entre as pedras da cidade
te entreguei uma cidade decadente
uma cidade submersa em nuvens de gás lacrimogêneo
uma cidade sitiada por uma beleza claustrofóbica
uma cidade assombrada
carne ácida
entranha subterrânea
sopro agonizante
meu presente:
poema mórbido que devora carne humana
poema que naufraga nas palavras
atravessamos a cidade que nos atravessa
arrancamos seu asfalto com as mãos
sangramos em silêncio
sagrando o solo
avançamos sobre a noite
resistimos à maré do sono
o poema, deus absurdo
que devora as palavras sem lugar no mundo
nos incita a abandonar a arquitetura automática dos dias
mergulhamos um no outro
perante mil olhos carnívoros e cortinas mortas
garganta que arranha a alma
mortalha de retalhos que se pensam vivos
paralisados nas esquinas mórbidas
a cidade é um poema submerso
escondido no fundo das gavetas
um deserto que habita nossos corpos
a cidade aproxima nossas mãos
numa caligrafia trêmula de palavras mudas
e viagens esquecidas
a intimidade da tua mão atravessa o meu silêncio
Será que temos a magia na ponta de nossos sonhos/será que evocaremos a imortalidade e escolheremos um nome pra ela/será que seremos outros pela via de nossos quereres/será que seremos outros seres/deuses sem saberes/tão crianças quando o ser que não tem nome/será que seremos labirintos de incertezas/caminho para realização de outra vida/qual o nome sintetiza todas estas dúvidas/oh, futuro que se posta e se une ao passo do que um dia fomos/"a escola, o primeiro dia de aula/será que seremos bons/as lições que não aprendemos saberemos como transmiti-las"
Salvador Passos
Faz escuro no meu silêncio
Dentro
Lá no centro do silêncio
Faz um frio
Faz silêncio
Não há festa
Há uma noite fria
No escuro do meu silêncio
Não escuto saúde
Faz um frio na noite
Faz noite neste poema que chove no enquanto
Sem encanto algum
Canto o silêncio
Cato os cacos de um país
Penso um plano
Uma iniciativa
Não leio os jornais
Imagino notícias
A distância se encurta
Faz silêncio neste poema
Faz um tempo de espera
Uma noite canibal
Se mistura aos debates
Faz bruxismo neste país
E no centro deste silêncio rangem noites
Enquanto isso no quarto ao lado
Meu filho dorme sem saber o que se passa
Acordo e ele sorri
Não sei se essa imagem solar aclara o poema ou escurece esse silêncio ainda mais
Seu sorriso é como um vagalume numa noite escura
Salvador Passos