É a partir de histórias como a do assassinato de Douglas que muitas ações dos black blocs nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo devem ser entendidas.
No dia 3 janeiro à noite, bem antes das Jornadas de Junho, uma
chacina chocou São Paulo. Laércio de Souza Grimas, o DJ Lah, de 33
anos, do grupo Conexão do Morro, foi assassinado com outras seis pessoas
num bar do Campo Limpo, zona Sul de São Paulo. Bar que ficava em frente
ao local onde tinha sido assassinado o pedreiro Paulo Batista do
Nascimento, numa execução que, filmada, acabou no Fantástico da Rede
Globo.
No dia 7 de janeiro, ainda em férias, escrevi um post sobre o assunto. Um dos trechos:
“Segue um relato-reportagem, a meu pedido, feito pelo repórter Igor Carvalho sobre o caso do massacre de Campo Limpo e seu contexto. Igor esteve ontem no local da chacina e conversou com uma série de pessoas que pediram anonimato. O clima em Campo Limpo e em outros bairros da periferia é terrível. Misto de revolta e medo. Perfeito para produzir reações extremadas. Quem acha que a situação atual é ruim, vai ter saudades do hoje. São Paulo pode virar um inferno. Eu, acima assinante, responsabilizo Alckmin por isso. Foi ele quem disse que quem não reagiu está vivo. E que de certa forma autorizou a bárbarie.” Você pode ler a nota inteira aqui
Este texto não foi premonitório. Era simples análise jornalística com base em informações apuradas pelo repórter Igor Carvalho e por mim. Uns sessenta dias após escrevê-lo, encontrei-me com um personagem importante no contexto da periferia paulistana. No meio da conversa-entrevista ele me pediu para desligar o gravador e disse algo mais ou menos assim:“o povo vai reagir, a molecada tá se mexendo e vai para cima… A coisa vai ficar feia”.
Lembrei disso no dia 6 de junho, quando por acaso me encontrei no meio da conflito do primeiro ato do Movimento Passe Livre no centro de São Paulo. Fiquei impressionado com o olhar de raiva daqueles garotos e garotas que escondiam seus rostos sob camisetas e pedaços de pano. E registrei aqui no blogue um post do qual extraio o trecho abaixo:
“Eram garotos pobres, com muita raiva. Garotos e garotas indignados e revoltados. E que pareciam não estar ali só por conta do aumento da passagem, mas porque precisam gritar que existem (…) A periferia brasileira está em movimento e em disputa. E se a cidade não passar a ser pensada para esses milhões de jovens, em breve algo muito maior do que aconteceu na quinta vai estourar.”
No domingo, Douglas Rodrigues, de 17 anos, foi baleado de forma covarde por um Policial Militar. E antes de morrer, segundo seu irmão de 12 anos, perguntou: "Senhor, por que o senhor atirou em mim?"
Ainda no domingo, as ruas da Vila Medeiros foram tomadas por pessoas revoltadas com este fato. Ontem à noite, foi a rodovia Fernão Dias que literalmente pegou fogo. Atacaram carros, caminhões, imóveis… Uma revolta generalizada escrita em sangue pelas últimas palavras de um garoto de 17 anos: “Senhor, por que o senhor atirou em mim?”
É a partir de histórias como essa que as cenas de agressão ao coronel Reynaldo Rossi, que geraram comoção midiática, precisam ser entendidas. Vejam bem, não estou dizendo que precisam ser justificadas.
É a partir de histórias como a do assassinato de Douglas que muitas ações dos blacks blocs nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo devem ser entendidas. Vejam bem, não estou dizendo que devem ser justificadas.
Os jovens de periferia não querem mais ver irmãos, parentes, amigos, colegas ou apenas conhecidos, serem enterrados porque cometeram o crime de terem nascido, em geral negros, e viverem nas periferias. Eles estão dizendo chega.
E a nossa democracia, sim, democracia, não tem dado conta de resolver esse problema. E eles perderam o medo de perder a vida se necessário for para mostrar que não irão bovinamente para covas rasas de cemitérios. Assassinados por polícias que deveriam preservar suas vidas. E vitimados por um Estado que não lhes garante futuro e nem paz.
A ação black block no Brasil (e ela é diferente de outros países), se alguém ainda tinha dúvida, é fruto, sim, também disso. E principalmente disso. Da violência policial. Os black blocs nunca lutaram por vinte centavos, por transporte melhor ou por melhores salários dos professores. Esses meninos têm ódio da polícia. Eles pulam de ódio da polícia. Eles querem derrotar a polícia. Não são só garotos e garotas de periferia. Mas os que não são também não aceitam como legítima a ação das forças policiais. E querem derrotar a polícia.
Se acho isso bom? Se acho isso ruim? Não acho nada. Quero que a democracia que construímos seja capaz de se relacionar com essa questão sem tentar eliminar fisicamente esses meninos e meninas. E sem criminalizar suas ações e reações.
E que a nossa inteligência seja capaz de ir além de simplismos como a de chamá-los de vândalos e fascistas.
Até porque a preguiça intelectual também é uma forma de violência dos que têm o poder de pautar o debate na sociedade. Os black blocs não precisam da minha defesa. Até porque não me associo às suas práticas. Mas entendo perfeitamente os garotos e garotas que têm ódio da polícia. Se Douglas, fosse seu filho, irmão, primo, amigo, será que você não entenderia?
- Senhor, por que o senhor atirou em mim…
PS: Se você ainda tem dúvida do quão essa história não começou em junho deste ano, leia esta pequena nota:Massacre do Carandiru: da ditadura ao DJ Lah, do Igor Carvalho.
No dia 7 de janeiro, ainda em férias, escrevi um post sobre o assunto. Um dos trechos:
“Segue um relato-reportagem, a meu pedido, feito pelo repórter Igor Carvalho sobre o caso do massacre de Campo Limpo e seu contexto. Igor esteve ontem no local da chacina e conversou com uma série de pessoas que pediram anonimato. O clima em Campo Limpo e em outros bairros da periferia é terrível. Misto de revolta e medo. Perfeito para produzir reações extremadas. Quem acha que a situação atual é ruim, vai ter saudades do hoje. São Paulo pode virar um inferno. Eu, acima assinante, responsabilizo Alckmin por isso. Foi ele quem disse que quem não reagiu está vivo. E que de certa forma autorizou a bárbarie.” Você pode ler a nota inteira aqui
Este texto não foi premonitório. Era simples análise jornalística com base em informações apuradas pelo repórter Igor Carvalho e por mim. Uns sessenta dias após escrevê-lo, encontrei-me com um personagem importante no contexto da periferia paulistana. No meio da conversa-entrevista ele me pediu para desligar o gravador e disse algo mais ou menos assim:“o povo vai reagir, a molecada tá se mexendo e vai para cima… A coisa vai ficar feia”.
Lembrei disso no dia 6 de junho, quando por acaso me encontrei no meio da conflito do primeiro ato do Movimento Passe Livre no centro de São Paulo. Fiquei impressionado com o olhar de raiva daqueles garotos e garotas que escondiam seus rostos sob camisetas e pedaços de pano. E registrei aqui no blogue um post do qual extraio o trecho abaixo:
“Eram garotos pobres, com muita raiva. Garotos e garotas indignados e revoltados. E que pareciam não estar ali só por conta do aumento da passagem, mas porque precisam gritar que existem (…) A periferia brasileira está em movimento e em disputa. E se a cidade não passar a ser pensada para esses milhões de jovens, em breve algo muito maior do que aconteceu na quinta vai estourar.”
No domingo, Douglas Rodrigues, de 17 anos, foi baleado de forma covarde por um Policial Militar. E antes de morrer, segundo seu irmão de 12 anos, perguntou: "Senhor, por que o senhor atirou em mim?"
Ainda no domingo, as ruas da Vila Medeiros foram tomadas por pessoas revoltadas com este fato. Ontem à noite, foi a rodovia Fernão Dias que literalmente pegou fogo. Atacaram carros, caminhões, imóveis… Uma revolta generalizada escrita em sangue pelas últimas palavras de um garoto de 17 anos: “Senhor, por que o senhor atirou em mim?”
É a partir de histórias como essa que as cenas de agressão ao coronel Reynaldo Rossi, que geraram comoção midiática, precisam ser entendidas. Vejam bem, não estou dizendo que precisam ser justificadas.
É a partir de histórias como a do assassinato de Douglas que muitas ações dos blacks blocs nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo devem ser entendidas. Vejam bem, não estou dizendo que devem ser justificadas.
Os jovens de periferia não querem mais ver irmãos, parentes, amigos, colegas ou apenas conhecidos, serem enterrados porque cometeram o crime de terem nascido, em geral negros, e viverem nas periferias. Eles estão dizendo chega.
E a nossa democracia, sim, democracia, não tem dado conta de resolver esse problema. E eles perderam o medo de perder a vida se necessário for para mostrar que não irão bovinamente para covas rasas de cemitérios. Assassinados por polícias que deveriam preservar suas vidas. E vitimados por um Estado que não lhes garante futuro e nem paz.
A ação black block no Brasil (e ela é diferente de outros países), se alguém ainda tinha dúvida, é fruto, sim, também disso. E principalmente disso. Da violência policial. Os black blocs nunca lutaram por vinte centavos, por transporte melhor ou por melhores salários dos professores. Esses meninos têm ódio da polícia. Eles pulam de ódio da polícia. Eles querem derrotar a polícia. Não são só garotos e garotas de periferia. Mas os que não são também não aceitam como legítima a ação das forças policiais. E querem derrotar a polícia.
Se acho isso bom? Se acho isso ruim? Não acho nada. Quero que a democracia que construímos seja capaz de se relacionar com essa questão sem tentar eliminar fisicamente esses meninos e meninas. E sem criminalizar suas ações e reações.
E que a nossa inteligência seja capaz de ir além de simplismos como a de chamá-los de vândalos e fascistas.
Até porque a preguiça intelectual também é uma forma de violência dos que têm o poder de pautar o debate na sociedade. Os black blocs não precisam da minha defesa. Até porque não me associo às suas práticas. Mas entendo perfeitamente os garotos e garotas que têm ódio da polícia. Se Douglas, fosse seu filho, irmão, primo, amigo, será que você não entenderia?
- Senhor, por que o senhor atirou em mim…
PS: Se você ainda tem dúvida do quão essa história não começou em junho deste ano, leia esta pequena nota:Massacre do Carandiru: da ditadura ao DJ Lah, do Igor Carvalho.
PS:
O PM assassino de Douglas alega que sua arma disparou de forma
acidental porque a porta do carro da viatura bateu na sua mão. Na
delegacia, ele foi preso por acidente culposo, quando não há intenção de
matar. E seus amigos da PM há reuniram testemunham que se dispuseram a
corroborar essa versão inverosímel e que é contestada por quem estava
lá. Mas não é só isso. Enquanto a mãe de Douglas dava entrevistas, carros de polícia passavam
na frente de sua casa numa clara demonstração de intimidação. E 90
pessoas foram presas porque se revoltaram ontem à noite com tudo isso.
Não, o caso Amarildo não é uma exceção. E você ainda acha que o correto é
ficar quieto e fazer de conta que tudo isso é coisa da vida?
Créditos da foto: Racismo Ambiental
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