A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

25 de fevereiro de 2014

Um lapso Pessoal

Desta hora eterna do agora parto
Parto mesmo quando fico
Parto mas já não espero chegar
Pois percebo que não chegar é para sempre
Sei que o que chega já não basta
E no passo a passo deste não chegar eu penso
Não um pensamento exato
Mas um pensamento que beira o nada disto tudo que nós somos
Um pensamento que só é nas horas que não somos
Tenho em meu bolso um endereço e em meu peito um horário
Sei da urgência deste endereço e desta hora
Mas isso também passa
Minha vida inteira parece depender deste endereço e desta hora
Mas no fundo algo além me diz que não
Não sou esse que leva esse endereço no bolso
Quem sou nestas horas que não sou a vida que me atravessa?
Quem sou nestas horas em que sou independente da minha vida e do rumo que as horas me reservam?
As horas passam e me empurram
Mas sigo suspenso e penso
Tento pensar numa metafísica da origem
De onde vem estes pensamentos que não falam desta vida que me atravessa, do agora e da urgência?
Quero como numa nostalgia encontrar o primeiro pensamento
O que são estes pensamentos
Porque penso nestas coisas que não são?
O pensamento é como um braço que não tenho
Um braço metafórico que se estica em direção ao horizonte
A mão deste braço que não tenho busca com os seus dedos tocar coisas
Podem estes dedos tocar o horizonte de todas as coisas?
Esticam-se os dedos do pensar para tocar o infinito
Apesar da imensidão do tudo que se busca tocar
[o entendimento nos escapa por entre os dedos desta mão imaginária que projetamos com o pensamento
Como ínfimo grão de areia todo infinito nos escapa
Como pode o infinito se perder assim como pouco tão nada?
Nada cabe neste não tocar
Só a palavra toca o horizonte
Não com um tocar dos dedos
Pois palavra é branca de dizer
Diz o que se diz por meio dela
Só por meio da palavra é que se diz desde o ínfimo até o infinito
Só por meio da palavra é que se diz que o infinito acaba na palavra
As palavras como pássaros podem tocar o céu por entre as asas do dizer
Como o vento que sopra para além de algo
O horizonte está além desta mão esticada para o nunca
O horizonte é sempre tão nunca
Nunca e sempre ao mesmo tempo
Assim é tudo o que somos
Tão tudo ao mesmo tempo e tão pouco logo depois
Como entender tudo isto que se passa tão além de tudo
As palavras são como pássaros soltos no céu de nossos pensamentos
São os pássaros deste não entender
Nos levam em vôos cada vez mais altos
Voam para longe de tudo que somos

Como tocar o mais além senão por intermédio das palavras?

As palavras encontram tão somente aquilo que mandamos que elas busquem
E desiludidas voltam ao seu ninho nos galhos de nós mesmos
Eis que disto tudo brota a poesia


A poesia é aquilo que dizemos quando calamos
Aquilo tudo que pensamos quando esquecemos
Aquilo tudo que vivemos quando morremos
Aquilo tudo que caminha quando corremos
Aquilo tudo que somos quando não somos
Aquilo tudo que está distante logo adiante
Que é o dizer daquilo que não se diz só pelas palavras

Salvador Passos

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