A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

27 de abril de 2016

cidade 2

vago pela cidade
captando sílabas
colho palavras
em meio ao vento
capturo
o recato do silêncio
o momento do ausente
como quem acolhe acasos
ócios e ocasos

(re)colhendo em meio as frases:
esquecimentos

os ocasos do colapso

lapso das palavras sem seu lastro

Salvador Passos

like a rolling stone

amargar nomes
que não nomeiam
penar palavras
que não nos servem
servir é pouco
dizer não basta
bastar é brusco
bruto
busco o que descreve o traço da palavra
o urro que ela carrega
(antes mesmo de ter sido dita)
a raiz que entra pelas trevas
aquilo que deixa em desalento o homem
sem seu ser
sem seu dizer
aquém daquilo que emerge da noite
do abismo
do reflexo de narciso
de dentro do esquecimento

carrego as mãos grudadas ao peito
e busco o brusco som que diz alguma coisa
emerge do dizer o nada
aquilo que não sinto

o risco no papel é pouco
solavanco das sílabas em colapso
soltas ao acaso
no papel perdido em meio a ventania

queria ventar
como as folhas pelas ruas

Salvador Passos

20 de abril de 2016

Uma crise pior que o ISIS? Tem início os resgates-internos



Uma crise pior que o ISIS? Tem início os resgates-internos

Postado em 29 de Dezembro de 2015, por Ellen Brown

Enquanto que a grande mídia dá foco aos extremistas do ISIS, uma ameaça que praticamente não foi noticiada é que toda a sua poupança pode ser dizimada em um colapso massivo de derivativos. Os resgates-internos (Bail-ins) dos bancos começaram na Europa, e a infra-estrutura está montada também nos Estados Unidos. A pobreza também mata.


No final de Novembro de 2015, um pensionista italiano se enforcou depois que toda sua poupança de €100.000,00 foi confiscada em um esquema de “resgate” do banco. Ele deixou uma carta culpando o banco, de quem ele foi um cliente por 50 anos e onde ele havia investido em títulos bancários. Mas ele deveria ter culpado a União Europeia e a Junta de Estabilidade Financeira do G20, que impuseram um regime de “Resolução de Ordenamento” que impede bancos insolventes de afundar confiscando as poupanças de investidores e depositantes. Cerca de 130.000 acionistas e titulares júnior sofreram perdas com esse “resgate”.

O Banco desse pensionista era um dos quatro pequenos bancos regionais que nos últimos anos foram postos sob administração especial. O plano de resgate de €3,6 bilhões que foi lançado pelo governo italiano usou o recém-formado Fundo de Resolução Nacional, que é alimentado pelos bancos saudáveis do país. Mas, antes que o fundo possa ser acionado, as perdas precisam ser impostas aos investidores, e em janeiro, as regras da UE passaram a exigir que elas também fossem impostas aos poupadores. De acordo com um artigo de 10 de dezembro publicado na BBC.com:

“O resgate foi um “resgate-interno” (Bail-in) – o que significa que os portadores de títulos sofreram as perdas – diferente dos amplamente impopulares resgates externos (Bailouts) promovidos durante a crise financeira de 2008, que custaram dezenas de bilhões de euros aos contribuintes comuns da UE. Correspondentes dizem que o [Primeiro Ministro Italiano] Renzi agiu rápido porque em janeiro a UE iria endurecer as regras para resgates aos bancos – eles irão forçar as perdas sobre depositantes com mais de € 100.000,00 assim como sobre acionistas e portadores de títulos.... Deixar os quatro bancos falirem em 2016 sob as novas regras da UE significaria “sacrificar o dinheiro de um milhão de poupadores e os empregos de quase 6.000 pessoas”

É isso que foi previsto para 2016: sacrifício massivo de poupanças e empregos para apoiar um esquema bancário global que sofre de “risco sistêmico”

Bail-in e a Lei Dodd-Frank

Tudo isso está acontecendo na UE. Mas há razões para preocupação nos Estados Unidos?

De acordo com Shah Gilani, ex-administrador de um fundo de cobertura (hedge fund), que escreve para o Money Morning, existe sim. Em um artigo de 30 de novembro intitulado “Porque eu estou fechando minha conta bancária enquanto eu ainda posso”, ele escreve:

“É totalmente possível que, na próxima crise bancária, os poupadores em bancos gigantes “grandes-demais-para-quebrar” (too-big-to-fail) vejam todo o seu dinheiro ser confiscado e transformado em ações do banco... Se seu banco é grande-demais-para-quebrar (too-big-to-fail – TBTF) e está em falência porque não consegue pagar as apostas em derivativos que foram feitas, e o governo se recusar a resgatá-los, sob o mandato chamado “Adequação da Capacidade de Absorção de Perdas de Bancos Globais Sistemicamente Importantes em Dissolução”, aprovada em 16 de novembro de 2014 pela Junta de Estabilidade Financeira do G20, eles podem pegar o seu dinheiro depositado e transformar em ações para tentar evitar a falência de seu banco TBTF”.

Quando seu dinheiro é depositado no banco ele se torna legalmente propriedade do banco. Gilani explica:
“Seu dinheiro depositado se torna uma obrigação não-segurada de dívida do banco. Ele deve aquele dinheiro de volta. Se você depende de um dos maiores bancos dos Estados Unidos, que coletivamente tem trilhões de dólares em derivativos que eles mantêm em balanço extrapatrimonial, essa dívida tem um apoio legal superior ao seu depósito e devem ser pagas antes de você receber qualquer parcela do seu dinheiro... Os grandes bancos inseriram esse assunto na lei Dodd-Frank de 2010 que pretendia controlar o comportamento bancário perigoso”.

Os bancos inseriram os termos e o legislador assinou, sem que os tenha necessariamente entendido ou mesmo lido. Com mais de 2.300 páginas e ainda crescendo, a Lei Dodd-Frank é atualmente o documento legal mais longo e complicado da história da legislação dos Estados Unidos.

Aprimorando o esquema dos derivativos

Dodd-Frank dispõe em seu preâmbulo que deve “proteger os contribuintes Americanos (sic) acabando com os bailouts”. Mas isso é feito nos termos do Título II pela imposição das perdas de companhias financeiramente falidas sobre seus acionistas principais e comuns, detentores de títulos de dívida e outros credores não-segurados. Isso inclui os depositantes, a maior classe de credores não-segurados de qualquer banco.

O Título II dessa lei visa “garantir que a indenização dos reclamantes seja ao menos equivalente àquilo que os reclamantes teriam recebido em uma liquidação de falência”. Mas aí está a pegadinha: nos termos da Lei Dodd-Franck e da Lei de Falências de 2005, pagamentos de derivativos tem super-prioridade sobre todos os outros requerimentos, segurados ou não.

O “mercado de balcão” (over-the-counter – OTC) de derivativos, o maior mercado para derivativos, é feito de bancos e outros atores extremamente sofisticados, como fundos hedge. Derivativos OTC são apostas que esses atores fazem uns contra os outros. Os requerimentos derivativos são considerados “seguros” porque o colateral é garantido pelas partes.

Por alguma razão inexplicável, o dinheiro suado que você deposita no banco não é considerado “segurado” ou “colateral”. É apenas um empréstimo para o banco, e você deve permanecer na fila junto com outros credores na esperança de conseguir recuperá-lo. O Estado e os governos locais também precisam esperar na fila, mas seus depósitos são considerados “assegurados”, porque estão junto aos requerimentos derivativos com “super-prioridade”.

Virando a falência de cabeça para baixo

De acordo com as regras antigas de liquidação, um banco insolvente era realmente “liquidado” – ou seja, seus ativos eram vendidos para pagar depositantes e credores. Mas, nos termos da “resolução de ordenamento”, as contas de depositantes e credores são esvaziadas para manter os bancos insolventes em funcionamento. O objetivo da “resolução de ordenamento” não é manter depositantes e credores íntegros, mas prevenir outra “resolução de desordenamento” de amplitude sistêmica como aquela que aconteceu depois do colapso do Lehman Brothers em 2008. O que preocupa é que empurrar uns poucos dominós do frágil edifício que é o nosso sistema bancário global carregado de derivativos faria colapsar todo o esquema. O sofrimento de depositantes e investidores é apenas o sacrifício que teria de ser suportado para manter esse edifício altamente lucrativo.

Em um artigo de maio de 2013 publicado na Forbes entitulado “O bail-in do Banco do Chipre é mais uma fraude de compadrio entre banksters (banqueiros gangsters)”, Nathan Lewis explica o esquema da seguinte forma:

“À primeira vista, o bail-in aparenta ser o procedimento capitalista normal de restruturação de passivos que deve ocorrer quando um banco se torna insolvente... A diferença com o bail-in é que a ordem de prioridade dos credores muda. Por fim, ela se resume a compadres (outros bancos e governo) e não-compadres. Os compadres recebem 100% ou mais; os não-compadres, incluindo depositantes que não portam juros, que deveriam ser super-prioritários, recebem um chute na barriga... A princípio, os depositantes seriam os credores mais prioritários de um banco. Entretanto, isso mudou em 2005 com a lei de falência, que tornou os passivos derivativos mais importantes. Considerando os níveis extremos de passivos derivativos que muitos bancos grandes têm, e as oportunidades que existem para estufar qualquer banco com passivos derivativos nos seus últimos instantes, outros credores facilmente poderão descobrir que não vai sobrar nada para eles”.

Em setembro de 2014 o montante de derivativos nos Estados Unidos tinha um valor estimado de cerca de U$280 trilhões. Um estudo sobre o custo para os contribuintes da aplicação do Dodd-Frank que o Citibank incluiu na lei orçamentária dos Estados Unidos em dezembro de 2014 descobriu que a inversão da regra permitiu aos bancos manter U$ 10 trilhões em operações swap (trocas de risco). Esse seria um dinheiro que contribuintes iriam cobrir no caso de um bailout (resgate externo), mas como o Dodd-Frank troca o resgate externo pelo interno (bail-in), essa conta poderá ser paga por credores e depositantes dos bancos. O Citibank é particularmente vulnerável a swaps vinculados ao preço do petróleo. O valor do barril despencou de uma alta de U$ 144 em junho de 2014 para U$ 36 em dezembro de 2015.

E o seguro FDIC – Corporação de Federal de Seguros de Depósitos (Federal Deposit Insurance Corporation)? Ele cobre depósitos de até U$250.000, mas o fundo FDIC tinha apenas U$ 67,6 bilhões em 30 junho de 2015, garantindo cerca de U$ 6,35 trilhões em depósitos. O FDIC tem uma linha de crédito com o Tesouro, mas até isso cobre apenas até U$ 500 bilhões; e quem vai pagar por esses empréstimos massivos? O fundo FDIC também fica na fila atrás do buraco negro sem fundo dos passivos derivativos. Como Yves Smith observou em uma postagem em março de 2013:

“Nos Estados Unidos, os depositantes foram postos numa posição pior do que titulares de depósitos do Chipre, pelo menos se estiverem nos grandes bancos que jogam no cassino dos derivativos. Os reguladores fazem vista grossa enquanto os bancos usam seus depositantes para financiar a exposição a derivativos... Os depositantes estão agora sujeitos a serem arrasados por uma grande perda nos derivativos”.

Mesmo nas piores falências de bancos na Grande Depressão, percebeu Nathan Lewis, os credores eventualmente recuperaram quase todo o seu dinheiro. Ele concluiu:

“Quando depositantes super-prioritários tem grandes perdas de 50% ou mais, após uma restruturação bail-in, sabe-se que um crime foi cometido”.

Pulando fora enquanto ainda podemos

Como nós podemos evitar esse roubo criminoso e manter nosso dinheiro seguro? Pode ser tarde demais para retirar nossas poupanças do banco e escondê-las debaixo do colchão, como Shah Gilani descobriu quando ele tentou sacar poucos milhares de dólares do seu banco. Agora grandes saques são considerados criminalmente suspeitos.

Você pode transferir o seu dinheiro para uma cooperativa de crédito que tenha seguro de proteção para depósitos, mas cooperativas de crédito e seus planos de seguro também estão sob ataque. Assim escreve Frances Coppola em um artigo de 18 de dezembro intitulado “Bancos co-operativos sob ataque na Europa”, que discute sobre uma cooperativa de crédito espanhola que foi sujeita a bail-in em julho de 2015. Quando os membros-investidores foram reembolsados pelo grupo de seguros privados da cooperativa de crédito, houve reclamações de que o resgate “comprometia os princípios do bail-in dos credores “ – ainda que o fundo de seguro tenha sido financiado de maneira privada. Os críticos argumentam que “isso ainda parece uma maneira circular de fazer aquilo estava planejado desde o início, ou seja, evitar depositar as perdas sobre os credores privados”.

Em resumo, o objetivo do esquema de bail-in é colocar as perdas nos credores privados. Alternativas que permitem que eles escapem poderão ser bloqueadas logo.

Precisamos nos apoiar nos legisladores para que modem as regras antes que seja tarde. O Ato Dodd-Frank e o Ato de Reforma das Falências precisam ambos de uma revisão radical, e o Ato Glass-Steagal (que construiu uma muralha de proteção entre investimentos de risco e os depósitos bancários) precisa ser reinstituído. Enquanto isso, legisladores locais fariam bem em criar alguns bancos públicos nos moldes do estatal Banco da Dakota do Norte – bancos que não apostam em derivativos e que são locais seguros para guardar nossos fundos públicos e privados.


_____________________

Ellen Brown é advogada, fundadora do Public Banking Institute e autora de doze livros, incluindo o best-seller Web of Debt. Seu último livro, The Public Bank Solution, explora historicamente e globalmente o sucesso do modelo de bancos públicos. Seus mais de 300 artigos estão disponíveis em Ellenbrown.com

espelho

espelho espelho eu
existe alguém diante de quem sou?
não nego que exista alguém
mas quem?

Salvador Passos

14 de abril de 2016

janela

queria prolongar o vento do silêncio entre os hemisférios
queria transmitir a visão do Rio entre as brumas
esta visão de dentro da janela que me faz eterno
queria tecer as teias
as tramas
que conectam o passado e um esquecimento doloroso e lento

queria escutar a voz do vento
o tempo ruindo sobre nossas cabeças e a construção das rugas
dos veios
o sangue
o coágulo
nervo exposto
tecido morto
músculo flácido
ombro dolorido

queria descrever o avanço da ferrugem
como geometria de um incêndio invisível
a ação do mar em comunhão com vento
sempre devorando o tempo

queria descrever o solavanco das sílabas no silêncio
rasgando a página em branco

queria prolongar o gesto cego
como o tolo capitão que navega a tempestade
perguntar coisas sem sentido
conclamar revoltas
esvaziar garrafas

queria retratar o ritmo das marés
capturar o mar que avança sobre as pedras nuas
não por meio de barreiras
mas com arapucas metafóricas
que apontassem os vestígios de sal na pedra

queria narrar
o avanço das palavras
sobre a página crua
o escorrer das horas por entre os dedos
o bater das noites nas janelas
queria esticar o texto para além da página
anunciar o solavanco das horas nuas
plenas de ausência

há um vento que plange o comício dos esquecimentos
há uma igreja abandonada no alto do relento
uma noite longa
sem nenhum sussurro dentro
cheia de buracos
e ranger de dentes

há uma pelugem sobre as horas
que os mais tolos chamam de neblina

hoje eu sei que as palavras borram as coisas que nomeiam
aprendi que o poema se faz na esquina

o poema é por vezes sufocar as sílabas de um silêncio oco
arrastar palavras pelo tempo
até que elas encontrem a redenção em seu relento

aproveito a distância
para entregar eternidades
como se o tempo fosse um rio

sei que no poema
cabe o que calha
e fica o que não foi

finco letras como navalhas no silêncio

Salvador Passos

10 de abril de 2016

Dívida sempre foi uma questão de poder




RIO - Em setembro de 2011, o antropólogo americano David Graeber estava no grupo que planejou um acampamento coletivo no Parque Zuccotti, em Nova York, para protestar contra a desigualdade econômica. Foi o início do movimento Occupy Wall Street, que nos meses seguintes mobilizou milhares de pessoas e colocou em circulação slogans como “Nós somos os 99%”. Até então um acadêmico pouco conhecido, autor de uma pesquisa de campo no arquipélago africano de Madagascar, Graeber havia publicado meses antes o livro “Dívida: os primeiros 5.000 anos” (Três Estrelas), que se tornou um inesperado best-seller ao retratar a história da economia do ponto de vista da relação entre credores e devedores. Graeber falou ao GLOBO por e-mail sobre o livro, que chega ao Brasil ao mesmo tempo que “Um projeto de democracia” (Paz & Terra), seu ensaio sobre a história e o legado do Occupy Wall Street.

Em “Dívida”, você diz que “a dívida dos consumidores é a força vital da economia e a dívida externa é o tema central da política internacional”. Como a dívida se tornou o centro das relações econômicas e quais são as consequências disso?

Estamos acostumados a pensar que o sistema de crédito é relativamente recente. A história padrão é que primeiro veio o escambo, depois o dinheiro físico e, só então, o crédito. Na verdade, parece ter acontecido o oposto. O crédito veio antes. A moeda foi inventada bem mais tarde, talvez dois mil anos depois das primeiras transações de crédito conhecidas. E o escambo — do tipo “eu te dou 20 galinhas em troca dessa vaca” — só ocorre mesmo de forma ampla em lugares onde as pessoas estão acostumadas a usar dinheiro, mas de uma hora para outra perdem o acesso à moeda. Então, desse ponto de vista, crédito e dívida sempre estiveram no centro da economia. E o que o registro histórico revela é que hoje estamos fazendo tudo errado. Normalmente, em períodos dominados pelo crédito, são criadas instituições para proteger os devedores: os reis divinos da Mesopotâmia que anistiavam dívidas ou leis medievais antiusura, por exemplo. Do contrário, aqueles que têm o poder de criar crédito acabam dominando todo mundo. E agora, o que fazem? O exato oposto. Instituições como o FMI protegem credores contra devedores. O resultado é previsível: uma série sem fim de crises da dívida.

Você viveu em Madagascar e costuma citar o país como exemplo das contradições da dívida externa. Como sua experiência lá influenciou suas reflexões sobre a dívida?

Madagascar foi conquistado pela França, em teoria, porque não conseguia pagar suas dívidas. Um jovem príncipe inocente assinou um tratado prometendo concessões de livre comércio e, quando se tornou rei e tentou implementá-lo, foi derrubado. Então o governo francês exigiu indenização e, como Madagascar não pôde pagar, decidiu invadir o país. Mas mesmo depois de a França ter explorado o país por 65 anos e da conquista da independência, Madagascar ainda devia dinheiro à França! Como aconteceu isso, e não o contrário? Como o resto do mundo aceitou isso?

No livro você fala sobre a “dimensão moral” da dívida. Como ela funciona?
 
Dívida sempre foi uma questão de poder. Os verdadeiramente poderosos só precisam pagar suas dívidas se quiserem. Donald Trump faliu várias vezes — quem liga? Olhando para a História, o mais perturbador é o grande poder moral que a dívida tem para fazer relações de dominação violenta parecerem moralmente justificáveis e, mais que isso, para fazer parecer que a culpa é da vítima. E as pessoas aceitam isso. Mesmo quando eu falava do colapso do sistema de saúde em Madagascar causado pelos ajustes econômicos, e das mortes que isso provocou, se eu sugerisse que a dívida do país deveria ser abolida, mesmo os mais liberais diziam: “Mas eles pegaram dinheiro emprestado! Eles têm que pagar”. E eu estava falando da morte de milhares de crianças. Esse é o poder da dívida.

Você já disse que muitos participantes do Occupy Wall Street eram “refugiados da dívida”. Como a dívida fomentou os protestos?

Não fazíamos ideia de quem iria aparecer quando planejamos as ações no Parque Zuccotti. Vieram milhares de jovens que não conhecíamos, então alguns dos organizadores começaram a fazer entrevistas. A surpresa foi como a história deles era parecida. “Estudei duro, entrei numa boa universidade, fiz um empréstimo porque era necessário. Mas de repente os agentes financeiros quebraram a economia com seus negócios escusos e não havia mais empregos. Eles foram socorridos pelo governo, mas eu não fui socorrido. O governo vai assegurar que eles me tirem cada centavo, ainda que não haja emprego algum porque eles quebraram a economia e, como resultado, vou ter que passar o resto da vida escutando que sou caloteiro e imoral porque devo dinheiro a eles. Isso não é justo”

Quais foram as contribuições do Occupy para o debate público?

Fizemos os americanos discutirem classes sociais outra vez. Desde quando isso não acontecia, os anos 1930? E não só isso, mas também poder de classe — esse é o significado do 1% e dos 99%. O 1% é a fração que não apenas detém o lucro do crescimento econômico, mas também faz a maior parte das contribuições de campanha, portanto consegue transformar sua riqueza em poder político e usar esse poder para aumentar sua riqueza. Por isso nos recusamos a participar do processo político, da forma como está ele é apenas suborno institucionalizado. Se não fosse o Occupy, acredito que em 2012 teríamos tido um presidente Romney (lembre-se que no início da campanha a experiência dele em Wall Street era considerada uma vantagem). E veja o que acontece em 2016. Nos dois partidos (Democrata e Republicano) há grandes rebeliões que, de formas muito diferentes, se insurgem contra a corrupção do sistema político.

Depois dos protestos antiglobalização dos anos 1990 e do movimento Occupy, no início deste década, quais são as frentes atuais da luta contra a desigualdade?

Acredito que, desde 2011, houve um realinhamento da compreensão sobre o que significa um movimento democrático. Não é mais possível pensar em democracia como apenas partidos políticos assumindo governos. Tem que significar algo mais, algo que opere também fora do Estado. Isso é verdade na Bósnia, em Hong Kong, no Praça Taksim (Istambul), ou mesmo em lugares como Rojavia, na Síria, que estão fazendo experiências com democracia direta. Está claro que o sistema existente atingiu um ponto de ruptura. Para mim, a grande questão é o renascimento da imaginação econômica, política e social, porque a única sustentação do capitalismo nas últimas décadas, quando perdeu fôlego como força de progresso econômico, foi barrar a imaginação, dizer às pessoas que nada além disso é possível. Acho que precisamos usar muito nossa imaginação, e rápido, ou estaremos em apuros.

Sobre o filme: A revolucao ao contrario

7 de abril de 2016

Estratégia Angular de um Poema


Lula Wanderley

A ESTRATÉGIA ANGULAR DE UM POEMA de Lula Wanderley
Curadoria Izabela Pucu
Galeria 5
O artista Lula Wanderley apresenta uma série de fotos e filmes realizados sob o impacto das manifestações populares de 2013


Os trabalhos apresentados nesta exposição se fazem ainda sob o impacto das manifestações populares vivenciada por Lula Wanderley nas ruas do Rio de Janeiro, em face dos conflitos que tomaram o mundo em 2013. Não são feitos, no entanto, como as matérias jornalísticas no calor da hora. Como acrescentou a curadora da exposição, Izabela Pucu, - “Esses trabalhos fazem parte de uma segunda geração de trabalhos realizados a partir das manifestações de junho de 2013, que pelo distanciamento do tempo resultam numa reflexão mais elaborada, mais sofisticada e que também é afetada pelo momento atual”.


Lula Wanderley apresenta imagens e um filme a partir de imagens capturadas na internet, ou recebidas, vindas da Turquia, do Brasil, do Chile. Usando a manipulação digital o artista extrai ou insere informações de forma quase imperceptível, dando, por exemplo, a situações absolutamente violentas uma ironia fina que causa estranhamento.


Em uma das fotografias da série A impostura da arte e a realidade da política (2013 – 2016) Romário corre para comemorar um gol levantando a camisa para exibir as famosas frases usadas pelos atletas sob o uniforme. No lugar normalmente dedicado à frases ligadas às suas famílias ou à religião, o que aparece é a foto estampada do crítico de arte e militante brasileiro Mario Pedrosa, amigo e uma referência para o artista. Em outra, há a cena de uma cobrança de falta em que todos os elementos foram retirados, restando apenas as traves e a bola. No lugar de quem cobra a falta está um manifestante e a barreira é feita por policiais fortemente armados. Um mascarado, na ponta da imagem, parece comemorar o gol. Ao todo são oito fotografias, cinco de 100x70 cm e três de 150x100 cm.


A série que intitula a exposição A Estrutura angular de um poema (2013 – 2014) é dedicada ao poeta Wlademir Dias-Pino e ao técnico do Barcelona Josep Guardiola, Após estudar incessantemente diversos jogos, o artista seleciona um gol do Barcelona em que os passes para o gol reproduzem uma trajetória apenas em ângulos, como os poemas visuais de Dias-Pino, e os adversários são retirados. “Se tirar os adversários e a bola do jogo, os jogadores viram bailarinos. É mais sobre a vida que sobre política e futebol”, diria o artista. Exposição realizada e concebida pelo Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica.


Lula Wanderley é artista e psicoterapeuta. Há 28 anos coordenada o Espaço aberto ao Tempo, no Instituno Nise da Silveira. Nasceu em Recife, e vive no Rio de Janeiro há mais de 30 anos.

5 de abril de 2016

SUBVERSÃO- Chacal

‪#‎nãovaitergolpe‬

por um estado social democrata de direito
contra um (iminente) estado neoliberal de direita

SUBVERSÃO

eu, anarquista convicto, que nunca acreditei em hierarquia, que cresci sob uma ditadura militar, hoje me bato pelo re-erguimento do ESTADO como única forma de conter o vale tudo neoliberal.
aos que elogiam a mobilidade e a liberdade de opinião vindas do livre mercado, reclamando apenas – os mais sensíveis – da falta de educação e da violência reinante, digo que esses sintomas são a natureza desse sistema.
não há respeito ao contrato social nas desregulamentações dos direitos adquiridos por trabalhadores e aposentados.
não há respeito ao patrimônio público nas privatizações, fundamento desse sistema, que transforma o público em privado.
não há respeito pelo corpo humano intoxicado pela indústria de alimentos associada à assassina e lucrativa medicina alopática.
não há respeito pelo meio ambiente onde o agronegócio impera sob o lema “desmatar e poluir”.
não há respeito por povos indígenas que pensam de forma diferente. por outras culturas que sofrem com invasões genocidas de interesse estritamente comercial.
não há respeito pelo público quando a mídia distorce notícias em favor dessa política selvagem e quando questionada, brada aos berros pela liberdade de expressão quando o que falta é igualdade de expressão.
enfim a falta de respeito e educação é inerente a esse sistema que propõe um estado mínimo, repressor, policial, que proteja os interesses financeiros, o direito ao saque de uma mínima minoria.
por um ESTADO que não mais confunda o público com o privado, que lute contra a imensa corrupção dentro dos três poderes, comandada por acólitos desse pensamento tão entranhado de que “dinheiro público não tem dono. é de quem pegar”
por um ESTADO que diga presente que, democrática e estruturadamente, possa se opor à truculência do mercado
por um ESTADO que priorize a educação em todos os níveis contra a falta de respeito e a barbárie neoliberal.
chacal
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foto: ana schlimovich




Ricardo Chacal


4 de abril de 2016

espelho

espelho espelho eu
existe alguém diante de quem sou?
não nego que exista alguém
mas quem?

Salvador Passos