A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

4 de fevereiro de 2014

Entrevista Manoel de Barros


da Revista da Cultura - dezembro de 2012

Com os 96 anos que se completam este mês, o viver muito e lúcido é uma dádiva ou em alguma circunstância chega a ser um tormento?

Não tenho explicações para os 96. Se a gente faz só o que gosta, ajuda. Mas isso é  ‘um privilégio’. Só faço inutilezas.

Então, sua opinião de outrora, de que havia certa inutilidade na poesia, continua a ser a mesma?

Continua. A ave é uma inocência inútil.

Mas ela te ajuda a entender melhor o tempo, não?

A poesia não ajuda em nada. Ela é de graça.

Nem te ensinou a viver?

Não me ensinou nada – só me envolveu.

E é possível, afinal de contas, definir o que é poesia?

É o mel das palavras.

Pelo menos aprendemos a entende-la ou continua sendo uma vertente literária misteriosa?

Há de ser misteriosa. Eu também não a entendo. Mistério é mistério.

Seu nome é associado cronologicamente à Geração de 45 e também, devido ao conteúdo, ao Modernismo brasileiro. Como você observa a herança deixada por estes movimentos na literatura atual?

Peço perdão, mas não acho nada. Eu já escrevi: Se o nada desaparecer, a poesia acaba.

A internet parece deixar os novos escritores em processos mais isolados em vez de pertencerem a determinados grupos. Isso é bom ou não em sua opinião?

Toda vez que entra internet – eu acato.

Nesse sentido, a produção literária está cada vez mais individualista ou sempre foi desse jeito?

Sempre. Às vezes, o poeta ouve a harmonia das palavras – outras vezes, só ouve o “batecum gererê”.

Você já declarou algumas vezes sobre o prazer de ter sido criado de forma tranquila no Pantanal. De que maneira essa criação definiu sua produção poética?

Fui criado num lugar onde só tinha água, árvore e bicho. Minhas palavras são raiz. Meu avô abastecia a solidão do lugar.

Mas acredita que infância é uma faixa de idade ou um sentimento de espírito?

Eu moro na raiz das palavras. Eu acho que infância é a raiz das palavras. Minhas palavras há de aparecer misturadas ao tronco, às folhas e às  flores. A infância seria então minhas raízes.

Aliás, o quanto que o habitat influencia um escritor e o quanto em anda importa o local onde ele vive?

Acho que tudo importa: ave, água, árvore, brisas.

Outra substância que não a feliz pode preencher a poesia?

Seria assim: depois que os passarinhos recebem as carícias da manhã, eles desvoam livres sobre a tarde.

Você continua escrevendo à lápis. Como encara a modernidade?

Através da linguagem do poeta, reconheço a idade.

Voce pensa na posteridade? Gostaria que daqui a cem anos continuasse sendo um dos nomes mais reconhecidos da literatura brasileira?

Sinceramente penso. Mas tenho todas as dúvidas.

A sua fama de ser recluso é, de alguma maneira, aversão ao “estrelato”?

Sou tímido. Só isso. Um gole de vinho me tira a timidez.

Existe a sua frase famosa: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”. A proporção ainda é a mesma?

Acho que sou uma só mentira. Falo do poeta. Sou linguagem.

Dos poetas e romancistas com os quais você conviveu, qual te traz mais lembranças?

Rimbaud é meu mestre. Aqui no Brasil, Guimarães Rosa, Padre Vieira.

O paralelo entre sua poesia e a prosa de Guimarães Rosa está além do neologismo?

Acho que a linguagem do Rosa modifica o mundo. A minha linguagem apenas quer transver a natureza.

E como você analisa a safra atual de escritores nacionais?

Há dez anos eu só releio.

É possível apontar quais são os seus livros publicados que mais lhe agradam?

Eu não releio meus livros, porque tenho tédio. Mas acho que todos são o que alcancei fazer. Quando terminava um, eu ficava feliz. Mas agora, relê-los me dá tédio!

Mas você está trabalhando em algum livro de poesia, não?

Estou tentanto, com  pouca força, outro livro de prosa poética.

Existe algum ritual especial para você escrever? Ou a poesia flui sem barreiras?

Poesia é trabalho com palavras.

Aliás, você acredita que o mistério nos completa? Quem é Deus, pelo menos para a poesia?

Deus é verbo. O que faz. O que abastece o meu mistério.

E o que é ser poeta?

Fôssemos talvez merecidos de água, de rãs, de árvores, de pedras, de brisa, de garças. A gente dementava as palavras – porque sempre tínhamos visões. Hoje eu vi um lagarto lamber as pernas de manhã. Tínhamos desapetite para copiar. Gostávamos de transver a natureza. A gente não gostava de informar, mas só cantar. As palavras não tinham comportamento. Nossa palavra era raiz – vinha de nossas raízes. E moravam na infância sem comportamento. Quem nasce poeta tem que se conformar que é meio parvo, meio tonto e meio cego. Sempre usávamos visões como esta. Eu vi um prego primaveril! Temos de estudar ignorãnças para saber o formato do silêncio e a cor dos arrebóis. A infância sendo a raiz de nossas palavras tem que trazer a inocência com ela. E a palavra incente há de vir enrolada em seus caracóis. Então o poeta poderá cometer todos os erros de linguagem, por que está amparado na liberdade de ser ainda raiz. Temos de desver a natureza para inventar outra. Assim, hoje eu vi uma garça com olhar de oceano. Por tudo isso e por isso que o poeta tem que se conformar que é um tonto ou um parvo! Por fim: o que forma a imagem poética não é O ver, mas o transver.

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