A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

18 de novembro de 2017

Manifesto do Realismo Mântico

Primeiro gesto de um realista mântico: aceitar a proteção do acaso. A nossa poesia está em pré-dizer o belo. Não somos imunes a nenhum tipo de beleza. Descendemos da prosa de miraculação. A prosa de ficção é nosso antepassado distante.       
            Mântra do Realismo Mântico:
Sobrenatural é o poema,
porque é natural
mas está sempre
                                                                              sobre.
O extraordinário é nosso estado de espírito. O ordinário é nosso arquinimigo, faz séculos que estamos tentando bani-lo.
É preciso se abandonar todos os dias. Vivenciar a ambivalência do risco. Escrita e perigo. Vivo no risco para que haja escrita. Vivo no risco para que haja perigo. Produzo linhas, desconfio de meridianos que não crio. Me arriscar significa me inscrever no mundo. Me catapulto no equador da vontade do acaso.
Não somos predestinados. O destino vem nos pedir que o interpretemos, porque ele mesmo não sabe de si.
Primeira crença de um realista mântico: a maravilha está sendo providenciada. Confiamos no livre arbítrio da maravilha, isto é, nada diferente dela se manifesta. Confiamos na liberdade de expressão do insólito.
Só é comum o que é dito de maneira comum.O evidente exige clarividência. Pela transubstanciação do lugar comum e do senso comum através de formas encantatórias. O absurdo é nosso milagre. O absurdismo miraculoso é uma de nossas formas a priori.
Primeira medida de um realista mântico: adotar uma estrela para ser teu coração. Guardar o firmamento no lado esquerdo do peito.
Não se deixe roubar a exceção, ela te pertence.No mundo dos homens,os milagres não concedem exceções, por que você deveria ter compaixão pela regra? A regra é um estado de misericórdia. Chega de pedir perdão.
Só Exu expulsa o Malafaia das pessoas.
A aparência real da coisa é aquela que provoca encantamento, é o único modo de dizer a coisa, de lembrá-la. A maravilha é uma memória afetiva. Tornar as coisas ordinárias é a melhor forma de esquecê-las.
O sublime é cotidiano e mínimo. Mântico: linguagem escolhida para capturar os pequenos gestos. Nossos temas não são celestiais. Acreditamos, por exemplo, que quando alguém que amamos morre vira um ponto em nossa íris e não uma estrela. Acreditamos no milagre do encontro. A real beleza das pessoas não se pode pegar com a mão, só se pode tocar com o mântico. Mânticas são as mãos da nossa imaginação intuitiva.
Afagar o impossível até que ele possa nos tratar com ternura.
Não tentem nos sabotar pela etimologia. Nosso movimento não é a perda de uma sílaba. Não somos Ro-mânticos. O amor é nossa benção, não é nossa maldição e nos realizamos completamente em vida. Também não somos místicos, nossa devoção é ao gênero humano pelo que pode realizar de inesperado.
Só depois do primeiro amor é que se tem contato pela primeira vez com a linguagem.
Prevemos que os de nossa extirpe possam degenerar em Realismo’s Miraculoso,  Místico, Oracular, Profético e outras qualidades de esoterismo barato, misticismo arcaico. Porém, é importante que se diga: O Realismo Mântico não sabe falar sobre o que não existe: o que existe já dá bastante trabalho.
Nossa mediunidade é saber chegar ao outro, precisamos ser capazes de nos incorporar uns nos outros. Hei de cantar o ponto que fará você baixar em mim. Hei de fazer a prece que fará você ser eu. A única oração: o poema.
O poema é um vocativo, atráves dele te invocamos, contrapomos o imperativo do olhar desavisado. Mesmo o passado na literatura mântica, quando vem, inevitavelmente vem sob a forma de aviso. O que deixamos passar sempre volta. Também não é errado dizer que o poema é a vocação do outro, nunca nossa.
Nosso trabalho é mais importante que nossa identidade. O Realismo Mântico é uma grande entidade. Oxímoro Mandrágora é nosso codinome. Somos regidos pelo Oxímoro, lei do universo, aceitamos a dualidade, a co-existência dos contrários. Mandrágora é qualquer mitologia sem nome. Pegamos o sobrenome emprestado como sinônimo do extraordinário que nos escapa.
Os descendentes de Macunaíma dizendo “Ai! que saudade...” do que não fomos.
Por um Brasil mais América do Sul. Brasil, continente perdido,
volte para casa.
Enriquece a nossa literatura o estudo do espanhol, tupi-guarani, yorubá,  quéchua, aimará. São as palavras renegadas de nossos irmãos. A língua cria realidade. A poesia dessas línguas nos abre a dimensão oculta do que ainda não somos. Menos networking e mais compañerismo, amistad, red de contactos. Devolvam as terras dos filhos de ñanderu. Aruanda: a metáfora habitada nos turbantes, porque alguns de nós já não podem voltar para casa. A ancestralidade vivificada na figura de linguagem.
Os poetas mortos são oráculos a ser consultados apenas. Não tenha medo de interpretar a mensagem. Os textos dos mortos devem ser profanados. Pelo saque aos túmulos.
A história da literatura é uma ata de eclipses.
Escreva o que ouviu do além com suas próprias palavras.
Diga aos ancestrais para ler os vivos.
A apreciação estética do poema se dá por excelência através do sexto sentido.
Porque é miraculoso, o poema não se faz, o poema acontece.Ele só existe quando chega até o outro. É no outro que ele dá o primeiro suspiro. Antes disso, o poema é apenas porvir.
Somos os herdeiros de Houdini, o miraculoso.
O milagre é visto. O poema imprevisto. Exemplos de imprevisão do poema:  
1. Insistência de uma imagem, de uma frase, de uma palavra em nosso pensamento que vai se materializando em tudo no mundo ao redor, o poema é um gesto do mundo. 2. Um homem-estátua, pintado de prateado, voltando para casa de ônibus e dormindo no último banco. 3. Um mendigo que em lugar de pedir esmolas, pergunta se você tem medo de borboletas e quando você responde que não, como se fosse algo absurdo, ele passa uma borboleta pousada na mão dele para a sua blusa. Essa borboleta abre e fecha as asas. Você descobre que sim, tem medo de borboletas, pelo menos uma borboleta assim tão de perto, tranquila, pousada em você. O mendigo ri, explica que criou a borboleta desde pequena, tira a borboleta da sua blusa e desaparece levando o milagre consigo. 4. Encontrar um homem de classe média alta com a sobrancelha esquerda branca na fila do cinema e pensar que aquela marca de nascença é tão rara que nunca viu igual. Voltando para casa de trem no mesmo dia encontrar outro homem, um operário, com a sobrancelha direita branca. 5. Ganhar de presente O pequeno príncipedepois de grande na véspera da morte de seu pai. Sentar no ônibus ao lado de uma mulher no momento exato em que ela abre O pequeno príncipe e começa a ler o livro.6.Ouvir da boca de uma desconhecida que você não tem ligação alguma com os arquétipos mundanos e nem planetários. “Você não é daqui, você veio das estrelas. E teu lugar de poder é com os índios das Taigas, os adoradores da lua, pertencentes a lugares frios da região norte como Canadá, Noruega, Groenlândia”. Ela não sabe que teu sonho é ver neve. Viver onde é seis meses dia e seis meses noite. Muito menos imagina que você toca um piano feito de aurora boreal. 7. Um grande amigo seu, poeta, ser chamado para ser o juiz de paz de um casamento em que o noivo está prestes a ser preso, já foi condenado e está aguardando a voz de prisão. A cerimônia é linda. O noivo está radiante. No dia seguinte a polícia vem buscar o noivo recém casado às 6 horas da manhã, arrancando o homem de seu sonho. Um vizinho que acompanhou tudo disse “Depois que levaram ele, o silêncio ficou de luto”. Seu amigo foi o responsável por unir aquelas almas na eternidade. O alívio do preso é que lá o tempo não existe.
A superficialidade é um olhar desatento e o milagre está a 90° da superfície.
Eliminar a superficialidade da forma, do amor, do discurso vazio, da palavra dita sem intenção, da falta de presença, até que só reste o milagre.
O poema que não abre um canal de comunicação mântica, que não fala com o afeto do outro, é uma invenção. O poema não pode ser uma invenção. Se é invenção não é poema.  Se chega até o poema, se acha o poema. Enterrado no deserto. No fundo falso das coisas. Nas escavações arqueológicas debaixo do seu travesseiro. A palavra foi desapropriada pela discursividade. O poema oferece morada à palavra exilada. Poema não é discurso.
Não sei amar, não sei sentir, não sei viver,
não sei quem sou, no poema eu aprendo.
Já disseram que amor é tanta coisa que ele acabou sendo nada. Mal contemporâneo. Se tiver que dizer poesia, já não é. Se disser nosso nome, já não somos. Use todos os recursos necessários ao encantamento, para que a revelação aconteça.
Ofereça ao leitor uma linguagem sem perdão. Misericórdia é a miséria do coração, o verso mântico quer tirá-lo da miséria em que se encontra. É por isso que o poema jamais é uma trégua. O poema é um despertar.
Podem te ajudar em tua reza contigo mesmo:
1 – A rima do entendimento: no verso mântico são os conceitos que rimam. A musicalidade do poema é aquela que faz adentrar o silêncio. O poema mântico é o ensinamento da música do silêncio. Encontrar o presente dentro da rima do silêncio. Tempo e dádiva. As palavras estalam os ossos e aqueles ossos musicais calam o mundo.
2  – A sentença miraculosa: é quando ela não pode ser dita de modo diferente do que foi profetizada. Mas não se engane, profecia tem mais a ver com singularidade da linguagem e menos com adivinhação.Literatura não é abracadabra. Sentença miraculosa é aquela que não permite tradução. Encontre a informação estética do indizível.
3 – A forma extraordinária: o milagre está no mundo, porém a formação literária de um realista mântico consiste justamente em despir o milagre de suas roupas cotidianas. Não se pode simplesmente esperar que o milagre aconteça( “Acontecer” é qualidade do que é visto. Quando se torna algo visível, aquilo acontece). Veja primeiro para que possa acontecer. Conjure o sobrenatural da linguagem. Seja extraordinário, esteja fora da ordem, não compactue com o ordinário. Insinue o invisível,  o sentimento do invisível substitui as lacunas do olhar. Nossa preocupação é com a técnica perfeita do afeto, a técnica da iluminação. Não esqueça, contudo, que para revelar a escuridão é preciso trazer parte dela consigo.
4  – O sussurro da escuridão: é aquele que vem do jamais. A palavra deve trazer assombro tanto pelo espanto, quanto pela suspensão da luz. Em plena luz do dia os mistérios ofuscam, na noite se revelam pela penumbra, pela opacidade, que é quando podemos vê-los. Ninguém é capaz de olhar para o sol diretamente. Para que as estrelas apareçam é preciso evocar a noite. O verso perfeito não é o que está perfeitamente escrito, pontuado, metrificado, rimado, é aquele que é capaz de fazer o leitor “cumprimentar a  beleza”. Para falar ao coração do outro e que o outro aceite a mensagem é necessário algo mais do que perfeição. A revelação vem de lado, oblíqua, para poder atravessar, o que vem de frente é atropelamento. “Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito”.
5 – A quintessência da língua: só o quintessencial deve permanecer, o essencial não precisa ser dito, apenas sentido. A quintessência do sentimento é que garante o dizer. É essencial olhar para dentro de si até que a miração aconteça, isto é, a linguagem encontre sua quintessência. O outro da linguagem é a sua forma quintessencial.
6 – O insólito deve ser motivo de fé. A linguagem deve adorá-lo.
Não nos deixemos seduzir pela forma. Só escreve poema aquele que descobriu um segredo. Sem segredo revelado não há poema.
Desejamos que nossa linguagem seja como nossas mãos. É preciso que o leitor sinta o poema como se olhasse para as próprias mãos pela primeira vez. Preponderamos o tato com o indizível.
Andamos de mãos dadas com a miragem.
Somos os últimos falantes do dialeto da maravilha, nossa profissão de fé é que este idioma não morra.
Quântico  confabula  com mântico não só por aproximação sonora, é qualidade da da nossa estética ser quântica quando evoca os amores que não se realizam, os amores perdidos, o primeiro amor, os amores que negamos, os amores que não aceitamos, os amores que nos negam, os amores que vivemos sozinhos. Não é que sejamos platônicos, os exemplos acima constatam um dado sentimental: o que perdemos, o que não foi, o que não é, inevitavelmente nos quantifica.
A estética mântica é uma tentativa de quantificar o imponderável, por exemplo, quanto amor existe no coração de uma baleia. Ainda cantaremos o quântico dos quânticos.
Parágrafo primeiro e único: natural é aquilo que não vemos direito.
A pré-adolescência da eternidade é nossa idade por excelência e por unanimidade. Alguns de nós são pré-adolescentes da eternidade aos 70 anos e outros aos 23 apenas. A modernidadenos fez prematuros em ruínas. A nossa juventude é milenar. Trazemos a inocência dos apocalipses.
Fomos alfabetizados pela lua cheia.
A epifania no poema frequentemente é anunciada por lágrimas. Ser poeta é  apenas um instante. No resto do tempo só contagem de estrelas. Clamamos pelo instante, nosso lugar de existência. O efêmero é nosso guru. A lágrima: aplauso do coração. Nossa medida de recepção são esses aplausos cristalinos dos olhos. É por isso que escrevemos o poema não pelo poema, mas pelo silêncio depois dele.
Quando vivo era apenas Poe. Quando morreu virou Poema.
Encantamento não tem necessariamente a ver com o que é bom para si mesmo. Fosse assim os olhos da serpente não encantariam. O perigo não seria tão atraente. A vertigem não seria a vontade de se jogar no precipício. Os olhos de um assassino podem ser tão encantadores no momento em que escolhe a próxima vítima quanto a pureza nos olhos de um recém nascido. As coisas belas são fatais. A literatura também sabe hipnotizar a crueldade. O poeta escreve seu último poema para o que ou quem o mata, porque lhe apresenta a beleza insuportável da morte.
Somos uma asa cortada: nossa literatura convence os anjos a que fiquem. É necessário escrever o poema que vai conquistar o coração de um anjo e fazê-lo se reproduzir na terra. Nossa literatura é pé no chão, mas a Terra está suspensa no mistério.
Não somos herméticos porque nossa ética não vem de Hermes. O poema não cria um segredo, é através do poema que o segredo chega. Somos contra o hermetismo. Ouvimos a mensagem de Hermes e a mensagem de Exu. Violamos correspondências divinas.
Aceitamos a impermanência: nada é nosso e tudo se transforma.
Os mensageiros somos nós, mas não se esqueça nunca que a mensagem vem de longe. Impermanência. A mensagem vem de longe porque vem de nós mesmos.
Por uma vida mitológica. Viva uma vida lendária.
O sentimento lendário se perdeu ao ponto de acharem que qualquer história para boi dormir se encaixa no gênero. Nos enganaram. Através de falsas lendas, instituiram o desaparecimento.Se você não existe, não tem lugar de fala. Te contaram que índio é coisa do passado. Te contaram que não tem mais quilombolas. Os personagens dessas lendas, porém, continuam vivos. Querem torná-los lendas pela força e pelo aniquilamento. Para nós, lenda tem a ver com vivência.
Por um Brasil menos norte americano e mais Rio Grande do Norte.
Não é preciso impregnar a literatura de cor local. Estamos cansados de ser exóticos. O espírito de um povo, a nacionalidade, não tem a ver com exuberância.
Não somos um movimento brasileiro. Somos um movimento latino-americano. Ainda que não saibamos muito bem o que é ser latino-americanos. Contudo, não sabemos também o que é ser brasileiros.
É preciso falar a língua de nosso povo. É tão importante escrever poemas quanto conversar sobre política com a população de um modo que ela entenda. Traduzir qualquer complexidade filosófica à coloquialidade. Saber falar academês e a gíria da esquina.
Saber recitar Augusto dos Anjos e em seguida dizer “Para aí no próximo ponto que eu vou descer, piloto!”.
Realismo Mântico também é o que fazemos fora dos livros. Seja uma prolongação de seus poemas. Ao fechar o livro, outro poema começa.
O cotidiano é poliglota.
O poliglotismo é nossa escolha. Não é nosso mandamento porque ninguém manda nada. Estudar todas as línguas dentro da própria língua e falar todas.
A cultura oficial é um engôdo.
Consideramos a literatura oral patrimônio imaterial da humanidade.
Aqueles que quiserem resgatar o sentimento da literatura oral serão muito bem acolhidos por nós e fortalecerão em muito nosso movimento. Vertentes do Realismo Mântico: literatura escrita, literatura oral, literatura-canção-popular, literatura-ponto-de-macumba, literatura-jeito-de-andar, literatura-dança. Nenhuma é melhor que a outra.
Por uma métrica de tambores.
Odisseu e sua tripulação sucumbiram às sereias porque não sabiam falar a língua delas. Aqui no Brasil ouvimos seu canto todos os dias, as sereias nos cantam canções de ninar, as sereias nos abençoam. Pobre Ulisses, não sabia dizer Odoyá. Era a palavra mágica para voltar para casa mais cedo.
Pelo fim da matança de baleias e pelo fim do uso de seu nome em vão. O jogo da baleia azul só demonstra a insensibilidade com que nosso mundo está lidando com milagres. Não satisfeitos com a caça ilegal de baleias, agora querem atribuir a elas a morte.
Pelas danças populares. O Coco, o Jongo, o Maracatu, o Cacuriá, o Cavalo Marinho, a Ciranda, etc ad aeternum ainda não foram culturalizados. Pela Umbanda, pelo Candomblé e pelo Toré. Pela Capoeira como prática acadêmica. Se é pra falar de academia, Platão era conhecido por esse epíteto porque tinha as omoplatas muito desenvolvidas de tanto que se exercitava, era um homem fortíssimo.
Chega de intelectualidade sem coordenação motora. Não pode existir um intelectual brasileiro que não dance e não pegue sol.
Os índios e os quilombolas ainda estão vivos. Vida longa a esses sábios. Pelos conselhos ao pé do Preto-Velho. Pela sabedoria dos pajés. Se torne pajé. O pajé é aquele que pode visitar todas as tribos sem ser atacado. Se houvesse mais pajés haveria menos guerras.
Pela sabedoria da floresta.
Pelo fim do anarco-xamanismo e da macumba-freestyle. Vá buscar em outras dimensões a sabedoria para viver da melhor maneira possível nesta dimensão, não se perca por lá. Quem se iluminou já não está mais aqui, se você fosse santo já tinha partido. A quinta dimensão não é lugar de passeio. Viver fora da terceira dimensão é alienação espiritual. Guias espirituais não são call center. Ayahuasca não é suco de laranja. Rapé não é Rinosoro. Jurema não é Gatorade. As plantas de poder devem ser respeitadas.
Abunda o fundamentalismo religioso e falta espiritualidade. A intolerância religiosa é ranço de nosso estrangeirismo, da nossa dificuldade em ser brasileiros. Não nos converteram à cristandade, nos converteram ao eurocentrismo. Brigamos entre nós pelo que é dos outros. Os pastores nos roubaram a palavra de Deus.
Vivemos em um mundo que perdeu a noção de sagrado. Saiba tornar as coisas sagradas por si mesmo. Sacralize o cotidiano. Sacralize cada gesto. Sacralize a efemeridade. Tenha fé no momento. A vida não é um despacho, a vida é assentamento.
Pela astrologia enquanto linguagem poética. O valor literário do esoterismo nos interessa.
A política não é de Deus.  Os “homens de Deus” só tem servido para roubar nosso dinheiro e patrulhar nossos corpos. Roubaram o espírito da palavra, calaram nossos verbos. Pelo dinheiro do dízimo investido em poesia.
Os Deuses são a parte desconhecida de nós mesmos.
A poesia não quer ser beatificada, isto é, canonizada. O que não quer dizer que a poesia não seja um estado de beatitude, um estado de graça. Os santos quando são canonizados é pelos milagres que fizeram e morreram com eles. Enquanto a poesia não for canonizada é porque ainda vive. A poesia não é uma santa. A poesia não quer ser santificada.
Fomos batizados na Baía de Todos-os-Santos, a hierarquia entre eles não é problema nosso.
Pelo Estado laico. A literatura, nosso culto ecumênico.
A arte é o único messias.
A arte é o único messias.
A arte é o único messias.
E a arte é feita por homens. Os salvadores estão aqui. Faça arte, quero me salvar. Preciso que você me salve.
Pela premonição do agora. O Brasil está cansado de ser profecia.
Pela caligrafia da mão esquerda que sonda as coisas do outro lado. Pela oniromancia e pela onironáutica, ou seja, pela interpretação de sonhos e pela viagem onírica.
São 99 os nomes de Deus, mas são infinitos nossos nomes.
Nenhum de nossos nomes deve ser esquecido.
Abençoar o destino que o outro nos traz. Beijar a palma da mão do ilegível.
Todos em algum momento esbarramos com o divino. Porém, nós propomos o mântico em tempo integral. Exemplos de momentos de maioridade do ser:
Carl Jung é realista mântico na intuição sobre a natureza da mente humana e na sua exploração inconsciente. Os Sete sermões aos mortos são essencialmente mânticos, assim como sua autobiografia Memórias, sonhos e reflexões e O livro vermelho.  Frederico Garcia Lorca é realista mântico em sua linguagem onírica, em Ciudad sin sueño. Manoel de Barros é realista mântico na observação da natureza e em saber extrair dela o descuido linguístico. Roberto Bolaño é realista mântico em sua vontade literária, em sua crença radical na verdade da poesia. Amuleto é seu livro mais divinatório. Mia Couto é realista mântico em suas Estórias Abensonhadas. Guimarães Rosa é realista mântico em suas pirlimpisiquices. Júlio Cortázar é realista mântico em suas correspondências. Gabriel García Marquez é realista mântico em transformar cem anos de solidão em algo fantástico, outros sucumbiram por muito menos. Jorge Luis Borges é realista mântico no Ficciones. Richard Linklater é realista mântico em Waking Life, em Boyhood e na Trilogia Before. A Bíblia é a primeira obra mântica da humanidade, mas apresenta muitas ideias corrompidas. E os leitores da Bíblia destruíram grande parte  de seu conteúdo com interpretações profanas, além de usar o livro para fins hediondos. Gaspar Noé é realista mântico em Enter The Void. Mahatma Ghandi é realista mântico em sua guerra pacífica. Jim Jarmusch é realista mântico em Paterson. Walter Benjamin é realista mântico na Tarefa do tradutor, em sua nostalgia pelo narrador e nas Teses sobre o conceito de história. Clarice Lispector é realista mântica em olhar para o abismo, em não temer o êxtase da palavra, nas epifanias que abrem outras dimensões. Eduardo Galeano é realista mântico no Livro dos abraços. Murilo Rubião é realista mântico ao ver estrelas vermelhas. Octávio Paz é realista mântico na Tradição da Ruptura. Haroldo de Campos é realista mântico em suas galáxias e em suas transcriações. Vilém Flusser é realista mântico em Língua e Realidade. Mário de Andrade é admiravelmente mântico em Macunaíma. Kaká Werá é realista mântico em Tupã Tenondé.Eu sou realista mântico ao acreditar em baleias. Fernando Pessoa é realista mântico nas Reflexões Paradoxais, mas não só, seu materialismo mântico é louvável, e sua multiplicação heteronímica de milagres é coisa a ser investigada. Paul Auster é realista mântico no Caderno Vermelho. Rilke é realista mântico nas Elegias de Duíno e nas Cartas a um jovem poeta.
Axé para quem é de axé.
Este Manifesto não foi escrito em aforismos. Foi escrito em hexagramas, em sortes do dia. Quando a literatura puder ser lida como oráculo, um livro ser espalhado em frases soltas que trazem o destino, conseguimos.
Vinicius Varela e Oxímoro Mandrágora, em algum lugar do universo, na via-láctea, no sistema solar, no planeta terra, na América do Sul, no Brasil(mas com o coração no Uruguai), no Rio de Janeiro(e em Montevidéu), em um dos pavilhões da Universidade Desconhecida, em um dos hexágonos da Biblioteca de Babel. 31/07/2666
 

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