A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

17 de março de 2017

Livre interpretação de uma gravura de Hans Staden

Vejo a carcaça de um fauno
no regaço agreste.
Ao saírem,
calados,
em fila indiana,
os investidores arrastam
as canetas, as pastas de couro,
os parafusos das cadeiras,
lista de ramais.
Espero até ficar sozinho
e cravo meus dentes na saborosa
ata da reunião.
Mastigo planilhas
com voracidade,
penso
na recepcionista do prédio.
Será que ela tem
mau hálito?
Será que ela tem
gengivas bonitas?
Será que ela tem
amígdalas bonitas?
Deixo a sala.
Engulo os metros
de carpete do corredor
& a simpática
funcionária da limpeza,
que manejava um delicioso
aspirador de pó.
Já no térreo,
à falta da recepcionista,
provo um pouco
do segurança de plantão.
Os caninos de Lévi-Strauss
fascinam os tupinambás e
brotam, como navalhas,
na ladeira da Sacopã,
uma fímbria de sangue,
tijuco da evangelização.
Consulto minha agenda
para saber o endereço
de cada um dos executivos
com quem tratei mais cedo,
na rápida conferência
que me abriu
o apetite.

Faço todos de petisco;

suas famílias também.

Volto à rua, disparo.

Boto para dentro
os semáforos,
as tampas dos bueiros,
os postes de iluminação,
os bancos da Praça Floriano.
Fito o asfalto faminto.
Fito o asfalto, faminto.

Os recifes rubros e ruidosos

contra o piche
são sirenes.
Consigo reconhecê-las
a quilômetros de distância.
Quando eu era pequeno,
canelas à mostra,
costumava correr
atrás de ambulâncias,
a viração do óleo queimado
atiçando a tarde.
 
Paro em um bar e assisto
ao telejornal em closed caption.
Enquanto aguardo a digestão,
gargalho da estupidez
do comentarista político.
E pondero: antes da conta,
uma xícara de café
sempre cai bem.
O deserto de Gobi
cabe em uma ampulheta,
mas eu, arrependido
como um vampiro cristão,
tonto de remorso,
resolvo embarcar em um trem coxo
da Central do Brasil em direção
a Saracuruna.
Ladeio recôncavos & borracharias,
espicho o estômago assombrado
para me intrometer em conversas
que não me dizem respeito.
A fogueira na multidão triunfa
sobre os plutocratas.
Rangem as mandíbulas de nanquim.

João Gabriel Pontes

Nenhum comentário:

Postar um comentário