A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

25 de abril de 2013

A Europa hoje é um projeto da não Utopia (Ignacio Ramonet)

Ignacio Ramonet (Redondela, 1943), é um dos pensadores mais lúcidos dos últimos tempos. Instalado em Paris desde 1972, sociólogo e semiólogo, especialista em geopolítica, professor de teoria da comunicação, sagaz jornalista, sua forma de ver e interpretar a modernidade e, por extensão, a globalização, faz de suas ideias um ponto de inflexão necessário contra o pensamento dominante. Falamos com ele sobre a atualidade política, a crise e os emergentes movimentos sociais, a Europa e o porvir.



Entrevista Publicada na Carta Maior

Assistimos a um renascimento dos movimentos de protesto cidadão?
Ignacio Ramonet – Desde que estourou a atual crise econômico-financeira, em 2008, estamos assistindo uma multiplicação dos movimentos de protesto cidadão. Em primeiro lugar, nos países mais afetados (Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha), os cidadãos – civicamente – apostaram em apoiar, com seus votos, a oposição, pensando que esta traria uma mudança de política tendente a menos austeridade e menos ajuste. Mas quando todos estes países mudaram de Governo, passando da esquerda ou centro-esquerda à direita ou centro-direita, a estupefação foi completa, já que os novos Governos conservadores radicalizaram ainda mais as políticas restritivas e exigiram mais sacrifícios, mais sangue e mais lágrimas aos cidadãos. Aí é quando começam os protestos. Sobretudo porque os cidadãos têm diante de seus olhos os exemplos de dois protestos com êxito: o do povo unido na Islândia e o dos contestadores que derrubaram as ditaduras na Tunísia e no Egito. Além disso, destaca o fato de que as redes sociais estão facilitando formas da organização espontânea das massas sem necessidade de líder, de organização política, nem de programa. Tudo está preparado então para que surjam, em maio de 2011, os indignados espanhóis, e que seu exemplo se imite de um modo ou outro em toda a Europa do sul.

Por que os partidos políticos da esquerda são mal compreendidos por estes movimentos?
Porque o que os meios de comunicação qualificam de "partidos políticos da esquerda" tem, na opinião desses movimentos e das maiorias exasperadas, muito pouco de esquerda. Não se pode esquecer, também, que estes partidos estão comprometidos com esta mesma política conservadora que eles foram os primeiros a aplicar, sem anestesia. Lembre o que aconteceu na Espanha quando, de uma hora para a outra, em maio de 2011, Rodríguez Zapatero, sem avisar nem explicar, decidiu aplicar um brutal plano de ajuste ultraliberal que era exatamente o contrário do DNA do socialismo.

Qual foi o pecado original de Maio de 68? Os movimentos de hoje são filhos tardios de 68? Acha que podem realmente construir contrapoder político, alternativa real de Governo, ou são movimentos emocionais?
Não se podem comparar as duas épocas. Maio de 68 era uma crise contra um país em expansão (nascimento da sociedade de consumo, crescimento alto, pleno emprego), que continuava sendo profundamente conservador e até arcaico em matéria de costumes. Hoje sabemos que foi menos uma crise política que uma crise cultural. O movimento do 15M, entretanto, é o reflexo da queda geral de todas as instituições (Coroa, justiça, Governo, oposição, Igreja, autonomias...). Nesse sentido, é o mais positivo que aconteceu na política espanhola desde o final do franquismo. O mais fresco e inovador. Ainda que não se tenha traduzido em movimento político com perspectivas de conquistar o poder, revela um sentimento profundo de saturação da sociedade espanhola golpeada pela crise e pelas brutais medidas de austeridade do Governo de Mariano Rajoy. Poder-se-ia dizer que os movimentos de protesto são uma boa notícia, já que demonstram que as sociedades europeias, e em particular sua juventude tão castigada pela crise social, está expressando seu descontentamento geral com a situação que se está vivendo e com o tipo de solução neoliberal que os Governos e a União Europeia estão aplicando contra a crise. Estes movimentos recusam a adoção de medidas de austeridade extremamente sérias de ajuste econômico, em uma Europa do sul onde mais de 20% dos jovens menores de trinta anos se encontram desempregado. Curiosamente, esta juventude se expressa de uma maneira pacífica, não violenta, inspirando-se em vários movimentos gerais.

Que outros efeitos esta crise na Europa está produzindo?
A crise está se traduzindo também em um aumento do medo e do ressentimento. As pessoas vivem em estado de ansiedade e de incerteza. Voltam os grandes pânicos diante de ameaças indeterminadas como podem ser a perda do emprego, os choques tecnológicos, as biotecnologias, as catástrofes naturais, a insegurança generalizada. Tudo isso é um desafio para as democracias, porque esse "terror difuso" se transforma, muitas vezes, em ódio e repúdio. Em vários países europeus, esse ódio se dirige hoje contra o estrangeiro, o imigrante, o diferente, os outros (muçulmanos, ciganos, subsaarianos, imigrantes sem papéis...) e crescem os partidos xenófobos, racistas e de extrema direita.

Os movimentos sociais e políticos atuais, culminando no 15M, são capazes de superar os partidos políticos tradicionais da esquerda?
Não sabemos fazer política sem partidos políticos. O que reivindicam os contestadores, os indignados em quase toda a Europa do sul é mudar as regras do jogo: desmontar o truque. Novas regras suporiam, por exemplo, na Espanha, uma nova Constituição como reivindica um número cada vez maior de cidadãos. Uma Constituição que dê mais poder aos cidadãos, que garanta mais justiça social e que sancione os responsáveis pelo atual naufrágio. Um naufrágio que não pode surpreender ninguém. O escândalo das hipotecas lixo era sabido por todos. O mesmo que o excesso de liquidez orientado à especulação, e a explosão delirante dos preços da moradia. Ninguém se queixava porque o crime beneficiava a muitos. E se continuou afirmando que a empresa privada e o mercado arrumariam tudo. Na longa história da economia, o Estado tem sido sempre um ator central. Apenas há trinta anos – ou seja, nada em uma história de séculos –, o mercado quis expulsar o Estado do campo da economia. Há que voltar ao senso comum, a um keynesianismo razoável: tanto Estado como seja necessário e tanto mercado como seja indispensável. A prova evidente do fracasso do sistema neoliberal atual são os ajustes e resgates que demonstram que os mercados não são capazes de regular-se por si próprios. Autodestruíram-se por sua própria voracidade. Também se confirma uma lei do cinismo neoliberal: se privatizam os benefícios, mas se socializam as perdas. Agora se faz os pobres pagarem as excentricidades irracionais dos banqueiros, e se ameaça em caso de que se neguem a pagar, com empobrecê-los ainda mais! Produzir-se-á um incêndio social? Não é impossível. As repercussões sociais do cataclismo econômico são de uma brutalidade inédita: 23 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 80 milhões de pobres. Os jovens aparecem como as vítimas principais. Por isso, de Madri a Londres e Atenas, de Nicósia a Roma, uma onda de indignação levanta a juventude. Acrescente-se também que, na atualidade, as classes médias também estão assustadas porque o modelo neoliberal de crescimento as está abandonando na beira do caminho. Na Espanha, uma parte se uniu aos jovens para reprovar o integralismo ultraliberal da União Europeia e do Governo. “Não nos representam”, disseram todos os indignados.

Como você vê a Europa e o projeto comum europeu dominado, nestes anos, pela Alemanha e sua política de austeridade?
O curso da globalização parece suspenso. Fala-se cada vez mais de desglobalização, de decrescimento. O pêndulo havia ido longe demais na direção neoliberal e agora poderia ir na direção contrária. Chegou a hora de reinventar a política e o mundo. Todas as sociedades do sul da Europa se voltaram furiosamente anti-alemãs, uma vez que a Alemanha, sem que ninguém tenha lhe outorgado esse direito, se erigiu em chefe – autoproclamado – da União Europeia, erigindo um programa de sadismo econômico. A Europa é agora, para milhões de cidadãos, sinônimo de castigo e sofrimento: uma utopia negativa.

Existem alternativas frente ao abandono do campo de batalha da socialdemocracia tradicional?
A socialdemocracia fracassou porque ela mesma participou na liquidação do Estado de bem-estar, que era sua principal conquista e seu grande sinal de identidade. Daí o desarraigo de muitos cidadãos que passam da política abstendo-se, limitando-se a protestar ou votando por Beppe Grillo (que é uma maneira de preferir um palhaço autêntico em lugar de suas hipócritas cópias). Outros decidiram votar à extrema direita, que sobe espetacularmente em todos os lugares, ou em menor grau, optar pela esquerda da esquerda que encarna hoje o único discurso progressista audível. Assim estavam também na América Latina há pouco mais de uma década, quando os protestos derrubavam Governos democraticamente eleitos (na Argentina, Bolívia, Equador, Peru...), que aplicavam com fúria os ajustes ditados pelo FMI. Até que os movimentos sociais de protesto convergiram com uma geração de novos líderes políticos (Chávez, Morales, Correa, Kirchner, Lula, Lugo...) que canalizaram a poderosa energia transformadora e os conduziram a votar nas urnas programas de refundação política (constituinte), de reconquista econômica (nacionalizações, keynesianismo) e de regeneração social. Nesse sentido, se observa como a América Latina lhe está indicando o caminho a uma Europa desorientada e grogue.

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