e da
macumba-freestyle. Vá buscar em outras dimensões a sabedoria para viver da
melhor maneira possível nesta dimensão, não se perca por lá. Quem se iluminou já
não está mais aqui, se você fosse santo já tinha partido. A quinta dimensão não
é lugar de passeio. Viver fora da terceira dimensão é alienação espiritual.
Guias espirituais não são call center. Ayahuasca não é suco de laranja. Rapé
não é Rinosoro. Jurema não é Gatorade. As plantas de poder devem ser
respeitadas.
∞
Abunda o fundamentalismo
religioso e falta espiritualidade. A intolerância religiosa é ranço de nosso
estrangeirismo, da nossa dificuldade em ser brasileiros. Não nos converteram à
cristandade, nos converteram ao eurocentrismo. Brigamos entre nós pelo que é
dos outros. Os pastores nos roubaram a palavra de Deus.
∞
Vivemos em um mundo que perdeu a
noção de sagrado. Saiba tornar as coisas sagradas por si mesmo. Sacralize o
cotidiano. Sacralize cada gesto. Sacralize a efemeridade. Tenha fé no momento.
A vida não é um despacho, a vida é assentamento.
∞
Pela astrologia enquanto
linguagem poética. O valor literário do esoterismo nos interessa.
∞
A política não é de Deus. Os “homens de Deus” só tem servido para
roubar nosso dinheiro e patrulhar nossos corpos. Roubaram o espírito da
palavra, calaram nossos verbos. Pelo dinheiro do dízimo investido em poesia.
∞
Os Deuses são a parte
desconhecida de nós mesmos.
∞
A poesia não quer ser
beatificada, isto é, canonizada. O que não quer dizer que a poesia não seja um
estado de beatitude, um estado de graça. Os santos quando são canonizados é
pelos milagres que fizeram e morreram com eles. Enquanto a poesia não for
canonizada é porque ainda vive. A poesia não é uma santa. A poesia não quer ser
santificada.
∞
Fomos batizados na Baía de
Todos-os-Santos, a hierarquia entre eles não é problema nosso.
∞
Pelo Estado laico. A literatura,
nosso culto ecumênico.
∞
A arte é o único messias.
∞
A arte é o único messias.
∞
A arte é o único messias.
∞
E a arte é feita por homens. Os
salvadores estão aqui. Faça arte, quero me salvar. Preciso que você me salve.
∞
Pela premonição do agora. O
Brasil está cansado de ser profecia.
∞
Pela caligrafia da mão esquerda
que sonda as coisas do outro lado. Pela oniromancia e pela onironáutica, ou
seja, pela interpretação de sonhos e pela viagem onírica.
∞
São 99 os nomes de Deus, mas são
infinitos nossos nomes.
Nenhum de nossos nomes deve ser
esquecido.
∞
Abençoar o destino que o outro
nos traz. Beijar a palma da mão do ilegível.
∞
Todos em algum momento esbarramos
com o divino. Porém, nós propomos o mântico em tempo integral. Exemplos de
momentos de maioridade do ser:
Carl Jung é realista mântico na
intuição sobre a natureza da mente humana e na sua exploração inconsciente. Os
Sete sermões aos mortos são essencialmente mânticos, assim como sua
autobiografia Memórias, sonhos e reflexões e O livro vermelho. Frederico Garcia Lorca é realista mântico em
sua linguagem onírica, em Ciudad sin sueño. Manoel de Barros é realista mântico
na observação da natureza e em saber extrair dela o descuido linguístico.
Roberto Bolaño é realista mântico em sua vontade literária, em sua crença
radical na verdade da poesia. Amuleto é seu livro mais divinatório. Mia Couto é
realista mântico em suas Estórias Abensonhadas. Guimarães Rosa é realista
mântico em suas pirlimpisiquices. Júlio Cortázar é realista mântico em suas
correspondências. Gabriel García Marquez é realista mântico em transformar cem
anos de solidão em algo fantástico, outros sucumbiram por muito menos. Jorge
Luis Borges é realista mântico no Ficciones. Richard Linklater é realista
mântico em Waking Life, em Boyhood e na Trilogia Before. A Bíblia é a primeira
obra mântica da humanidade, mas apresenta muitas ideias corrompidas. E os
leitores da Bíblia destruíram grande parte
de seu conteúdo com interpretações profanas, além de usar o livro para
fins hediondos. Gaspar Noé é realista mântico em Enter The Void. Mahatma Ghandi
é realista mântico em sua guerra pacífica. Jim Jarmusch é realista mântico em
Paterson. Walter Benjamin é realista mântico na Tarefa do tradutor, em sua
nostalgia pelo narrador e nas Teses sobre o conceito de história. Clarice
Lispector é realista mântica em olhar para o abismo, em não temer o êxtase da
palavra, nas epifanias que abrem outras dimensões. Eduardo Galeano é realista
mântico no Livro dos abraços. Murilo Rubião é realista mântico ao ver estrelas
vermelhas. Octávio Paz é realista mântico na Tradição da Ruptura. Haroldo de
Campos é realista mântico em suas galáxias e em suas transcriações. Vilém
Flusser é realista mântico em Língua e Realidade. Mário de Andrade é
admiravelmente mântico em Macunaíma. Kaká Werá é realista mântico em Tupã Tenondé.Eu
sou realista mântico ao acreditar em baleias. Fernando Pessoa é realista
mântico nas Reflexões Paradoxais, mas não só, seu materialismo mântico é
louvável, e sua multiplicação heteronímica de milagres é coisa a ser
investigada. Paul Auster é realista mântico no Caderno Vermelho. Rilke é
realista mântico nas Elegias de Duíno e nas Cartas a um jovem poeta.
∞
Axé para quem é de axé.
∞
Este Manifesto não foi escrito em
aforismos. Foi escrito em hexagramas, em sortes do dia. Quando a literatura
puder ser lida como oráculo, um livro ser espalhado em frases soltas que trazem
o destino, conseguimos.
Vinicius Varela e Oxímoro Mandrágora, em algum lugar do universo, na
via-láctea, no sistema solar, no planeta terra, na América do Sul, no
Brasil(mas com o coração no Uruguai), no Rio de Janeiro(e em Montevidéu), em um
dos pavilhões da Universidade Desconhecida, em um dos hexágonos da Biblioteca
de Babel. 31/07/2666
arqueologia delirante
tentaremos mapear o silêncio
com palavras gastas
resgatar os nomes esquecidos
arrancar asfalto com as mãos vazias
deixar a terra nua respirar a vida
por trás do jogo insano
há um campo
uma fronteira invisível
cercada pelos sentinelas cegos
um Che indígena
descreve a cidade
com os olhos aguçados pelo espanto:
-a cidade devora os rios
para vender água
Vende aquilo que já era nosso!
Salvador Passos
com palavras gastas
resgatar os nomes esquecidos
arrancar asfalto com as mãos vazias
deixar a terra nua respirar a vida
por trás do jogo insano
há um campo
uma fronteira invisível
cercada pelos sentinelas cegos
um Che indígena
descreve a cidade
com os olhos aguçados pelo espanto:
-a cidade devora os rios
para vender água
Vende aquilo que já era nosso!
Salvador Passos
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