A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

28 de março de 2017

há pessoas que só querem ser vizinhos

há pessoas que só querem ser vizinhos
ler diariamente seus horóscopos
amarrar sapatos antes de sair de seus apartamentos
subir e descer nos elevadores

raramente abrem as cortinas
alegam sofrer de dolorosa artrite
não escutam o naufrágio em cada esquina 
sentem-se seguros com seus extintores
nunca assoviam nas escadas
prendem uma corda imaginária
em seus finos tornozelos
sentem frio no inverno
ligam seus ventiladores no verão
confundem sono com insônia

carregam sob os braços
a última versão da convenção do condomínio
certa feita permitiram crocodilos entre os escaninhos
(a convenção apenas proibia cães e gatos)
 
olham seus relógios como quem procura as horas
não percebem o incêndio infinito dos segundos
não escrevem nas paredes
dizem que adoram rimas
mas se perdem na arquitetura de seus corpos

Salvador Passos

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