Nas esquinas estão traficando
olhares,
drogas,
sustos.
Estão transitando nas calçadas:
vômito,
fumaça,
dinheiro.
Baixaram esbanjando charme,
poeira.
Lua
e sombra.
Brancos são os faróis do inferno.
Negros são o sono e a paz.
Não enxergo! Não enxergo!
E por quê, então?
Mas não há tempo…
Um presságio cruza o ar…
O clarão repica no céu…
Lágrimas!
Algumas bocas tolas se abrem…
algum mosquito sempre entra,
mas nunca os vejo saírem…
enfim.
Enquanto chove, relâmpago.
É noite de lua cheia,
sexta-feira.
Sob os toldos dos estabelecimentos comerciais onde
[os trabalhadores cansaram
o futuro se esconde
da água que Deus mandou para si mesmo.
Relâmpago.
No escuro casual estão traficando
sorrisos,
filhos,
sexo ilícito! Sexo ilícito!
Passou a polícia…
Relâmpago!
“Estão todos proibidos! Mendigos fascistas!”
(Do lado de fora de um casamento luxuoso
a maré vai subindo…)
Um rugido grave e distante quase não se ouve:
Alguns sentem uma pontada de ansiedade…
O coração vibra,
a chuva passou,
vamos andar.
O pólen das fêmeas
faz coçar o nariz dos machos.
Cachos dourados de nuvens rápidas
e vestido negro.
Sonhos rastejam no ar.
O futuro se espalha pelas ruas.
A lua espia,
faz sombra…
Relâmpago.
A lua sumiu.
Estou animado: o mundo de olhos estalados!
Lindas lágrimas inocentes.
Eu não desisto,
procuro vultos no negro de toda pupila.
De passagem, o poeta fala,
encarnado em sua cobaia:
“Cobaias!”
E o espírito do poeta se dissipa no ar…
sua cobaia cai,
bêbada, esquecida…
Relâmpago!
Na noite vigorosa
o tempo pára…
e um velho amigo me lembra daquele pântano.
Fico excitado.
Respiro fundo.
Desejo a estrada.
Mulheres gargalham como lobas bêbadas para a lua cheia.
“Mãezinha está aqui, mãezinha está aqui!,
toda de azul”,
(Relâmpago!)
fala a criança
e passa.
Espírito?
Passou um…
agora mesmo.
E passa.
Vejam! Realmente…
o mundo está doido.
Os cachorros latem…
a lua está cheia demais!
Insisto.
…
(…estou de olhos fechados.
Meu bem segura a minha mão.
Estamos na beira do mar.
Relâmpago no Fundo do Mar!)
…
Dou um trago na fumaça,
abro os olhos, seguro e passo.
Agora vejo seres imortais desmanchando no solo.
Soa a sirene da fábrica, estamos em guerra!:
Vem a tempestade!
Relâmpago.
Vento de sonhos.
Cidades, Esconderijos, Florestas:
Relâmpago.
(O clarão repica no céu)
Saudade…
efêmera.
O futuro aparece e esconde.
Pântano!
Aí vem a tempestade.
Os corações transbordam juntos…
memórias, relâmpago!
(o tempo pára)
(Os gatos se escondem, atentos.
Os cães detentos choram;
os livres se juntam aos gatos)
A cidade está subindo, relâmpago!
O mar está crescendo… tântrico…
Rua, ar fresco, pessoas, bares, música.
Mulheres & Homens.
Bonança, agora.
Risos & Sorrisos.
Noite…
Vozes doces, tilintar de copos de cerveja…
Silêncio…
Risada, vozes doces, brindes, olhares…
olhares & sons…
Silêncio… um presságio cruza o ar.
– o vento…
Acendo um cigarro, contemplo o movimento
e espero…
espero…
(sons)
vozes, brindes, a rua…
o coração palpita: um trago…
Uma lembrança, o futuro, uma angústia…
um tempo, um vulto…
bonito!
Um trago… solto… olho:
estrela, nuvem, lua…
Cheia! Cheia!!
Maré?, a vida?, surpresa!:
Memória?:
Relâmpago!
Quântico?
Relâmpago! Relâmpago!!!
Marejam
os olhos
e entendo!:
Relâmpago!
A vida está sendo!
Meu Deus, Relâmpago!
Os homens estão a sonhar.
Vejo os olhos, negros, no ar…
relâmpagos…
Os homens estão a sonhar.
(pausa…
silêncio…
expectativa…
…
…
…)
Em um único, potente e grave estrondo,
exatamente no meio da noite,
sôa o Trovão
(…
…
…),
enche de ondas o coração…
A vida vibra
como se tivesse acabado de criar.
Todos, disfarçadamente, olham para o céu,
desconfiados…
e, sem pressa, voltam a conversar.
Dou o último trago
e vejo tudo continuar.
O estrondo ecoa pelo meu corpo.
Vozes doces, noite fresca para amar.
A paixão continua no ar
e os copos a dançar.
Me levanto, vou embora.
Agora caminho na rua molhada,
brilhante.
Cachos negros de nuvens lentas
e vestido branco.
A tempestade passou.
Nas esquinas estão rindo,
beijando,
passando…
passando…
Um último, disperso e grave coro
ruge do céu já de estrelas…
sonhos flutuam luar…
E a noite abre suas asas…
porque a noite é infinita.
E a lua dourando me lembra,
como no velho presságio,
que também é infinito o mar.
Gabriel Megracko
A Caverna
Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes
Jean Louis Battre, 2010
Jean Louis Battre, 2010
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