"— Se alguém tem alguma coisa a dizer contra este casamento, fale agora ou cale-se para sempre.
E todos realizaram aquele nosso mais fundo desejo infantil.
Um gritou:
— Eu tenho, reverendo! Essa mulher é uma vagabunda!
— Ela trepou com o noivo antes do casamento!
— Ela já é casada!
— Ela tem um amante!
— Ela cobra um absurdo pra chupar um pau!
Foi com muita fleugma que virei a cabeça para olhar a massa dos fiéis, donde saíam aquelas vozes. Nisso, uma voz gritou:
— Esse cara é viado!
— A mãe dele está na zona!
— Vi ele de sacanagem com a menininha lá fora!
— Ele tem filho com tudo quanto é mulher!
Enquanto diziam aquelas coisas da minha noiva, eu ainda podia tolerar. Mas essa súbita mudança da fortuna, desviando a artilharia de impropérios para cima da minha pessoa, era intolerável. Localizei o cara, e gritei, que ecoou na igreja toda:
— Viado é a puta que o pariu!
E parti pra cima. Enfiei a aliança no mindinho da mão direita, e já cheguei batendo. A primeira porrada com a aliança acertou em cima do olho direito, e espirrou sangue. O filho do cara me agarrou por trás, e eu fiz ele ajoelhar contrito com uma
cotovelada no saco.
O padre pulou como um tigre, e gritou para o sacristão:
— Protege o Santíssimo, o cibório, o ostensório, o turíbulo, o cálice e a patena, que eu vou mostrar a esses filhos da puta o que acontece pra quem não respeita a Casa do Senhor. Arregaçou a batina, e veio com tudo. Não deu para eu me virar a tempo, e o homem de Deus me acertou um pontapé nos rins, que doeu que nem um gole de gim puro em jejum. Rolei no meio das pernas de umas velhas, que caíram para trás, o primeiro
banco derrubou o segundo, que derrubou o terceiro, e assim até a entrada da igreja, como se fossem pedras de dominó. Do alto do púlpito, o sacristão bombardeava a balbúrdia com hóstias, galhetas de vinho, mitras episcopais, versos em latim, gritando sem parar:
— Mas que diabo de casamento é esse?"
Trecho do Livro:Agora é que são elas
p.leminski
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário