Entrevista concedida pelo escritor Roberto Piva a Floriano Martins em 1986.
FM - Piva, anarquia ou anarquismo?
RP - Anarquia. Desordem total, sabotagem em regra, insubmissão absoluta. Como diz Léo Ferré, a anarquia é a crítica desesperada, o desespero da solidão. Anarquia é a negação de toda e qualquer autoridade, venha ela de onde vier.
FM - Nós vivemos aqui com uns nós na garganta. O que fazer?
RP - Acredito, com Nietzsche, na reaparição gradual do espírito dionisíaco no mundo contemporâneo. Apesar da caretice generalizada, eu acredito na grande explosão de Dionisus, deus do vinho, deus das bacanais, deus da ecologia e orixá da vegetação. Aqui em São Paulo a polícia fechou uma sauna gay de garotos da periferia e chamou os pais dos garotos na delegacia para humilhá-los e então liberá-los. Foi só a sauna reabrir, e lá estavam todos os garotos outra vez desafiando a autoridade policial, paterna e moral.
William Blake dizia que o desejo que se deixa reprimir não era um desejo suficientemente forte. Debaixo dessa casca dormem com um olho aberto todos os deuses pagãos. O golpe de estado erótico virá e então será a guerra profetizada por Freud no seu livro Totem & Tabu.
FM - O poeta surrealista negro Aimé Césaire, em um poema, diz: “Salve pássaros que abrem com bicadas o verdadeiro ventre do pântano”. Você acha que ele se refere à nossa época e aos poetas?
RP - Claro. O poeta é o que implode o verdadeiro ventre do pântano. Pode ser também o outsider, o louco, o adolescente revoltado, os bruxos, os amantes fora-da-lei, os anárquicos, os drogados, os desordeiros, os visionários etc. Me lembro agora de um verso também de Césaire, onde ele diz: “bárbaro eu a serpente escarradora”. O título deste poema é Bárbaro. Ele termina numa orgia de sangue onde afirma querer “atirar aos cães a carne aveludada de seu tórax”. Toda a poesia verdadeira rima com revolta, amor e liberdade.
FM - E o bom-mocismo na atual poesia brasileira?
RP Artaud afirmava que a poesia é exercício muscular. Jack Kerouac falava que os músculos contêm a essência. A poesia é anterior às palavras. Grande parte da poesia atual brasileira (e não só brasileira) não quer correr risco algum, tem medo do perigo. Então assistimos a volta à poesia de gabinete, onde até a cor de sua escrivaninha os poetas contam nas entrevistas. É uma poesia domada pelo racionalismo cartesiano. Uma poesia de trinta anos atrás que se apoiava na indústria, dançou com o modelo industrial nesta época pós-industrial de biotecnologia e energia solar.
FM - Caminhamos para uma sociedade policial?
RP O monopólio da informação e dos midia nacionais favorece a subordinação administrativa no seu papel de controle social, de burocratização do Mundo, segundo a palavra de Max Weber. A imagem do Estado policial popularizado pelo esquerdismo é retomada com mais variantes pelos ecologistas que sublinham não o seu caráter violento, mas a sua vontade de normalização. Trata-se menos de uma repressão franca e policial do que de uma opressão insidiosa caracterizada pelo domínio do conjunto dos comportamentos. As grandes vítimas desse tipo de normalização, no nosso tempo, foram: Fassbinder, Mishima e Pasolini. Pasolini dizia que o mundo caminhava no sentido de adotar os valores e comportamentos da classe média. Ele foi assassinado por um garoto michê marginal integrado, isto é, um garoto sub-proletário porém com todos os valores da classe média na cabeça. Daqueles que querem uma moto para colocar na garupa uma garota ornamental. Jim Morrison falava nos anos 60 que quem tem o poder da mídia tem o poder da mente. Zé Celso cansou de dizer que a mídia impõe a mensagem. Daí o consumo imposto pelos mídia de alimentos-sucata, de comportamentos-sucata de 50 anos atrás etc.
FM - Qual a sua atividade no momento?
RP - Erotizar e contemplar a árvore de qualidade colérica de que fala Jacob Böehme.
FM - Quando você caminha pelas ruas de São Paulo o que mais chama sua atenção?
RP - Os anões tagarelas, a enfermidade Silêncio, o Controle Central, os macacos não regenerados e os sobreviventes.
FM - Qual a sua profecia para este final de década?
RP - É o princípio do fim. Talvez garotos suburbanos com corpos pintados e máscaras de folhas espalhem um saudável terror com suas garras de leopardo envenenadas. Depois entrarão em cena os acadêmicos da morte, imitações supersônicas e agentes biológicos de inanição. Tudo sob um luminoso em néon escrito DIREITO. Em seguida o Apodrecimento Saturniano Vermelho fará sua aparição num cortejo de macacos de TV e bactérias.
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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