A Caverna

Esta é a caverna, quando a caverna nos é negada/Estas páginas são as paredes da antiga caverna de novo entre nós/A nova antiga caverna/Antiga na sua primordialidade/no seu sentido essencial/ali onde nossos antepassados sentavam a volta da fogueira/Aqui os que passam se encontram nos versos de outros/os meus versos são teus/os teus meus/os eus meus teus /aqui somos todos outros/e sendo outros não somos sós/sendo outros somos nós/somos irmandade/humanidade/vamos passando/lendo os outros em nós mesmos/e cada um que passa se deixa/essa vontade de não morrer/de seguir/de tocar/de comunicar/estamos sós entre nós mesmos/a palavra é a busca de sentido/busca pelo outro/busca do irmão/busca de algo além/quiçá um deus/a busca do amor/busca do nada e do tudo/qualquer busca que seja ou apenas o caminho/ o que podemos oferecer uns aos outros a não ser nosso eu mesmo esmo de si?/o que oferecer além do nosso não saber?/nossa solidão?/somos sós no silêncio, mas não na caverna/ cada um que passa pinta a parede desta caverna com seus símbolos/como as portas de um banheiro metafísico/este blog é metáfora da caverna de novo entre nós/uma porta de banheiro/onde cada outro/na sua solidão multidão/inscreve pedaços de alma na forma de qualquer coisa/versos/desenhos/fotos/arte/literatura/anti-literatura/desregramento/inventando/inversando reversamento mundo afora dentro de versos reversos solitários de si mesmos/fotografias da alma/deixem suas almas por aqui/ao fim destas frases terei morrido um pouco/mas como diria o poeta, ninguém é pai de um poema sem morrer antes

Jean Louis Battre, 2010

30 de junho de 2010

Pneumotórax

Febre, hemoptiase, dispinéia
e suores noturnos.
A vida inteira que
podia ter sido e não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três....
trinta e três...
trinta e três...
- Respire.

...........................

- O Sr. Tem uma exvacuação
no pulmão esquerdo
e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor,
não é possível tentar
o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango
argentino.

Manuel Bandeira

18 de junho de 2010

Retorno à filosofia para salvar democracia

" Todos os dias uma comédia vergonhosa que se chama democracia é encenada. Nesta comédia, pode-se debater de tudo, menos a própria democracia. A falsidade central deste modelo reside no fato de que o poder econômico é o mesmo que o poder político. O único antídoto para reverter esse mau funcionamento da democracia é construir uma sociedade crítica que não se limite a aceitar as coisas pelo que elas parecem ser e depois não são, mas se faça perguntas e diga não sempre que for preciso dizer não. Para isso, é urgente voltar à filosofia e à reflexão. "

Saramago prega retorno à filosofia para salvar democracia, 20/01/2004

A ilusão do mundo democrático

" O poder econômico sempre existiu, o poder político sempre esteve ligado a ele, sempre existiu um concubinato entre esses dois poderes. Mas os cidadãos estão aqui embaixo. E como eles poderiam expressar suas angústias, dúvidas e necessidades junto a este poder econômico? Em princípio, seria através do mesmo governo que serve de correia de transmissão. Mas não podemos ter qualquer esperança de que esses governos digam ao poder econômico, representado hoje pelo FMI, que as condições que vocês nos impõem são terríveis. Há um problema, que na minha opinião, é fundamental da democracia: ou ela transcende o poder da tal bolha que falei, tendo uma ação fora dela, ou vamos continuar a viver na ilusão do mundo democrático. "

José Saramago questiona a ilusão do mundo democrático, 23/08/2004

Saramago defende não-utopia

" O único lugar que existe é o dia de amanhã, a nossa utopia é fazer alguma transformação já. Não há tempo para gastar em discussões e movimentos de mobilização que resultarão em alguma melhora na qualidade global de vida somente em 2043 ou, pior, daqui a 150 anos. Quem nos garante que no futuro as pessoas estarão interessadas naquilo em que agora estamos? Para as cinco bilhões de pessoas que vivem na miséria, utopia é nada "

" Atenção, atenção, muita atenção! Muita atenção porque eu vou pronunciar uma frase histórica: O que transformou o mundo não foi uma utopia, foi uma necessidade "

José Saramago 26/01/2005
V Fórum Social Mundial 2005

9 de junho de 2010

Eu também vou reclamar

Mas é que se agora
Pra fazer sucesso
Pra vender disco
De protesto
Todo mundo tem
Que reclamar

Eu vou tirar
Meu pé da estrada
E vou entrar também
Nessa jogada
E vamos ver agora
Quem é que vai güentar

Porque eu fui o primeiro
E já passou tanto janeiro
Mas se todos gostam
Eu vou voltar

Tô trancado aqui no quarto
De pijama porque tem
Visita estranha na sala
Aí eu pego e passo
A vista no jornal

Um piloto rouba um "mig"
Gelo em Marte, diz a Viking
Mas no entanto
Não há galinha em meu quintal
Compro móveis estofados
Me aposento com saúde
Pela assistência social

Dois problemas se misturam
A verdade do Universo
A prestação que vai vencer
Entro com a garrafa
De bebida enrustida
Porque minha mulher
Não pode ver

Ligo o rádio
E ouço um chato
Que me grita nos ouvidos
Pare o mundo
Que eu quero descer

Olhos os livros
Na minha estante
Que nada dizem
De importante
Servem só prá quem
Não sabe ler

E a empregada
Me bate à porta
Me explicando
Que tá toda torta
E já que não sabe
O que vai dá prá mim comer

Falam em nuvens passageiras
Mandam ver qualquer besteira
E eu não tenho nada
Prá escolher

Apesar dessa voz chata
E renitente
Eu não tô aqui
Prá me queixar
E nem sou apenas o cantor

Que eu já passei
Por Elvis Presley
Imitei Mr. Bob Dylan, you know...
Eu já cansei de ver
O Sol se pôr

Agora eu sou apenas
Um latino-americano
Que não tem cheiro
Nem sabor

E as perguntas continuam
Sempre as mesmas
Quem eu sou?
Da onde venho?
E aonde vou, dá?

E todo mundo explica tudo
Como a luz acende
Como um avião pode voar
Ao meu lado um dicionário
Cheio de palavras
Que eu sei que nunca vou usar

Mas agora eu também resolvi
Dar uma queixadinha
Porque eu sou um rapaz
Latino-americano
Que também sabe
Se lamentar

E sendo nuvem passageira
Não me leva nem à beira
Disso tudo
Que eu quero chegar
-E fim de papo!

Raulzito

1 de junho de 2010

Nirvana

not much chance,
completely cut loose from
purpose,
he was a young man
riding a bus
through North Carolina
on the wat to somewhere
and it began to snow
and the bus stopped
at a little cafe
in the hills
and the passengers
entered.
he sat at the counter
with the others,
he ordered and the
food arived.
the meal was
particularly
good
and the
coffee.
the waitress was
unlike the women
he had
known.
she was unaffected,
there was a natural
humor which came
from her.
the fry cook said
crazy things.
the dishwasher.
in back,
laughed, a good
clean
pleasant
laugh.
the young man watched
the snow through the
windows.
he wanted to stay
in that cafe
forever.
the curious feeling
swam through him
that everything
was
beautiful
there,
that it would always
stay beautiful
there.
then the bus driver
told the passengers
that it was time
to board.
the young man
thought, I'll just sit
here, I'll just stay
here.
but then
he rose and followed
the others into the
bus.
he found his seat
and looked at the cafe
through the bus
window.
then the bus moved
off, down a curve,
downward, out of
the hills.
the young man
looked straight
foreward.
he heard the other
passengers
speaking
of other things,
or they were
reading
or
attempting to
sleep.
they had not
noticed
the
magic.
the young man
put his head to
one side,
closed his
eyes,
pretended to
sleep.
there was nothing
else to do-
just to listen to the
sound of the
engine,
the sound of the
tires
in the
snow.

Charles Bukowski