A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

13 de janeiro de 2012

(des)engano

- Alô?
- Alô.
- Alô??
- Sim, estou te ouvindo.
- Merda, até quando quero achar meu próprio celular ligo pro número errado... Desculpa aê!
- Cê é maluco de ficar gritando assim comigo porra?!
- ...
- ...
- ...
- Olha desculpa por ter gritado contigo.
- ...
- E por falar palavrão.
- Mas eu também falei.
- Hehe, é mesmo... !
- Desculpa, é que eu tô meio com pressa e preciso achar meu celular. Tava tentando ligar pra ver se ele tocava por perto, mas acabei ligando pra você.
- Eu entendi
- ...
- Sua voz me parece familiar.
- ....

(voz feminina do outro lado da linha ao fundo: Amor vem logo tô te esperando.)

- Que voz é essa aí? É a Júlia?
- Sim, como você conhece ela? Quem tá falando?
- Ricardo
-Ricardo?
- Sou eu
- Você?
- Sim, o que você tá fazendo aí com a Júlia?
- Meu amigo, eu que te pergunto de onde você conhece ela?
- Tú é cara de pau mesmo não é?
- Como é que é! Tú tá doidão?

(voz feminina do outro lado da linha ao fundo: Com quem você tá falando?)

- Sei lá, um doido...
- Doido o cacete, já te falei, me chamo Ricardo, sou o marido da Júlia.
- Ricardo?
- Sim, é o que eu tô te falando, eu sou Ricardo, marido da Júlia e esse telefone aí é meu.
- Me desculpe, mas isso não pode ser!
- Não pode ser? Não pode ser mas é! Cada uma, o sujeito tá com minha mulher e ainda tem a cara de pau de atender meu celular. Contando ninguém acredita!
- Por acaso isso é algum trote?
- Não é trote não seu merda, tô te falando, deixa eu falar com minha mulher porra!
- Calma, eu conheço tua voz!
- Deixa eu falar com a minha mulher!
- Olha só, já perdeu a graça eu vou desligar!
- Como é que é!
- É isso ai, eu tô aqui numa boa com a Júlia e você vem com essa palhaçada toda.
- Não acredito nisso!
- Adeus.

tu-tu-tu-tu-tu-tu

(Telefone volta a tocar)

- Alô.

(voz feminina do outro lado da linha ao fundo: Porra eu falei pra não atender de novo)

- Olha só seu merda, põe a Júlia no telefone.
- Meu amigo, vou chamar a polícia viu.
- Quem vai chamar a polícia sou eu!
- Não sei quem é você, mas isso não tem graça nenhuma!
- Eu já disse, sou Ricardo, deixa eu falar coma Júlia!
- Então prove que você é mesmo o Ricardo!
- Como é que é?
- Prova!
- [?]
- Se você é quem diz, quando é teu aniversário? Prove que você é você!
- Hein?
- Fala ai, quando é teu aniversário?
- Puta que pariu.
- Fala CARALHO!
- Novembro.
- Que dia porra!
- 13
- Quer saber. Isso não prova nada! Qualquer um pode descobrir essa informação...
- Hã?
- É na internet, basta fazer uma busca no google, agente descobre cada coisa...
- ...
- Qual teu CPF?
- Puta que pariu, coloca a Júlia na linha AGORA!!!
- CPF não, tem outra melhor, qual a senha do teu cartão do banco? Essa ninguém poderia saber!
- Amigo, não sei qual é a tua, mas...
- A senha não, a Júlia poderia ter contato pra alguém só de zoação...

(voz feminina do outro lado da linha ao fundo: Gato, para de falar com esse chato aí, tô te esperando...)

- Pera aí... quero ver se ele acerta essa...
- Não vou responder NADA! Avisa a Júlia que tá tudo acabado.
- Antes responde minha pergunta: Qual o nome da primeira mulher que eu comi!
- Como é que vou saber isso?
- Foi mal, da primeira que você comeu!
- Pra que quer saber disso?
- Responde cacete!
- Sei lá, acho que era Pâmela, uma loira oxigenada, do tipo gostosona, tinha cada pernão, que nossa senhora, apaixonei viu...
- Podes crer, mas isso deve ser nome de guerra, quem colocaria o nome da filha de Pâmela?
- Pois é! A única explicação seria o pai já saber a futura profissão da filha.
- Foi bom!
- Sim, muito bom.
- Não tô perguntando.
- Como é que é? Tú acabou de perguntar o nome dela?
- Eu quis dizer que não tô perguntando se foi bom. Eu só tô dizendo.
- Dizendo?
- Sim. Dizendo, do verbo estar afirmando que "foi bom a primeira vez com a Pâmela"!
- É sério isso?
- Lógico que é!
- [???]
- Ei, você ainda está ai?
- Tô, mas você conheceu a Pâmela?
- Claro. Mas me diz uma coisa de onde você tá ligando?
- Dá minha casa ora! Deixa eu falar com a Júlia!
- Não pode ser.
- Como não pode ser? Pra que eu ia mentir pra você?
- Não pode ser...
- Mas é!
- Mas não pode.
- Porque não pode?
- Por quê EU tô na minha casa!
- E daí!?
- E daí que não pode ser.
- Hein, por que não poderia?
- Já disse, eu tô na minha casa.
- Não tô te entendendo!
- Se eu tô na minha casa, como é que você pode estar na tua?
- Caraca, tú é doido mesmo. Cara de pau e doido.

(voz feminina do outro lado da linha ao fundo: Ricardo, porra, tú tá de sacanagem né, desliga essa merda de telefone...)

- O que foi que ela disse?
- Ela tá me chamando.
- Chamando você ou chamando a mim?
- Pô, agora você me complicou!
- Você se chama Ricardo?
- Sim, você não telefonou pro celular do Ricardo? Eu sou Ricardo!
- Não, eu telefonei pro meu telefone.
- Então!


(voz feminina do outro lado da linha ao fundo: PUTA QUE PARIU, agente nunca tem um tempo pra gente, e você fica de historinha ai nesse telefone!)

- Cara, tenho que ir, você sabe como ela é.
- É eu sei. Melhor você ir mesmo.
- Valeu cara um abraço, prazer falar contigo.
- Calma aí, antes me responde uma coisa.
- Tá, mas tem de ser rápido. A mulher tá uma fera aqui.
- Tá bom, não queria ser você numa hora destas.
- Nem eu.
- Hahahahaha.
- Como é que isso foi acontecer?
- Isso o quê? O telefone ou tudo?
- Sei lá, as duas coisas. Tô meio perdido, contas pra pagar, o trabalho, ela quer ter um filho, não sei onde ando com a cabeça.
- Pô cara, era essa a pergunta?
- Não, nem era, foi mal é que nessa correria acabo não sabendo onde deixei as coisas.
- Ufa, não quero te deixar na mão, adoraria conversar mais, mas agora não dá pra ter papos existencialistas. Além disso, como vou explicar isso pra Júlia?
- Tá tranquilo.
- Sabe, hoje agente tá numa boa, se eu ficar aqui falando contigo vai estragar tudo.
- Já eu não tô com essa sorte toda, tô atrasadasso, ela tá me esperando na porta do cinema, e eu não acho a porra do meu celular.
- Era isso?
- Não.
- Então, pergunta logo cara. Olha, se quiser a gente marca um chope numa outra hora beleza?
- Beleza.
- Pode ligar qualquer hora, você tem meu telefone.
- Hahahaha
- Ok. Tô indo lá.
- Calma aí!
- O que foi? Pô, você tá querendo me complicar?
- Não, não é isso. É que você não respondeu a minha pergunta.
- Fala. Qual a pergunta?
- Onde é que tá meu celular?

Parapsicografando Tomás Mais

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