A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

10 de abril de 2016

Dívida sempre foi uma questão de poder




RIO - Em setembro de 2011, o antropólogo americano David Graeber estava no grupo que planejou um acampamento coletivo no Parque Zuccotti, em Nova York, para protestar contra a desigualdade econômica. Foi o início do movimento Occupy Wall Street, que nos meses seguintes mobilizou milhares de pessoas e colocou em circulação slogans como “Nós somos os 99%”. Até então um acadêmico pouco conhecido, autor de uma pesquisa de campo no arquipélago africano de Madagascar, Graeber havia publicado meses antes o livro “Dívida: os primeiros 5.000 anos” (Três Estrelas), que se tornou um inesperado best-seller ao retratar a história da economia do ponto de vista da relação entre credores e devedores. Graeber falou ao GLOBO por e-mail sobre o livro, que chega ao Brasil ao mesmo tempo que “Um projeto de democracia” (Paz & Terra), seu ensaio sobre a história e o legado do Occupy Wall Street.

Em “Dívida”, você diz que “a dívida dos consumidores é a força vital da economia e a dívida externa é o tema central da política internacional”. Como a dívida se tornou o centro das relações econômicas e quais são as consequências disso?

Estamos acostumados a pensar que o sistema de crédito é relativamente recente. A história padrão é que primeiro veio o escambo, depois o dinheiro físico e, só então, o crédito. Na verdade, parece ter acontecido o oposto. O crédito veio antes. A moeda foi inventada bem mais tarde, talvez dois mil anos depois das primeiras transações de crédito conhecidas. E o escambo — do tipo “eu te dou 20 galinhas em troca dessa vaca” — só ocorre mesmo de forma ampla em lugares onde as pessoas estão acostumadas a usar dinheiro, mas de uma hora para outra perdem o acesso à moeda. Então, desse ponto de vista, crédito e dívida sempre estiveram no centro da economia. E o que o registro histórico revela é que hoje estamos fazendo tudo errado. Normalmente, em períodos dominados pelo crédito, são criadas instituições para proteger os devedores: os reis divinos da Mesopotâmia que anistiavam dívidas ou leis medievais antiusura, por exemplo. Do contrário, aqueles que têm o poder de criar crédito acabam dominando todo mundo. E agora, o que fazem? O exato oposto. Instituições como o FMI protegem credores contra devedores. O resultado é previsível: uma série sem fim de crises da dívida.

Você viveu em Madagascar e costuma citar o país como exemplo das contradições da dívida externa. Como sua experiência lá influenciou suas reflexões sobre a dívida?

Madagascar foi conquistado pela França, em teoria, porque não conseguia pagar suas dívidas. Um jovem príncipe inocente assinou um tratado prometendo concessões de livre comércio e, quando se tornou rei e tentou implementá-lo, foi derrubado. Então o governo francês exigiu indenização e, como Madagascar não pôde pagar, decidiu invadir o país. Mas mesmo depois de a França ter explorado o país por 65 anos e da conquista da independência, Madagascar ainda devia dinheiro à França! Como aconteceu isso, e não o contrário? Como o resto do mundo aceitou isso?

No livro você fala sobre a “dimensão moral” da dívida. Como ela funciona?
 
Dívida sempre foi uma questão de poder. Os verdadeiramente poderosos só precisam pagar suas dívidas se quiserem. Donald Trump faliu várias vezes — quem liga? Olhando para a História, o mais perturbador é o grande poder moral que a dívida tem para fazer relações de dominação violenta parecerem moralmente justificáveis e, mais que isso, para fazer parecer que a culpa é da vítima. E as pessoas aceitam isso. Mesmo quando eu falava do colapso do sistema de saúde em Madagascar causado pelos ajustes econômicos, e das mortes que isso provocou, se eu sugerisse que a dívida do país deveria ser abolida, mesmo os mais liberais diziam: “Mas eles pegaram dinheiro emprestado! Eles têm que pagar”. E eu estava falando da morte de milhares de crianças. Esse é o poder da dívida.

Você já disse que muitos participantes do Occupy Wall Street eram “refugiados da dívida”. Como a dívida fomentou os protestos?

Não fazíamos ideia de quem iria aparecer quando planejamos as ações no Parque Zuccotti. Vieram milhares de jovens que não conhecíamos, então alguns dos organizadores começaram a fazer entrevistas. A surpresa foi como a história deles era parecida. “Estudei duro, entrei numa boa universidade, fiz um empréstimo porque era necessário. Mas de repente os agentes financeiros quebraram a economia com seus negócios escusos e não havia mais empregos. Eles foram socorridos pelo governo, mas eu não fui socorrido. O governo vai assegurar que eles me tirem cada centavo, ainda que não haja emprego algum porque eles quebraram a economia e, como resultado, vou ter que passar o resto da vida escutando que sou caloteiro e imoral porque devo dinheiro a eles. Isso não é justo”

Quais foram as contribuições do Occupy para o debate público?

Fizemos os americanos discutirem classes sociais outra vez. Desde quando isso não acontecia, os anos 1930? E não só isso, mas também poder de classe — esse é o significado do 1% e dos 99%. O 1% é a fração que não apenas detém o lucro do crescimento econômico, mas também faz a maior parte das contribuições de campanha, portanto consegue transformar sua riqueza em poder político e usar esse poder para aumentar sua riqueza. Por isso nos recusamos a participar do processo político, da forma como está ele é apenas suborno institucionalizado. Se não fosse o Occupy, acredito que em 2012 teríamos tido um presidente Romney (lembre-se que no início da campanha a experiência dele em Wall Street era considerada uma vantagem). E veja o que acontece em 2016. Nos dois partidos (Democrata e Republicano) há grandes rebeliões que, de formas muito diferentes, se insurgem contra a corrupção do sistema político.

Depois dos protestos antiglobalização dos anos 1990 e do movimento Occupy, no início deste década, quais são as frentes atuais da luta contra a desigualdade?

Acredito que, desde 2011, houve um realinhamento da compreensão sobre o que significa um movimento democrático. Não é mais possível pensar em democracia como apenas partidos políticos assumindo governos. Tem que significar algo mais, algo que opere também fora do Estado. Isso é verdade na Bósnia, em Hong Kong, no Praça Taksim (Istambul), ou mesmo em lugares como Rojavia, na Síria, que estão fazendo experiências com democracia direta. Está claro que o sistema existente atingiu um ponto de ruptura. Para mim, a grande questão é o renascimento da imaginação econômica, política e social, porque a única sustentação do capitalismo nas últimas décadas, quando perdeu fôlego como força de progresso econômico, foi barrar a imaginação, dizer às pessoas que nada além disso é possível. Acho que precisamos usar muito nossa imaginação, e rápido, ou estaremos em apuros.

Sobre o filme: A revolucao ao contrario

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