A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

4 de fevereiro de 2014

TEXTO DE CONSULTA

1

A página branca indicará o discurso
Ou a supressão do discurso?

A página branca aumenta a coisa
Ou ainda diminui o mínimo?

O poema é o texto? O poeta?
O poema é o texto + o poeta?
O poema é o poeta – o texto?

O texto é contexto do poeta
Ou o poeta o contexto do texto?

O texto visível é o texto total
O antetexto o antitexto
Ou as ruínas do texto?
O texto abole
Cria
Ou restaura?

2

O texto deriva do operador do texto
Ou da coletividade – texto?
O texto é manipulado
Pelo operador (ótico)
Pelo operador (cirurgião)
Ou pelo ótico-cirugião?

O texto é dado
Ou dador?
O texto é objeto concreto
Abstrato
Ou concretoabstrato?

O texto quando escreve
Escreve
Ou foi escrito
Reescrito?
O texto será reescrito
Pelo tipógrafo / o leitor / o crítico;
Pela roda do tempo?

Sofre o operador:
O tipógrafo trunca o texto.
Melhor mandar à oficina
O texto já truncado.

3

O texto é o micromenabó do poeta
Ou o poeta o macromenabó do texto?

4

A palavra nasce-me
fere-me
mata-me
coisa-me
ressuscita-me

5

Serviremos a metáfora?
Arquivaremos a?

Metáfora: instrumento máximo;
                                   CASSIRER.
A própria linguagem do homem.
                        ORTEGA Y GASSET
Invenção / translação.

6

A palavra cria o real?
O real cria a palavra?
Mas difícil de aferrar:
Realidade ou alucinação?

Ou será a realidade
Um conjunto de alucinações?

7

Existe o texto regional / nacional
Ou todo texto é universal?
Que relação do texto
Com os dedos? Com os dedos alheios?

Giro                 NÉ POUR D’ÉTERNELS
Com texto a tiracolo
                                  PARCHEMINS
Sem o texto
                                   (MALLARMÉ)
Não decifro o itinerário.

Toda palavra é adâmica:
Nomeia o homem
Que nomeia a palavra.

Querendo situar objetos
Construímos um elenco vertical.
Enumeração caótica?
Antes definição.
Catalogar, próprio do homem.

8

Morrer: perder o texto
Perder a palavra / o discurso

Morrer: perder o texto
Ser metido numa caixa
Com testo
Sem texto.

9

Juízo final do texto:
Serei julgado pela palavra
Do dador da palavra / do sopro / da chama.

O texto-coisa me espia
Com olho de outrem.

Talvez me condene ao ergástulo.

O juízo final
Começa em mim
Nos lindes da
Minha palavra.

MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1994, p.737-740.

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