A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

9 de novembro de 2013

Baderna




A:Como você começou a coleção Baderna?


R:A Conrad tem como principal fonte de renda quadrinhos e mangá. E por causa desse negócio de quadrinhos, acabei precisando viajar muito para as feiras de livros, para contratar novos títulos. E em cada lugar que ia, aproveitava para procurar as editoras alternativas. Ia para Nova York, visitava a Autono Media. Ia para São Francisco, aproveitava para passar na Equipress, que é a principal editora da costa oeste americana para esse tipo de livro. E essa situação dupla, de ser ao mesmo tempo um empresário no mercado editorial e um aficcionado por estes textos, me levou a situações engraçadas. Um dia estou lá na Equipress, saindo de uma feira de livro com terno e gravata, e uma menina falou: “Mas você é de qual coletivo?”, e eu respondi: “Eu sou proprietário de um coletivo”...Em diversos aspectos, a Conrad não é nada de novo. Eu fui formado por aquele período do final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, do Pasquim, do Versus, que, se você pensar, eram publicações que misturavam política, pop e quadrinhos. É esse o fio da Conrad, ela é basicamente herdeira desse universo. E a gente tem o privilégio de poder ser os próprios mecenas. Vendemos Pokemon, e isso possibilita que possamos publicar o Hakim Bey. A coleção Baderna começou em 2001, e já publicamos desde os Situacionistas, Provos, Krisis e Critical Art Essemble até o Paulo Arantes e um livro sobre a resistência anti-globalização brasileira, Estamos vencendo!, de André Ryoki e Pablo Ortellado.


A:E como foi o contato com o Hakim Bey? Vocês assinaram algum contrato?


R:Imagina. A gente o publicou e, a rigor, não tem contrato de direitos autorais. O que fizemos foi um acordo com ele, e ele ajudou na tradução e tudo. Se quiséssemos ter pirateado, não haveria problemas. Ele não estaria nos processando nem nada, não está preocupado com isso. Porque a idéia para ele é o mais importante. Inclusive, se vai sair com o nome dele ou de outra pessoa, é o menos importante. Trabalhando em editora, você vê várias pessoas que são contra a propriedade privada, e a relação que elas têm com essa história de direito autoral é inteiramente maluca. Querem adiantamentos irracionais, ficam cobrando relatórios, achando que estão sendo lesados. É muito estranho. Mas o Hakim Bey não, ele sempre foi coerente e generoso nesse sentido.


A:Um amigo diz que sempre que achou que não havia nada interessante acontecendo no mundo, descobriu que era ele que estava no lugar errado. É o que me parece que ocorre com a coleção Baderna. Há muita coisa acontecendo que certamente é ressonância dos textos publicados na coleção, e que as pessoas acham que são simples fatos isolados.


R:É verdade. Existe um ceticismo confortável que domina boa parte da sociedade hoje. A idéia de que não tem nada acontecendo, que os jovens são despolitizados. A velha conversa mole. E então de repente surge um levante comoo de Seattle, e as pessoas se surpreendem. Se você pensar, por que não estaria acontecendo nada? Por causa da decepção dessas pessoas com as suas próprias escolhas políticas? Existe uma renovação que é perturbadora para elas.


A:Elas preferem nem olhar, para não ver que o que perdeu sentido é a postura delas, e não o mundo...


R:E é o oposto. Se você não é capaz de renunciar às suas conquistas, você não merece suas vitórias. É necessário sempre se colocar em xeque, queimar os navios. É isso que mantém vivo. Meu pensamento sobre a coleção Baderna é o seguinte: se tudo andar bem, vou ficar rico com ela. Agora, se tudo der certo, não vai ser mais necessário dinheiro... É muito gozado, porque as pessoas falam que a Baderna é a novíssima esquerda, e se você olhar com calma, o que estes autores estão fazendo é retomar os temas da esquerda anterior à vitória do stalinismo, do leninismo. As questões presentes no debate na década de 10 do século passado, liberdade sexual, autonomia. Os lemas: “Nem pátria, nem patrão”. Quem mudou não foram os autores da Baderna, foi a esquerda institucionalizada que, hoje em dia, fica lutando para ter empregos, para ter patrão.


A:Mas sempre existiu esse conflito entre uma esquerda mais libertária, os anarquistas, os socialistas utópicos, e uma esquerda mais institucional.


R:Sim. Os marxistas estavam comprometidos com um projeto positivista, com a idéia de progresso, portanto se contrapunham radicalmente aos anarquistas. Este positivismo é uma questão muito complexa dentro do pensamento de esquerda. Você vai achar em quase todos os grandes nomes dela um encantamento com a idéia de progresso. Ao mesmo tempo, existe um olhar engessado em relação a esses nomes, porque se tenta justificar a história pessoal deles a partir do que eram ao morrer. Existe uma tentativa de criar uma coerência em relação à trajetória deles que é muito negativa. As pessoas tentam entender o Lênin de 1921, e negligenciam os fatos que não justificam aquela imagem. Porque eles não estavam assim tão isolados, eram permeáveis à cultura da época, aos bares que freqüentavam, aos interlocutores outros. Não sei se Lênin esteve ou não no Cabaret Voltaire. Mas passou perto. John Reed, por exemplo. Foi um fundador do Partido Comunista, acreditava piamente na revolução, mas era um libertário total. Para os padrões do Partido Comunista de 1960, de Brejnev, ele seria um anarquista. Um comunista, de jeito nenhum. E é essa corrente dissidente que nós tentamos retomar na Baderna. Tanto que o nosso santo padroeiro é o Maurício Tragtenberg. O pensamento aberto de Maurício Tragtenberg.


A:Ao mesmo tempo, a Baderna é uma coleção bastante contemporânea, que está preocupada com os novos textos, e não com os clássicos...


R:A postura é a seguinte: temos que ajudar na circulação e desenvolvimento de novas idéias. As idéias dominantes não ajudaram nem vão ajudar a criar um mundo melhor. Pelo contrário, combatem as possibilidades de o mundo se tornar um lugar mais livre e justo. E não sabemos de que jeito conseguiremos melhorar o mundo, mas de uma forma ou de outra isso vai acontecer. Me interessa muito o que ainda não foi feito. Então, nosso compromisso é com a circulação destas novas idéias, que podem fomentar alternativas. E existe realmente uma resistência a isso. Eu recebi censuras até de anarquistas por ter publicado o Hakim Bey. E recebi também o maior elogio que acredito que uma editora possa receber. Foi de um integralista. Ele entrou numa livraria de anarquistas, aqui em São Paulo. Ele freqüentava lá, ficava enchendo o saco. E um dia falou para o livreiro: “Olha, respeito essas editoras que publicam Bakunin, Proudhon, Malatesta. Porque, afinal de contas, eles eram filósofos. E já são clássicos. Agora, essa Conrad, eu sei o que ela é. Essa Conrad é parte de uma conspiração anarco-GLS que quer destruir a família brasileira com Hakim Bey e Pokemon”.Ele captou bem a idéia... Anarco-GLS. Me gusta.


A:Essa resistência é a mesma que enfrentam as novas mídias?


R:É parecida. As pessoas se assustam com o perigo de extinção de algumas instituições. Da idéia de artista, das gravadoras, das grandes editoras. As pessoas ficam preocupadas se o download vai destruir as grandes gravadoras. Qual o problema? As pessoas vão parar de fazer música? Não. E certamente se criarão novos meios de distribuição, possivelmente melhores. O que pode acabar são os grandes sucessos, de tocar as mesmas dez músicas em todas as rádios ao mesmo tempo. Ainda bem. As pessoas ficam na defesa de algumas coisas que não têm muito porquê.


A:Temem perder o que nunca tiveram...


R:A indústria não tem favorecido o diálogo. Não tem gerado pluralidade. Pelo contrário, ela tem combatido a diversidade cultural. A estrutura toda é excludente, vai botando para fora o que lhe é estranho. Não permite acesso a várias coisas que as pessoas possivelmente gostariam. Não é um placebo, é veneno mesmo. As editoras também. Não precisamos de best-sellers, de livros que vendem milhões de exemplares. Esses livros normalmente não formam leitores, e qual a real contribuição que trazem? Nós precisamos de maior diversidade de títulos, e da formação de um público leitor para essa diversidade. Então, se as grandes gravadoras, as grandes editoras caírem, o que nós realmente perdemos com isso?

Rogério Campos

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